Todos os anos, as grandes empresas de tecnologia gastam bilhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento para equipar laboratórios imponentes e encontrar os melhores talentos disponíveis ao redor do mundo. É um esforço considerável, mas em um setor tão imprevisível, a diferença entre sucesso e fracasso pode estar em um mero botão.
Anos atrás, quando os programadores da Apple apresentaram a Steve Jobs uma versão do Mac OS, o software básico dos computadores Macintosh, o lendário cofundador da companhia insistiu para que fosse incluído no sistema um botão de acesso rápido que lembrasse um semáforo. Todo mundo sabia o significado das três cores do sinal de trânsito e, por isso, seria fácil para o consumidor entender a simbologia do botão: verde para ir adiante e expandir uma tela, amarelo para minimizá-la e vermelho fechar o arquivo, o correspondente ao “pare” do pedestre ou motorista no trânsito.
Os engenheiros da Apple torceram o nariz, conta um biógrafo de Jobs, mas o argumento do executivo-chefe mostrou-se acertado. Os consumidores aprovaram o botão em três cores, que se tornou uma característica do sistema.
Agora, eis uma história com fim menos feliz. Pelo menos, por enquanto. Durante anos, os críticos da Microsoft disseram que a companhia havia perdido o poder de inovar e só se repetia, lançando versões melhoradas, mas pouco inspiradas, dos seus principais produtos – o sistema operacional Windows, dominante no mundo dos computadores, e o pacote Office, que inclui programas como o processador de texto Word e o software de planilhas Excel.
Em outubro do ano passado, a Microsoft rompeu com a pasmaceira ao lançar o Windows 8. Em vez da aparência tradicional, o sistema passou a mostrar blocos coloridos, com conteúdo dinâmico. No lugar de indicar que o usuário recebeu um e-mail, o bloco dedicado ao correio eletrônico mostra um trecho da mensagem. Enquanto isso, o bloco das fotos exibe sucessivamente as imagens do usuário armazenadas no computador, em vez de mostrar um desenho indicativo genérico, e assim por diante. O que ficou de fora? O grande botão redondo de “Iniciar”, uma marca do Windows. Provavelmente, os programadores pensaram que o sistema ficara tão intuitivo que dispensava um botão desse tipo. Estavam errados.
Na semana passada, a Microsoft reconheceu que há problemas no sistema e anunciou que fará mudanças, com o lançamento de uma versão atualizada, até agora chamada de Windows Blue. Uma das alterações? A volta do botão “Iniciar”.
Liberdade para trabalhar
É possível tirar duas lições dos episódios: a primeira é que é muito difícil prever o que vai ou não agradar o consumidor na área de tecnologia. O público nem sempre reage da maneira esperada. Com o Windows 8, a Microsoft criou um produto visualmente instigante e com um propósito estratégico: o software é idêntico ao Windows Phone 8, o sistema com que a companhia espera ocupar espaço no mercado de smartphones, roubando espaço do Google e da Apple. O objetivo da Microsoft era unificar as experiências nos dois dispositivos e intensificar a ligação dos usuários com seus produtos, como fez a Apple. Mas a ausência do botão e a dificuldade do consumidor em transitar pelas duas aparências do Windows 8 – a nova e a tradicional – frustrou, pelo menos em parte, essa expectativa.
O segundo ponto é sobre a importância da visão e do trabalho individuais na busca pela inovação, cada vez mais pautada pela produção coletiva. Os braços de pesquisa e desenvolvimento das grandes empresas geralmente contam com equipes numerosas, distribuídas por vários países, e que lidam com amplos recursos financeiros. Isso não é ruim, mas episódios do passado mostram como esse cenário pode estimular uma concorrência interna destrutiva ou, ao contrário, provocar uma apatia na equipe. Quando muita gente está envolvida em um projeto, há o risco de que ninguém se sinta, de verdade, responsável pelos resultados.
Morto em 2011, Jobs também errou na Apple. O Cube, um computador estiloso em forma de cubo, foi um grande fracasso, e mais recentemente o serviço de armazenamento de informações na nuvem MobileMe não foi para frente, entre outros exemplos malsucedidos. Mas a abordagem obsessiva de Jobs em relação aos detalhes mostrou-se um dos pontos mais valiosos para a Apple, numa prova de que a intervenção de um único homem faz diferença, desde que ele conte com os atributos necessários e esteja no lugar certo.
A dupla formada por Sergey Brin e Larry Page é outro exemplo. No fim dos anos 90, não faltavam serviços de busca e os investidores do Vale do Silício, na Califórnia, não pareciam dispostos a investir em mais um clone. Os dois amigos provaram, no entanto, que nenhum dos sites estabelecidos – incluindo o Yahoo, que dominava a internet na época – podia fazer o que o algoritmo criado por ambos fazia: usar as próprias buscas dos usuários para criar um ranking que colocava os sites mais procurados nos primeiros lugares da lista. O resto da história é conhecido: o Google estabeleceu um modelo de negócio altamente lucrativo, com base na publicidade e a partir da adesão maciça dos usuários a seu serviço. O fenômeno deu origem até a um neologismo: “Googlar”, ou pesquisar na internet.
Para as grandes empresas, sempre em busca de antecipar o futuro, permanece o dilema: não basta descobrir onde estão os próximos Jobs, Brin ou Page. É preciso garantir que eles tenham liberdade para trabalhar, mesmo que seja em um detalhe aparentemente insignificante, como incluir ou retirar um botão.
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João Luiz Rosa, do Valor Econômico