Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Exército nas ruas, mídia na cabeça

Já foi dito que o Brasil é o país da hipocrisia – o que pode ser comprovado com aquilo que se convencionou chamar de crise política, iniciada em maio do ano passado. Naquele momento, dizia-se que o PT protagonizava o maior escândalo de corrupção da história e políticos experientes, com a ajuda de editores igualmente experientes, aproveitaram para difundir esse papo, como se o governo tucano houvesse sido um verdadeiro inferno para a turma do caixa 2.

Mas já se passaram vários meses desde então e precisamos de um caso mais atual, que respeite a eficiente capacidade de memória dos meios de comunicação de massa. Tomemos, então, a operação do Exército nas favelas do Rio de Janeiro, também chamada de ocupação por uns e de invasão, por outros. O jornal O Globo quinta-feira (9/3), em sua versão eletrônica, traz na seção Rio: ‘Exército prestigiado entre internautas: em enquete do Globo Online, leitores dizem que tropas aumentam a segurança da população’.

Não sei se ocorreu ao Globo Online realizar essa pesquisa nos bairros ocupados pelos militares, mas desconfio que o resultado teria sido outro. Afinal, seria muito difícil que as mães que ali residem (sim, ali existem mães) achassem seguro soldados fortemente armados perambulando no espaço em que seus filhos estão brincando. Não vamos nos esquecer de que a polícia de Luiz Eduardo Soares prendeu Elias Maluco sem disparar um tiro – e sem precisar do Exército.

Essa situação evidencia a hipocrisia dos que dizem que um dos maiores erros políticos é polarizar uma nação. Assim foi dito com relação à Venezuela por gente que teme que o mesmo aconteça no Brasil. O fato é que tanto um país quanto o outro já são polarizados. Não precisava de um Hugo Chávez lá ou de um presidente que governe em nome do povo aqui para que se perceba isso. A única diferença é que a mídia grande só mostra essa divisão quando lhe convém. Ou seja, o que incomoda não é a existência de tanta desigualdade. O que incomoda é quando essa desigualdade vem à tona. E isso mostra também o quanto essa hipocrisia brasileira está relacionada ao reacionarismo dos segmentos que controlam a sociedade, que acham tranqüilo mandar o Exército para os locais há anos abandonados pelo poder público.

Para que servem?

A justificativa oficial dessa operação do Exército é recuperar dez fuzis e uma pistola. Com todo o respeito aos generais, mas isso só pode ser piada. Quantos fuzis e pistolas das Forças Armadas estão espalhados nas favelas cariocas? Há quanto tempo isso acontece? Então quer dizer que agora, de repente, o Exército invoca e resolve recuperar as armas? Então é isso mesmo, 1.600 homens são mantidos durante uma semana em dez favelas para recuperar dez fuzis e uma pistola?

De acordo com a versão oficial, reproduzida pela mídia oficial, o custo dessa ocupação é de 100 mil reais por dia. Estamos hoje [sexta, 10/3] no sétimo dia e, portanto, já foram embora 700 mil reais dos cofres públicos. Quanto custa um fuzil? No mercado negro, consegue-se um AK-47 por 5 mil reais. Ou seja, virou questão de honra recuperar o armamento. É a única explicação.

Cristina Guimarães, a repórter da TV Globo que se recusou a fazer o trabalho que Tim Lopes fazia, disse ao site FazendoMedia que não são os civis, mas os militares que vendem as armas para o tráfico. Em outras palavras: comprar pode, roubar não.

E o que dizer das Organizações Globo e sua cobertura fantástica disso que eles chamam entusiasticamente de ‘operação’? Mais um pouco e a saliva escorre pelo jornal O Globo. Não devemos nos esquecer de sua longa e cordial relação com a ditadura política orientada pela CIA, que fez do país um paraíso financeiro para as multinacionais e para os multicanalhas. Sua manchete de 9/3 quase comemorava a invasão: ‘Exército já cerca todo o Rio’. Em 1º de abril de 1964, no dia da mentira fardada, a manchete era: ‘Fugiu Goulart e democracia está sendo restabelecida’.

Para que servem as Forças Armadas? Se for para defender o povo de uma agressão estrangeira, então seria melhor que ocupassem as empresas que facilitam a invasão cultural a que estamos submetidos.

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Coordenador do site FazendoMedia