Humanité Dimanche, revista do centenário cotidiano comunista L’Humanité, voltou às bancas na sexta-feira (9/3) depois de nove anos de interrupção. Fundada em 1948, a revista havia desaparecido em 1997. Apesar do nome, o semanário sai às quintas-feiras com o objetivo de ‘dar aos leitores mais referências, análises originais e propostas alternativas ao capitalismo financeiro globalizado’, segundo Patrick Le Hyaric, diretor do L’Humanité, fundado por Jean Jaurès em 1904. O jornal, que já foi o porta-voz do Partido Comunista Francês, não tem mais a foice e o martelo no logotipo mas continua um aliado dos trabalhadores, dos altermundialistas e das lutas da esquerda francesa e mundial.
A revista que renasce é oportuna e necessária. As lutas sociais começam a se exacerbar a um ano das eleições presidenciais e Humanité Dimanche pode ter um papel importante na campanha que tentará levar a esquerda de volta ao Palácio do Eliseu; e também na discussão sobre as mazelas sociais da França, de que são vítimas imigrantes sem papel e descendentes de árabes e africanos.
A queda-de-braço entre os defensores do modelo anglo-saxão e os do modelo social francês do Estado-providência vai se tornar cada vez mais dura. Os eleitores de esquerda vão ter na revista um veículo de defesa dos direitos dos trabalhadores contra o rolo compressor do neoliberalismo defendido pela direita francesa, atualmente no poder. Essa luta está nas ruas francesas há vários dias e se expressa nas passeatas estudantis contra a flexibilização do contrato de trabalho dos jovens de menos de 26 anos.
Sutil alusão
Humanité Dimanche, impresso em quatro cores, renasce com um projeto ambicioso – vender 100 mil exemplares em curto espaço de tempo e se afirmar como uma alternativa mais à esquerda no panorama da mídia semanal francesa. A revista pretende funcionar como um contrapoder e não ser apenas mais um semanário num país que, no segmento news magazine, tem títulos de prestígio como Le Nouvel Observateur, Le Point, L’Express e Marianne.
O primeiro número, lançado no dia seguinte ao Dia Internacional da Mulher, aproveitou a data para eleger como matéria principal uma ‘entrevista cruzada’ com duas das mais populares mulheres da política francesa: a combativa Marie-George Buffet, secretária-geral do Partido Comunista Francês, e Ségolène Royal, ex-ministra no governo Lionel Jospin, representante de uma esquerda light e apontada nas pesquisas como o mais forte nome do Partido Socialista para as próximas eleições presidenciais. As duas prováveis candidatas nas eleições do ano que vem – se o PC e o PS não conseguirem realizar a tão sonhada frente de esquerda para viabilizar a volta ao poder – responderam às perguntas resumidas na manchete de capa: ‘As mulheres podem mudar a política e a vida?’
Uma reportagem especial apresenta algumas das correspondentes de guerra que trabalham para jornais e televisões francesas arriscando diariamente a vida para cobrir o que se passa no Oriente Médio e em zonas de alto risco em todo o planeta.
A revista dedicou a grande cobertura de atualidade às passeatas e ao movimento estudantil francês, que tentam barrar a lei do primeiro-ministro denominada ‘Contrato primeiro emprego’ (contrat première embauche), que flexibiliza a lei do trabalho permitindo aos patrões demitir com mais facilidade os jovens de menos de 26 anos.
No editorial de apresentação do primeiro número da nova fase, Patrick Le Hyaric afirma que Humanité Dimanche vai demonstrar que os meios de garantir segurança no emprego combinada a uma formação necessária, assim como a segurança sanitária e a do meio ambiente, estão a nosso alcance. ‘A HD vai também mostrar que a segurança planetária só será assegurada com a destruição das armas de morte beneficiando as ações de vida. Esses objetivos humanistas se opõem à lei do capital’, escreveu.
Para bom entendedor, uma alusão sutil ao fato de o jornal de direita Le Figaro ter sido comprado pelo fabricante de armas Serge Dassault e Paris Match pertencer ao grupo Lagardère, outro grande fabricante de armas. E até mesmo o jornal de esquerda Libération, fundado em 1973 por Jean-Paul Sartre e um grupo de maoístas idealistas, tem como sócio majoritário, desde o ano passado, o banqueiro Edouard de Rotschild. Fica difícil imaginar como Libération vai conciliar sua filiação à esquerda com os interesses do banqueiro-acionário.
Leitor-militante financia a revista
Os leitores do jornal l’Humanité foram convocados a participar financeiramente da criação da revista e responderam prontamente ao apelo do jornal, que defende o pluralismo na mídia impressa como um dos pilares da democracia francesa. ‘A força histórica do L’Humanité é sua ligação quase carnal com uma força militante que se mobiliza sempre que necessário’, ressalta Patrick Le Hyaric.
De fato, ser leitor do L’Huma é ser antes de tudo um militante que não quer ver seu jornal desaparecer do cenário midiático francês, no qual ocupa um lugar histórico há mais de cem anos. Mais que um leitor, o aficionado do L’Humanité é um militante que desfila nas grandes passeatas de Paris exibindo a capa do diário.
Na realidade, só foi possível relançar HD graças à militância dos leitores e assinantes do jornal, que não se fizeram de rogados: num elan de generosidade, 5.600 leitores tornaram-se co-fundadores da revista Humanité Dimanche por meio de doações que totalizavam 900 mil euros às vésperas do lançamento. A revista prevê que 3 milhões de euros serão necessários para deslizar sob céu de brigadeiro.
Há dois anos, mergulhado em uma grande crise financeira, ameaçado de ter que fechar antes de comemorar o centenário, o diário comunista viu-se obrigado a lançar uma ‘campanha de subscrição do centenário’. Os cheques choveram, representando doações de mais de 12 mil leitores. Essa mobilização militante é o grande trunfo do jornal, que tem nos eleitores comunistas o suporte para levar adiante o sonho de Jean Jaurès de um jornal ‘feito para transformar a sociedade’ e ‘trabalhar pela realização da humanidade’.
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Jornalista