Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Luiz Weis analisa caso do
extrato da conta do caseiro


Leia abaixo os textos de terça-feira selecionados para a seção Entre Aspas.


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O Estado de S. Paulo


Terça-feira, 21 de março de 2006


CASO NILDO
Luiz Weis


Se o PT fosse oposição


‘Proposta de ‘experimento mental’, à maneira dos físicos do começo do século 20. O primeiro passo é uma breve viagem no tempo. Percorrendo seis anos e quatro meses na pista que leva ao passado, chega-se a julho de 1998. O Brasil está para privatizar as teles.


O experimento tem início.


O ministro da Fazenda, Pedro Malan – de quem o presidente Fernando Henrique diz que lhe deve ‘muito, mas muito’ e que ele ‘ganhou respeitabilidade no mundo inteiro pela sobriedade e seriedade’ – é atingido por uma bomba.


Malan teria aparecido com certa freqüência num casarão no Lago Sul de Brasília, alugado por um de seus velhos amigos, colaboradores e parceiros de academia, mas não para servir de residência.


Soube-se, por sinal, que o mais notório deles não apenas rompera com o ministro, mas o acusou de receber propina mensal de uma empresa em que o denunciante era o número 2 e que prestava serviços ao Banco Central quando Malan era o seu presidente.


O grupo se reunia no casarão para mexer com dinheiro e tramar para que o leilão do sistema Eletrobrás, no dia 29 daquele mês, saísse a gosto dos licitantes certos. Reunia-se também para fazer festas com moças fornecidas por uma conhecida madame da capital.


Chamado a se explicar ao Congresso, o ministro jurou por tudo o que era sagrado que desde a sua ida para a Fazenda se afastou do grupo – e jamais pôs os pés na tal mansão que a imprensa vinha chamando ‘sede da República da PUC em Brasília’.


À falta de provas, fica tudo por isso mesmo. Eis que um motorista que trabalhara para a patota revela tê-lo visto na sede ‘umas duas ou três vezes’. Malan torna a desmentir. É a palavra de um contra a palavra de outro.


Passa uma semana e um jornal de oposição – embora considere o titular da Fazenda ‘um ministro como poucos o Brasil teve’ – divulga uma entrevista com Francenildo Santos Costa, piauiense de 24 anos e ex-caseiro da propriedade de má fama.


O jornal deu apenas os ‘principais trechos’ da entrevista. Mas bastou para levar o ministro às cordas. A começar da frase: ‘Do lado dele, eu não sou nada, mas ele está mentindo.’


Nildo afirmou que o viu na casa ‘umas 10 ou 20 vezes’. Contou que sempre mandava avisar quando vinha e pedia para apagarem as luzes da fachada. Contou também que quase sempre chegava sozinho, guiando um carro prateado com vidros escurecidos.


Depois de outra entrevista, dessa vez à imprensa em geral, ele foi chamado a depor no Congresso – inquirição suspensa aos 55 minutos por uma liminar impetrada a mando de Fernando Henrique.


Das palavras de Nildo não ficou claro se Malan usava a mansão só para se divertir. O máximo a que ele chegou no outro departamento foi declarar que ele e o motorista entregaram dinheiro ao secretário particular do ministro, no estacionamento da Fazenda.


O experimento mental continua. No dia seguinte ao da frustrada sabatina de Nildo no Congresso, uma revista semanal publica no seu site um extrato da sua conta-poupança numa agência da Caixa Econômica Federal.


A revista não diz como ‘teve acesso’ ao documento. Excluído, por absurdo, que os autores da matéria tenham achado o extrato debaixo de uma ponte, como se disse das fitas do grampo no BNDES à época das privatizações – no mundo real, não do experimento -, chega-se ao seguinte: alguém mandou violar o sigilo bancário do ex-caseiro.


O crime serviu para plantar na imprensa presumivelmente ávida por carne fresca – como certos jornalistas falam dos furos sensacionais – a sugestão de que o ex-caseiro disse o que disse porque foi subornado por inimigos do governo.


Ou seja, no experimento mental em curso, pelo PT.


Dispostos a tudo para impedir a reeleição do presidente, os petistas faziam política ‘com o esôfago’, disse ele. Decerto quis dizer fígado. A troca de vísceras na metáfora surpreendeu. Afinal, Fernando Henrique conhece os usos do idioma – até para fazer maldades.


Em questão de horas, o advogado de Nildo organiza uma entrevista do seu cliente à imprensa para ele explicar quem e por que depositou na sua conta, em cash, um total de R$ 25 mil entre janeiro e começo de março daquele experimental ano de 1998.


Na entrevista, para provar que não se vendeu ao partido de Luiz Inácio Lula da Silva, o qual se preparava para disputar o Planalto pela terceira vez, o moço é obrigado a revelar que é filho de uma união ocasional de um dono de ônibus de Nazária, no Piauí, a quem só veio a conhecer já adolescente.


No fim do ano anterior, ele procurou o homem para pedir-lhe que finalmente assumisse a sua paternidade. Ele tergiversou, mas prometeu ajudar financeiramente o filho – que, segundo os que os conhecem, é a cara do pai. Essa a origem dos depósitos. Os saques também foram explicados.


Em dado momento da entrevista, Nildo contou que, na antevéspera, quando foi pedir proteção à Polícia Federal, pouco antes das 21 horas o seu cartão bancário foi requisitado por um delegado. O extrato foi tirado nesse dia. Às 20h58m21s.


Diante dos indícios veementes de que o governo tucano não hesitara em devassar a vida íntima de um trabalhador honesto para proteger a vida íntima de um ministro cuja honestidade estava em dúvida, o PT e os movimentos populares mobilizam o Brasil.


Manifestações reúnem centenas de milhares de pessoas. Lula vai às principais. Desde o tempo dos caras-pintadas não se via nada igual. Trabalhando 24 horas por dia na apuração do delito, procuradores federais descobrem que os violadores têm ligações com o setor público.


No Congresso, a maioria governista entrega Malan à própria sorte. Ele renuncia. Desmoralizado, Fernando Henrique anuncia que não disputará a reeleição. Os jornalistas que divulgaram o extrato se demitem.


Fim do experimento.


Luiz Weis é jornalista’


VIOLÊNCIA CONTRA JORNALISTAS


O Estado de S. Paulo


SIP pede que PF apure crimes contra jornalistas


‘A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) solicitou ontem ao governo brasileiro, na sua reunião semestral, em Quito, no Equador, que a investigação dos crimes contra jornalistas e radialistas passe a ser de responsabilidade da Polícia Federal. A entidade justifica o pedido alegando que os assassinatos geralmente ocorrem em represália a denúncias feitas pelo jornalista na sua própria cidade. Por isso, alega, é necessário levar as investigações desses casos para a esfera nacional.’


TV DIGITAL
Jamil Chade


UE reforça lobby da TV digital


‘A União Européia (UE) mandará seu representante máximo de Comércio para tentar convencer o governo brasileiro a adotar o modelo europeu para a TV digital. Na semana que vem, desembarca no País o comissário de Comércio da Europa, Peter Mandelson. Segundo informou seu gabinete, o tema da TV digital estará na agenda de negociações com o chanceler, Celso Amorim.


O Brasil está por tomar uma decisão sobre que modelo adotará para o desenvolvimento da TV digital no País. Uma das opções seria o sistema japonês. Apesar dos avanços nos debates com Tóquio, a falta de compromissos em investimentos deixou aberta a porta para europeus e americanos ainda tentarem seduzir o governo.


No fim da semana passada, uma delegação européia esteve reunida com os técnicos e ministros brasileiros para convencê-los das vantagens de seu padrão tecnológico. Uma empresa, a franco-italiana ST Microeletronics, chegou a indicar que poderá abrir uma planta de produção de chips.


Temas como as negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC) e o processo para a criação de uma área de livre comércio entre a Europa e o Mercosul também estarão na agenda com o Itamaraty.


Mandelson passará pelo Chile e pela Argentina antes de chegar ao Brasil. Com Amorim, porém, a relação não é das melhores. Em alguns momentos, nenhum dos dois sequer se esforça em manter as aparências. Durante a reunião da OMC em Hong Kong, em dezembro, os dois terminaram o debate de cinco dias num clima de desconfiança e irritação. Amorim evitava nas reuniões até mesmo citar o nome de Mandelson. Agora, a intenção dos europeus em levantar o tema da TV digital nas negociações foi vista com cautela pelo Itamaraty.


FURLAN


O ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, comemorou a possibilidade de o Brasil sediar uma fábrica de componentes eletrônicos relacionada à implantação da TV digital no País. Apesar de evitar fazer previsões, ele afirmou que o Brasil está diante da possibilidade de hospedar uma fábrica de componentes eletrônicos dentro de um período de um a dois anos.’


MERCADO EDITORIAL / EUA
Richard Siklos


Ridder explica a venda dos jornais


‘THE NEW YORK TIMES – Poucos dias depois de anunciar o acordo para vender a Knight Ridder, P. Anthony Ridder, o presidente da companhia, já tem fantasmas para enfrentar.


O maior, é claro, é o desaparecimento da companhia que seu bisavô Hermann fundou em 1892 – a Ridder Publications, que se fundiu em 1974 com a Knight Newspapers para criar o segundo maior grupo jornalístico dos Estados Unidos, com 32 jornais diários.


Mas ele também terá de enfrentar o fato – aparentemente desconhecido por ele – de que a compradora da empresa, a McClatchy Co., pretende vender 13 dos maiores jornais da Knight Ridder, que representam quase a metade de sua receita anual de U$ 3 bilhões.


‘É terrível’, disse Ridder, depois que o acordo foi anunciado. ‘A coisa toda.’ Então por que ele fez isso? Sua alegação é que estava encurralado e obteve o melhor resultado de uma situação difícil. Com o preço das ações em queda e a maior acionista, a Private Capital Management, pedindo mudanças, sobravam-lhe poucas opções.


Ele possui 1,9% das ações da companhia, e a Knight Ridder não é governada pelo tipo de estrutura acionária que mantém o controle votante nas mãos de uma família fundadora e é muito comum no setor de mídia. Pode-se alegar que ele fez um bom negócio com um comprador preferencial. Mas a coisa não faz sentido.


O fim da Knight Ridder lembra mais uma capitulação num período em que qualquer gestor de fundo pequeno pode se imaginar um ativista e o preço das companhias de mídia está em queda. Nem sempre foi assim, e poderá não ficar para sempre. É de se perguntar se um outro presidente executivo – alguém com o vigor e a visão de, por exemplo, Gary B. Pruitt, da McClatchy, o comprador bem menor – poderia ter superado as dificuldades e conseguido um desfecho diferente.


Com Tony Ridder, a Knight Ridder enfrentou uma série aparentemente infindável de problemas financeiros em grandes jornais em Detroit, Seattle, Filadélfia e outros lugares. O corte de despesas reduziu algumas redações à sombra do que eram, mas a companhia em geral manteve a reputação de respeito pelo seu jornalismo. Ridder, bem intencionado como era, não tinha uma resposta para os problemas perenes que deixavam as margens de lucro de sua empresa abaixo das rivais como a Garnett e a McClatchy.


O fato é que todo o setor jornalístico vinha sofrendo com a migração de leitores e anunciantes para a internet. Alguns descrevem Ridder, seu staff administrativo e seu conselho de administração como fatigados pelas dificuldades recentes. Ridder alega que se não tivesse firmado o negócio com a McClatchy, Bruce S. Sherman, gestor financeiro da Private Capital Management, acabaria assumindo o controle do conselho. Então ele agiu enquanto ainda podia manter o controle da situação, tentando evitar um período prolongado de incertezas para os jornais e seus empregados.’


Damon Darlin


Alto custo faz McClatchy se desfazer do ‘Mercury’


‘THE NEW YORK TIMES – Quando Dan Gillmor chegou ao San Jose Mercury News, em 1994, ele se sentiu na olho do furacão. No seu trabalho anterior, como repórter do Detroit Free Press – na época, um dos principais jornais do país -, ele teve problemas para fazer os editores entenderem a importância das matérias de tecnologia. Agora, ele estava no centro da parte mais vibrante da economia dos EUA, onde as fortunas e a história estavam sendo feitas quase todos os dias.


‘Éramos um dos poucos jornais que cresciam’, disse Gillmor que, junto com alguns outros famosos contratados do Mercury News, forneceram algumas das melhores matérias sobre a era da ‘bolha’ pontocom.


Essa ‘bolha’ estourou, mas o Vale do Silício voltou. O Mercury News, no entanto, não. Segunda-feira passada, a McClatchy Co. anunciou a compra da Knight Ridder por US$ 4,5 bilhões, mas informou que venderia imediatamente 12 dos jornais da Knight Ridder para ajudar a financiar a compra. O Mercury News, auto-intitulado ‘o manual do usuário do Vale do Silício’, também será vendido.


P. Anthony Ridder, presidente da Knight Rider, que mudou a sede da empresa para Miami em 1998, se disse chocado. ‘Fiquei impressionado’, teria dito, em reportagem na primeira página do Mercury News no dia seguinte. Quase todos no jornal se sentiam da mesma forma.


Uma das razões pelas quais a McClatchy decidiu não manter o Mercury News são os altos custos operacionais do jornal. A margem de lucro, em torno de 9%, está muito abaixo da média de 12% dos outros títulos da McClatchy.’


PUBLICIDADE
Carlos Franco


Gasto com publicidade cresce 17% no primeiro bimestre


‘O mercado publicitário investiu R$ 4,8 bilhões na compra de espaço nos meios de comunicação de janeiro a fevereiro, 17% a mais que no mesmo período do ano passado. Os dados são do Ibope/Monitor, em parceria com o jornal especializado Propaganda & Marketing.


O varejo continuou a impulsionar o investimento publicitário no País, neste início de ano, respondendo por R$ 1,374 bilhão das autorizações para compra de espaço, ante R$ 1,194 bilhão no primeiro bimestre de 2005. O Ibope/Monitor trabalha com tabela cheia dos meios de comunicação, sem considerar os descontos, que ficam, em média, em 40%.


Por conta desse desempenho do varejo, a agência de publicidade Y&R, que tem a conta das Casas Bahia, manteve a liderança no ranking, posição que ocupa desde 2000. A agência comandada por Roberto Justus foi responsável por R$ 345,8 milhões dos negócios em mídia de janeiro a fevereiro, seguida da McCann-Erickson com R$ 184,1 milhões, Almap/BBDO (R$ 167,9 milhões), JWT (R$ 134,1 milhões), DM9DDB (R$ 133,8 milhões), Publicis (R$ 108,2), Giovanni, FCB (R$ 102,1 milhões), Africa (R$ 97,9 milhões), Ogilvy (R$ 96,3 milhões), F/Nazca (R$ 86,2 milhões), Lew, Lara (R$ 71,3 milhões) e DPZ (R$ 58,6 milhões).


O grande destaque da leitura do Ibope/Monitor, no entanto, recaiu sobre o setor petroleiro, que investiu 111% a mais que no primeiro bimestre do ano passado, com compra de mídia de R$ 40,3 milhões. Explica-se: por se tratar de período de férias, as distribuidoras de petróleo investiram mais em propaganda, estimuladas ainda pelo início das corridas da Fórmula 1, a exemplo da Petrobrás.


Os setores de bebidas, produtos e serviços relacionados ao verão contribuíram para o desempenho de agências como a Africa, que tem a conta da Brahma, e F/Nazca (Skol). O setor de telefonia celular, que investiu pesado no fim de ano, tirou o pé do acelerador, o que fez com que a agência Lew, Lara, que atende a TIM, trocasse a sexta posição do ano passado pela 11ª este ano. A Fischer cresceu quatro posições, passando da 18ª para a 14ª no ranking.


Já a Duda Propaganda, de Duda Mendonça, que está no olho do furacão da CPI dos Correios, caiu três posições, da 20ª para a 23ª, com compra de mídia de R$ 36,2 milhões. A queda não foi maior porque a agência, que tem entre suas contas o guaraná Antarctica e a Petrobrás, se beneficiou das veiculações desses clientes, que tradicionalmente investem mais no primeiro bimestre.’


TELEVISÃO
Etienne Jacintho


Chega de nostalgia


‘O Boomerang, da Turner, decidiu mudar seu formato e seu target. A partir do dia 3, em vez dos desenhos clássicos, que agradavam aos adultos nostálgicos, o canal apostará em animações e séries infanto-juvenis. Será uma espécie de Disney Channel, concorrente de outro canal da Turner, o Cartoon Network.


O interessante da mudança é que, canais como a Nick e o próprio Cartoon abriram espaço para uma programação adulta durante a madrugada e o Boomerang faz o caminho inverso. ‘Queríamos oferecer programação para crianças e adolescentes’, afirma o vice-presidente sênior e gerente-geral do Boomerang para a América Latina, Barry Koch. Apesar da transformação – que inclui todo o visual do canal -, o Boomerang também terá uma faixa adulta, com os clássicos, diariamente à meia-noite. ‘O Cartoon tem uma audiência de 18 a 34 anos no período do Adult Swin’, conta Koch.


Apesar da mudança na América Latina, o Boomerang continua sendo um canal de clássicos nos outros países em que está no ar, inclusive nos Estados Unidos. ‘O mercado aqui é diferente e todos estão esperando para ver como será o desempenho do canal no Brasil’, diz Koch.’


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Folha de S. Paulo


Terça-feira, 21 de março de 2006


DIREITO AUTORAL
Zezé Di Camargo


O desrespeito à propriedade intelectual


‘Uma vilania digna dos grandes malfeitores da ficção cinematográfica espreita a vida real -e já suficientemente cheia de dificuldades- dos músicos no Brasil. A trama tem como cenário o Senado Federal e possui um título provisório: projeto de lei nº 532. O argumento: a extinção do pagamento dos direitos autorais das músicas constantes nas trilhas sonoras dos filmes exibidos no país. O setor, que acumula um calote hoje com 17 anos de idade, ganharia, assim, a lei para referendar a omissão.


Consiste a transgressão no ato de eximir os exibidores cinematográficos do pagamento de direitos autorais de exibição pública e dos fonogramas sincronizados nas películas cinematográficas, violando o inciso XXVII do artigo 5º da Carta Magna, os artigos 28 e 29 da lei nº 9.610/98 e os dispositivos pertinentes das convenções internacionais de Berna, Genebra e Roma, todas ratificadas pelo Brasil.


A possível aprovação do projeto não significará só uma sensível redução da arrecadação dos direitos de execução pública no Brasil, com inevitáveis repercussões de ordem econômica e social, pois debilitará a receita de autores, artistas e empresários culturais. Mais: representará um brutal retrocesso da legislação pátria de proteção aos direitos intelectuais, considerada, sem qualquer favor, das mais avançadas do mundo.


Pelo menos em relação aos cinemas, pensam diferente os quatro senadores que assinam a obra: João Capiberibe (cassado) e Paulo Octávio, autores do projeto, e Saturnino Braga e César Borges, os relatores.


Tal proposta, além do óbvio desrespeito à prerrogativa de um autor receber pelo uso de seu trabalho -algo entendido como elementar mundo afora-, contraria a Constituição Federal e a Lei dos Direitos Autorais.


Tais conquistas não podem ser ceifadas do dia para a noite por um projeto que atende tão-somente aos interesses dos exibidores cinematográficos, que, por acaso, são, nos últimos 20 anos, os maiores devedores do direito de execução pública em nosso país. Uma vez aprovado tal precedente, estará aberto imediatamente o caminho para que novas atitudes de desrespeito aos direitos intelectuais dos autores brasileiros possam ser pleiteadas.


Trata-se de motivo mais do que suficiente para o projeto nº 532 ser confinado no arquivo de proposições descartadas do Senado e de lá nunca mais sair.


Mas há outros motivos. Não se pode dar abrigo a uma proposta que beneficia um setor historicamente inadimplente, o maior devedor de direitos autorais no Brasil. Após tanta falta de respeito, não podem ser premiados com uma proteção institucional que, ainda por cima, serviria como sinalização. Estaria aberto o caminho dos abusos.


A Justiça também está do lado dos músicos. Segunda corte mais importante do país, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) deu ganho de causa ao Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), em abril de 2003, em uma ação contra os grandes exibidores, determinando o pagamento. Reza o aforismo jurídico que decisão judicial não se discute -cumpre-se. Entretanto, até hoje, nada.


Há mais razões, além das fronteiras brasileiras, para que a idéia desse projeto não prospere. Se aprovada, a lei vai contrariar um conjunto de tratados e convenções internacionais de que o Brasil é signatário na OMC (Organização Mundial do Comércio). Estaria configurado o benefício a um segmento empresarial (os exibidores cinematográficos), grave ofensa aos conceitos de propriedade intelectual. O país ainda ficaria sujeito a pesadas sanções comerciais, como a imposição de barreiras aos nossos produtos.


Assim, os trabalhadores da música brasileira esperam contar com a pronta e inestimável iniciativa dos senadores para que intercedam junto à presidência da Casa, evitando que o projeto de lei seja votado em regime de urgência. O texto deve ser submetido, antes, como recomenda o bom senso, à Comissão de Constituição e Justiça do Senado. É o desejo de milhares de autores dedicados à cultura brasileira.


Aclamados no mundo inteiro pela qualidade de sua produção e por ajudar na divulgação de uma melhor imagem do país, os músicos do Brasil merecem que esse filme, mais do que qualquer outro, tenha um final feliz.


Mirosmar José di Camargo, o Zezé di Camargo, 43, é cantor e compositor.’


TV DIGITAL
Elvira Lobato


Globo teme rumo da discussão da TV digital


‘É de preocupação o clima na Rede Globo quanto ao rumo da discussões no governo para a escolha do sistema de televisão digital. Para os executivos da empresa que acompanham o assunto de perto, a discussão tomou um caminho perigoso ao priorizar a implantação de uma fábrica de semicondutores no país.


A confiança na escolha do padrão japonês -defendido pela Globo e pela grande maioria dos radiodifusores- foi substituída por uma crescente apreensão, à medida em que a União Européia promete apresentar, nos próximos dias, uma proposta efetiva para a construção da fábrica.


Duas semanas atrás, a Folha noticiou que o presidente Lula já tinha se decidido pelo padrão japonês, atendendo aos radiodifiusores. O anúncio oficial era esperado para o último dia 11, mas o comitê de ministros que estuda o assunto pediu um prazo adicional para examinar as ofertas dos concorrentes. Desde então, os europeus fazem uma grande ofensiva para reverter o jogo.


Em entrevista à Folha, os diretores da Rede Globo de Engenharia, Fernando Bittencourt, e de Relações Institucionais, Evandro Guimarães, demonstraram preocupação da empresa com a possibilidade de o sistema de TV digital vir a ser escolhido em razão de contrapartidas que não tenham relação com as prioridades das emissoras de televisão.


Terno por cimento


‘É como se eu fosse comprar um terno e o gerente me oferecesse três sacos de cimento como contrapartida para eu levar um modelo que não me serve’, disse Bittencourt.


Três tecnologias estão na disputa: a norte-americano (ATSC), a européia (DVB) e a japonesa (ISDB). Mas, como o padrão norte-americano não comporta a transmissão para aparelhos móveis (como telefones celulares), ela acabou polarizada entre os sistemas japonês e europeu.


Estima-se que as emissoras, em seu conjunto, terão de investir US$ 500 milhões para montar as redes de retransmissão com a nova tecnologia digital. As TVs, hoje, funcionam com sistema analógico.


Evandro Guimarães, diretor de Relações Institucionais, disse que todos os radiodifusores estão apreensivos. O receio é de que o debate em torno da implantação da fábrica acabe empurrando o governo para uma sinuca e que ele se veja forçado a fazer a escolha em razão de temas que, embora importantes -como geração de empregos na indústria e transferência de tecnologia-, não têm a ver com o ponto central da discussão, que é a migração da radiodifusão do sistema analógico para o digital.


‘Se a preocupação é a geração de empregos na indústria, a escolha do sistema japonês vai impulsionar a produção de milhões televisores portáteis para ônibus, trens, barcos e táxis’, diz Bittencourt.


A construção da fábrica de semicondutores foi colocada na pauta de discussão pelo próprio governo. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, tem repetido que o único valor agregado pelo Brasil na montagem de produtos eletrônicos é a embalagem.


O assunto veio à tona quando o governo divulgou que os japoneses teriam se comprometido com a construção da fábrica de semicondutores, durante visita de executivos da Nec, da Sony, da Panosonic e da Toshiba, ao Brasil, há duas semanas.


O consultor do sistema japonês Murilo Pederneiras esclareceu que as empresas prometeram examinar o assunto junto com o governo, mas não se comprometeram de antemão com a construção da fábrica, que exigiria investimentos da ordem de US$ 2 bilhões.


A reação inicial dos europeus foi de ceticismo. O presidente da Philips, Marcos Magalhães, chegou a declarar que o Brasil perdeu o ‘bonde da história’ da indústria de semicondutores, no início dos anos 1990, e que não haveria mais retorno. Mas, em seguida, a ST Electronics (franco-italiana) anunciou também estar disposta a implantar a fábrica em troca da escolha do sistema europeu para a TV digital brasileira.


A ST Electronics, juntamente com Philips (holandesa), Siemens (alemã), Thomson (francesa), Nokia (finlandesa) e Rohde & Schwarz (alemã) integram a ‘coalizão DVB’ para contrapor o lobby dos radiodifusores pelo sistema japonês.’


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Multiprogramação é amadorismo, afirma emissora


‘A escolha do padrão de TV digital envolve discussão política paralela sobre se os radiodifusores têm ou não direito de posse sobre o espectro de 6 MHz, que, historicamente, lhes é reservado para a transmissão de TV.


A questão é suscitada por organizações não-governamentais que pleiteiam a redistribuirão da freqüência para que canais de interesse público, que hoje são vistos apenas nos sistemas de cabo, virem emissoras abertas. O pleito é endossado por canais legislativos, universitários e comunitários.


Criou-se uma polarização entre as redes de TV -que querem manter os 6 MHz intocados para a transmissão em alta definição- e o leque de defensores da segmentação dos canais, em que estão as companhas telefônicas. O sistema japonês se adapta aos objetivos dos radiodifusores, e o europeu serve como luva para os propósitos das teles e das ONGs que reivindicam a democratização do uso do espectro.


Nessa discussão, a pobreza brasileira é munição para os dois lados. O setor de telecomunicações defende que a TV de alta definição serviria apenas a uma estreita faixa da população com poder aquisitivo para comprar televisores a partir de 29 polegadas (abaixo desta dimensão, segundo afirmam, a diferença entre a alta definição e a definição standard seria imperceptível) e que a digitalização deve ser aproveitada para abrir o mercado.


Os radiodifusores contra-atacam, ao dizer que a TV aberta é a única forma de entretenimento para a parcela majoritária de pobres e que eles têm direito a receber conteúdo gratuito com qualidade de alta definição. Todas as emissoras estão veiculando anúncios em favor da manutenção da TV aberta e gratuita.


Argumentam os radiodifusores que os pobres se disporiam a comprar um televisor mais caro (com financiamento em longas parcelas) para terem televisão de alta definição com transmissão gratuita, mas não pagariam um valor mensal pela programação, como tem demonstrado a baixa penetração da TV paga no país.


Discussão leiga


O diretor de Engenharia da Globo, Fernando Bittencourt, afirma que a discussão sobre a multiprogramação é suscitada por leigos e que o modelo já se teria provado inviável na Europa. Para o executivo, se o Brasil optar pelo padrão europeu, estará fadado a não ter TV de alta definição, que ele define como o futuro da mídia televisiva gratuita.


Diz que empresas européias sonharam em usar a multiprogramação para competir com as TVs por assinatura a cabo e por satélite e faliram.


‘Quem defende a multiprogramação é amador, não entende o que está acontecendo fora do Brasil. Já não conseguimos comprar câmeras de TV fora da tecnologia digital de alta definição’, diz o executivo.


Os europeus sustentam que o sistema DVB comporta, simultaneamente, transmissão em alta definição, transmissão de canais de TV em definição standard (similar à qualidade de imagem do DVD, segundo dizem) e transmissão para telefones celulares dentro da mesma faixa de 6 MHz.


A Globo discorda da informação e sustenta que o sistema japonês seria o único a permitir a transmissão gratuita dos canais de TV para os celulares.


Para a Globo, a TV de alta definição é a arma de sobrevivência das televisões abertas no cenário de competição com as telefônicas e com as empresas de TV por assinatura via cabo e via satélite. A empresa avalia que as teles serão concorrentes na transmissão de conteúdo quando for regulamentada a IPTV (transmissão de TV por banda larga), e, por isso, as TVs fecharam fileira em torno da transformação dos celulares em receptores de programação gratuita da TV aberta.’


TV PAGA
Ricardo Feltrin


Após fusão com a Sky, assinante da DirecTV terá novo aparelho sem custo


‘Se aprovada a fusão entre a DirecTV e a Sky, os cerca de 400 mil assinantes da DirecTV terão de trocar seus aparelhos receptores para o sistema Sky. A troca desses aparelhos mais o redirecionamento das antenas vai demorar cerca de um ano para ser finalizada. Nada será cobrado dos assinantes, disse em entrevista o presidente da DirecTV, diretor da gestão de fusão e futuro presidente da DirecTV/ Sky, Luiz Eduardo Baptista.


Cerca de 1,4 milhão de domicílios serão afetados pela fusão das empresas (1 milhão de assinantes da Sky, 400 mil da DirecTV), mas o processo ainda depende de aprovação do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica, órgão do governo federal). A expectativa de Baptista é de aprovação até maio.


Anunciada em outubro de 2004, a fusão foi liberada pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) em novembro do ano passado. Em sua decisão, a agência proibiu apenas a exclusividade de canais. Até que a nova operadora esteja totalmente em funcionamento na casa de todos os assinantes, os dois satélites continuarão em operação.


Mudanças


Baptista diz que os assinantes não terão nenhum ônus com a fusão e que algumas decisões operacionais já estão tomadas:


1) O satélite que será usado na nova empresa será o da Sky. O sistema Sky é mais moderno e menos custoso em termos de manutenção que o da DirecTV. A qualidade de imagem também é superior. As transmissões terão como sede Tamboré, na Grande São Paulo, sede da DirecTV;


2) O trabalho dos técnicos para trocar um aparelho e redirecionar a antena demora cerca de 30 minutos. Podem ocorrer problemas isolados na operação. Alguns assinantes terão problemas na hora de sintonizar o novo satélite. Locais que hoje captam muito bem a DirecTV podem não captar tão bem o sinal da Sky. ‘Mas esse número deve ser ínfimo em relação ao universo de assinantes’, afirma o executivo;


3) Hoje o assinante Sky é obrigado a comprar o aparelho, enquanto o da DirecTV o tem por comodato (empréstimo gratuito). O novo sistema será o de comodato. Assim, é justo pensar que alguns assinantes da Sky se sentirão prejudicados porque gastaram para adquirir um aparelho que agora será emprestado.


Como será a reação do consumidor a isso, não se sabe. Um caminho ao atual assinante da Sky seria ‘descontar’ o valor pago pelo aparelho nas parcelas mensais do pacote do assinante. Por outro lado, a compra do aparelho já fez parte de um contrato (um instrumento jurídico perfeito e já ocorrido), de forma que, juridicamente, a nova empresa não é obrigada a ceder tal benefício. Mas sempre é possível uma negociação;


4) A programação que os assinantes recebem hoje não vai mudar. Uma das premissas para a aprovação por parte do Cade é que o consumidor possa manter seu contrato atual sem qualquer ônus, até pelo menos o vencimento desse contrato. Após o vencimento do contrato, segundo o futuro presidente da DirecTV/Sky, haverá novos pacotes já integrados entre as atuais operadoras. O custo dessa mudança em relação aos preços atuais ainda é uma incógnita;


5) Após a fusão, serão oferecidos novos pacotes. Por exemplo, o atual assinante da DirecTV pode querer os canais da Globosat, como Globonews, GNT e Multishow. Nesse caso, terá de pagar um extra. O mesmo ocorrerá com o assinante Sky que quiser os canais exclusivos da DirecTV, como o Animax ou Disney;


6) O hoje criticado atendimento ao consumidor feito pela Sky será integralmente substituído pelo sistema da DirecTV. Luiz Eduardo Baptista afirma que tem condições de aumentar ‘imediatamente’ a plataforma atual de atendimento da DirecTV dos atuais 400 mil para 900 mil assinantes. Em um ano (prazo para completar a fusão) o atendimento poderia suprir cerca de 1,5 milhão de assinantes, segundo ele;


7) A transmissão de canais abertos na nova plataforma ainda depende de negociações isoladas, mas sabe-se que o SBT continuará não sendo retransmitido por ninguém;


Se as promessas de Baptista não se realizarem, ou houver insatisfação, os consumidores terão direito de pedir o cancelamento do serviço, ingressar com ações junto ao Procon ou outros órgãos de defesa do consumidor, ou mesmo recorrer à Justiça.’


TELEVISÃO
Daniel Castro


Silvio assume SBT; Gugu sofre mudanças


‘O animador e empresário Silvio Santos vai assumir a gestão do SBT a partir da próxima semana, quando o mexicano Eugenio Lopez Negrete deixa a função de vice-presidente da emissora.


Pelo menos provisoriamente, o cargo de vice ficará vago. Silvio Santos administrará a emissora ao lado de seus conselheiros Guilherme Stoliar, Ricardo Valladares e Jean Teppet. A mudança terá reflexos internos, como interferências diretas do dono da emissora na rotina de executivos. Silvio Santos sempre tomou as decisões no SBT, mas o vice-presidente as executava. Agora não haverá mais esse ‘intermediário’.


Nos bastidores das redes de TV, especula-se que Silvio Santos deverá fazer um aporte de recursos próprios para reagir à Record.



O ‘Domingo Legal’, de Gugu Liberato (que renovou contrato com o SBT na sexta), passará por mudanças. Metade da equipe deve sair. Apenas uma parte será reposta (devem chegar nos próximos dias dois novos redatores).


A atração deve mudar de horário no próximo dia 2. Ficará no ar das 17h30 às 21h30.


Pelo novo contrato, Gugu terá um salário fixo e metade das receitas publicitárias do programa. O SBT assume as vendas de merchandisings, antes a cargo da produtora de Gugu _que já indicou a contratação de profissionais que demitira recentemente.


OUTRO CANAL


Zota Vai ao ar em ‘Belíssima’ no dia 31 a primeira noite de amor entre Nikos (Tony Ramos) e Júlia (Gloria Pires), que o grego chama de Zúlia. Depois de dançarem e beberem em um restaurante grego, os dois vão para o apart-hotel de Júlia. ‘Daí para frente começa de verdade o romance dos dois’, anuncia o autor, Sílvio de Abreu.


Rotina No capítulo seguinte de ‘Belíssima’, Alberto (Alexandre Borges) se casa com Mônica (Camila Pitanga). Mas, na noite anterior o ‘conquistador’ fará uma ‘despedida de solteiro’ dormindo com Rebeca (Carolina Ferraz). A iniciativa será dela.


Sombra Ainda em ‘Belíssima’, Júlia começará a sentir ciúme do envolvimento, cada vez mais forte, da amiga Vitória (Cláudia Abreu) com o ex-marido André (Marcello Antony). E começa a se arrepender de ter bolado o plano para aproximar os dois.


Pó O ‘Fantástico’ marcou 38 pontos durante a exibição do documentário ‘Falcão – Meninos do Tráfico’, do rapper MV Bill. A audiência é normal para o programa _que poderia ter avisado aos pais que exibiria, antes das 22h, cenas em que crianças aparecem fumando crack e maconha e cheirando cocaína.


Água Hoje celebrado, MV Bill já foi hostilizado pela Globo. Em 2001, William Waack disse no ‘Jornal da Globo’ que o rapper fazia ‘música ruim’.’


Marcelo Coelho


‘Falcão’ aparece como marco no telejornalismo


‘O menino deve ter uns seis ou sete anos, mas sua voz se arrasta, pesadíssima, como se fosse de chumbo derretido: ‘não fico triste com nada’. Enxergamos mal e mal, na iluminação precária do barraco, a bagunça e a imundície à sua volta. ‘Vivo ‘se’ drogando’, ele explica. ‘Minha vida é só alegria.’


‘O que você quer ser quando crescer?’, pergunta o entrevistador a outro menino. ‘Quero ser bandido.’ Três de seus irmãos, ele conta, já foram assassinados.


Depoimentos desse tipo compõem o documentário ‘Falcão’, sobre as crianças e adolescentes do narcotráfico, exibido pelo ‘Fantástico’ neste domingo.


Dirigido pelo produtor de hip-hop Celso Athayde e pelo cantor de rap MV Bill, ‘Falcão’ foi produzido pela Globo em parceria com uma ONG, a Central Única das Favelas. Foram 90 horas de gravação, colhidas durante seis anos, em várias cidades do país. Dos 17 entrevistados pelo documentário, 16 já morreram.


Eram visíveis o orgulho e excitação contida dos apresentadores do ‘Fantástico’, prestes a se libertar de um velho narcótico: a carga de bobagens e amenidades que, ainda hoje, está associada ao programa de variedades da TV Globo. Desde já fica evidente que estamos diante de um marco no telejornalismo brasileiro.


Sem discursos vitimizadores, muito menos lágrimas em close (chora-se pouquíssimo nesse meio), o documentário faz jus, como poucos, ao título de ‘jornalismo público’ que muitas emissoras não-comerciais gostam de reivindicar com exclusividade.


Como não podia deixar de ser, contudo, a Rede Globo tira disso um pretexto para a autoglorificação. ‘Um documentário como nunca foi feito no Brasil’, diz Glória Maria. Mas quem assistiu a ‘Cidade de Deus’, de Fernando Meirelles e Kátia Lund, não terá razões especiais para perder o sono com ‘Falcão’.


Violência em discurso


Neste documentário, as imagens chamam menos a atenção do que a fala, a gíria, o pensamento -ou a ausência de pensamento- dos entrevistados. Tendo seu rosto velado o tempo inteiro, em cenas predominantemente noturnas, os ‘falcões’ (isto é, os encarregados de vigiar a favela para avisar da chegada da polícia ou dos rivais) enunciam, com dura fluência, as regras de seu meio: ‘quando estoura o doze por um [espécie de rojão] é que os cana [a polícia] tão entrando’. Os X-9 [delatores], ‘nós mata, pica ele, taca fogo’.


A violência aparece nos sotaques, nos tons de voz, no automatismo com que certas frases são disparadas como se fossem rajadas de uma metralhadora que se aciona sem pensar. Um menino diz saber que sua vida será curta: não faz diferença. ‘Se eu morrer, vai nascer outro que nem eu.’ Percebe-se que apenas repete um raciocínio que ouviu de uma terceira pessoa, talvez da própria polícia.


Uma espécie de ‘auto-ideologia’, de discurso pronto, meio radiofônico, sobre ‘a revolta’ e ‘a lei do cão’ estrutura o documentário, que perde a oportunidade, às vezes, de aproximar-se melhor dos objetos e dos cenários. As roupas do filho morto, que uma mãe exibe com objetividade pungente numa cena, encontram uma câmera indiferente e distante; exceção nesse estilo, a habilidade manual dos empacotadores de drogas é contudo mostrada de forma memorável.


Mas o estilo ‘falado’ de ‘Falcão’ não deixa de ser novidade num contexto em que se denuncia o predomínio da cultura visual entre os jovens. É o rap tomando conta da linguagem da TV: e, só por isso, ‘Falcão’ já faz diferença.’


TODA MÍDIA
Nelson de Sá


Em troca de pó


‘‘Se a idéia é chocar, tudo bem’, foi a primeira reação do blog de Mário Marona, ex-editor do ‘Jornal Nacional’, ao documentário ‘Falcão – Meninos do Tráfico’, de MV Bill e Celso Athayde.


Em uma hora inteira de ‘Fantástico’, até perto da meia-noite, o filme registrou sem locução o cotidiano dos ‘falcões’, os meninos que trabalham para o tráfico. Dos 16 ouvidos, como se registrou, 15 já foram assassinados e um está na prisão.


‘Chocante e pronto’, resumiu o blogueiro, hoje assessor de imprensa que tem o governo do Rio entre seus clientes. Marona criticou em especial ‘as vozes de sempre que, diante de um monitor, nada acrescentam à discussão’.


Ele não estava de todo errado, como comentou o blog humorístico Kibe Loco. Afinal, para analisar a tragédia social das favelas, a Globo ouviu dois autores de telenovela, Manoel Carlos e Glória Perez, além da atriz Camila Pitanga.


Seriam, segundo o ‘Fantástico’, como ironizou o blog de humor, ‘pessoas acostumadas a ter um olhar aguçado sobre a sociedade brasileira’.


Outras pessoas falavam ontem sobre o documentário no ‘Jornal Nacional’ e demais telejornais da Globo, entre elas Rubem César Fernandes, da ONG Viva Rio, o sociólogo Gláucio Soares e o ministro Márcio Thomaz Bastos, para quem:


– Este é um trabalho de toda a sociedade, este é um trabalho de nação, um trabalho de Estado. É um trabalho não só de repressão, mas muito mais de prevenção, de educação, de ocupação de espaço.


Fim do dia, entra como submanchete na Folha Online:


– Exército volta a ocupar favela no Rio.


Foi depois que os ‘policiais civis iniciaram paralisação no Rio’ e que um ‘tiroteio deixou sete mortos na Baixada Fluminense’.


De volta ao documentário ‘chocante’, outro blog, este do Globo Online, de nome No Front do Rio, avisou:


– Saibam que tem muito mais. Algumas cenas são tão chocantes que não se sabe se serão usadas sequer no longa que Bill e Athayde lançam em outubro. Para ver o nível de absurdo, há meninas de 9 anos fazendo sexo oral com os traficantes em troca de pó.


CAMISINHAS


Palocci no ft.com


Do site do ‘Financial Times’, em texto do novo correspondente, Jonathan Wheatley:


– Camisinhas usadas e pacotes vazios de Viagra… encontros privados com uma ‘recepcionista’ fêmea… toda a triste história… A calma admirável de Mr. Palocci diante da adversidade encara seu teste mais difícil.


Enfrenta e, parece, vai perdendo. Segundo a agência Dow Jones, no site do ‘Wall Street Journal’, o dólar subiu porque ‘a idéia de que Lula se prepara para trocar Palocci está correndo pelo mercado’.


Palocci, registre-se, não é o primeiro político pelo mundo a enfrentar tão difícil ‘teste’.


Longa reportagem no ‘New York Times’ de domingo mostrou que na sociedade do espetáculo os escândalos sexuais já deixaram de ser problema -e hoje ‘azeitam carreiras’. Se o ator Rob Lowe quase foi destruído há 20 anos, por um vídeo de sexo, hoje o roqueiro Kid Rock, a atriz Pamela Anderson e a milionária Paris Hilton viram ‘celebridades pós-modernas’. Esta última, registre-se, até ‘recebe parte dos lucros do vídeo’.


Dimensão


No final da escalada do ‘Jornal Nacional’, William Bonner ecoou que a violação do extrato do caseiro Francenildo ‘ganha dimensão de escândalo’.


Mas o destaque dos telejornais aos sites noticiosos foi mesmo o ministro Márcio Thomaz Bastos, que qualificou o acontecimento como ‘grave’ e anunciou que vai ‘apurar’.


Ditatura


Enquanto isso, o senador Jorge Bornhausen dizia ao Globo Online que a CPI dos Bingos tem que ‘apurar desde o ministro da Fazenda até funcionários da Caixa’, no episódio.


E o candidato tucano Geraldo Alckmin, diante dele, comparou o caso com a ditadura, segundo a rádio Jovem Pan.


República


O PMDB disputou com o caseiro as manchetes dos portais, ontem ao longo do dia. Já no ‘Bom Dia Brasil’ o comentário de Alexandre Garcia era cruel:


– O PMDB recuou o país a época da República, com boicotes, prévia à revelia da Justiça, fechamento de porta de local de votação, votação na marra e uma contagem esquisita em que quem fez mais votos perdeu… O partido sai como o maior derrotado.


No UOL, o blog de Fernando Rodrigues dizia que ‘o partido se dilacera em público’. Para o Blog Brasil, de Gustavo Krieger, ‘foi um espetáculo ainda pior do que o previsto… resultado: todo mundo perdeu’.’


FSP CONTESTADA
Painel do Leitor


Governador de São Paulo


‘‘Na ânsia de caracterizar o governador Geraldo Alckmin como político ‘mais inclinado para a direita’, a reportagem ‘Alckmin inicia campanha com defesa da religião e da família’ (Brasil, 16/3) adultera e distorce o discurso proferido por Alckmin para saudar os participantes do 10º Congresso Mundial de Jovens Empreendedores, aberto em São Paulo no último dia 15. Logo em seu início, a reportagem afirma que Alckmin fez ‘defesa da família, da religião e da tradição e passou por ataques ao MST’. Vamos aos fatos: 1) Em nenhum momento o governador falou de ‘tradição’ ou de ‘pátria, como consta da citação -entre aspas- do discurso feita pela Folha; 2) Conforme se pode constatar da fiel transcrição do último trecho do discurso do governador, ele procurou destacar a preponderância da nação sobre o governo e sobre o Estado; 3) Também não fez ‘ataques ao MST’, entidade com a qual o governo do Estado de São Paulo trabalha, respeitando as leis, em assentamentos no Pontal do Paranapanema. Em sua entrevista dada em Campinas, na tarde do mesmo dia 15, o governador expressou a sua preocupação com as invasões, argumentando que o país precisa de estabilidade e segurança para atrair novos investimentos.’ Roger Ferreira, assessor especial de Comunicação do Governo do Estado de São Paulo (São Paulo, SP) Nota da Redação – Leia a seção ‘Erramos’.


Barragem no Piauí


‘A propósito de reportagem publicada pela revista ‘Veja’ no fim de semana e que foi tema de reportagem publicada pela Folha no domingo 19/3, esclareço: 1. O projeto de construção da barragem Poço do Marruá foi licitado em 2000 e suas obras começaram no ano seguinte, portanto no governo anterior; 2) Tanto a licitação como a contratação da empresa vencedora foram feitas pelo governo do Piauí, que é também responsável pela execução das obras da barragem; 3) Ao contrário do que diz a revista ‘Veja’, o Ministério da Integração Nacional não libera recursos para a empreiteira, mas, sim, diretamente para o governo do Estado do Piauí, de acordo com convênio celebrado entre as partes. As liberações são feitas de acordo com a disponibilidade orçamentária, com a programação financeira, sem qualquer interferência externa, com a regular prestação de contas das parcelas liberadas, com os relatórios da fiscalização que se aplica a esta e a todas as obras e com o acompanhamento da Controladoria Geral da União e do Tribunal de Contas da União. Em todos esses registros, a obra segue sem nenhuma indicação de irregularidade; 4) A reportagem diz que o deputado B. Sá teria sido gravado exigindo propina da construtora OAS, que seria a empresa encarregada da execução da obra da barragem Poço do Marruá. Não sei se é verdade a acusação, mas defendo a apuração e a severa punição de quem quer que seja se ficar demonstrada atitude criminosa em relação ao trato do dinheiro público. Se for verdadeira a acusação, que os responsáveis recebam todas as penas da lei; 5) Ao insinuar que eu estaria priorizando uma obra para dar base a achaque de um deputado, a reportagem mente. E, ao associar subjetivamente uma possível irregularidade cometida por alguém de fora dos quadros do Ministério da Integração Nacional a uma obra planejada como a de integração de bacias do São Francisco, a reportagem troca o jornalismo pela politicagem rasteira que infesta a vida nacional.’ Ciro Gomes, ministro da Integração Nacional (Brasília, DF)’


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O Globo


Terça-feira, 21 de março de 2006


PUBLICIDADE
Ronaldo D’Ercole


Procon aciona Unilever e AmBev por anúncios


‘SÃO PAULO. Dois grandes anunciantes do mercado publicitário brasileiro estão na mira do Procon de São Paulo. O órgão de defesa do consumidor paulista instaurou recentemente processos administrativos contra a Unilever e a AmBev, por causa de campanhas publicitárias de marcas dessas duas empresas que considerou discriminatórias e preconceituosas – ilícitos previstos pelo Código de Defesa do Consumidor passíveis de sanções e multa de até R$ 3,12 milhões.


A Unilever foi notificada em 23 de fevereiro pela campanha ‘Canibal Vegetariano’, da maionese Hellmann’s, em que um grupo de canibais, todos negros e que supostamente vivem na África, preparam-se para devorar um homem branco. A Unilever já apresentou sua defesa, mas o Procon concluiu, na semana passada, que a peça é ‘discriminatória e abusiva’.


– A campanha tem elementos visuais que induzem à discriminação, principalmente entre o público infantil. Além de reforçar essa percepção entre quem já tem esse tipo de preconceito – argumenta a diretora de Fiscalização do Procon-SP, Joung Won Kin.


O processo já foi enviado para a Assessoria de Controle de Processos, instância em que a Unilever novamente terá direito de defesa, antes que se decida efetivamente pela autuação da empresa, que pode ser multada e ter a peça retirada do ar.


Em comunicado divulgado ontem, a Unilever diz que utilizou o personagem fictício do ‘Canibal Vegetariano’ como licença poética para incentivar novos usos para a sua marca de maionese.


‘O procedimento padrão da Unilever é aprovar, previamente, todas as campanhas junto ao consumidor, cuidado este que foi cumprido na campanha de Hellmann’s. Os resultados dessa avaliação confirmaram que não há ofensa ou tratamento de forma preconceituosa a qualquer etnia da sociedade’, afirma a empresa, que diz ainda ter sido ‘a primeira empresa a incluir em escala nacional produtos desenvolvidos para valorizar as características afrodescendentes, confirmando seu compromisso com a diversidade, um dos seus valores fundamentais’.


Sobre o processo e uma eventual multa aplicada pelo Procon-SP, a Unilever informa que só se pronunciará caso o fato venha a ocorrer.


Para Procom, anúncio da Skol tem conotação sexual


Os casos envolvendo as marcas Brahma e Skol, da AmBev, têm algumas curiosidades. A empresa só foi notificada pelo Procon-SP na quinta-feira. Acontece que o filme da Brahma que motivou a ação, o ‘Olé’, deixou de ser veiculado em outubro. Nele, amigos estão num estádio assistindo a um jogo de futebol e um deles enfrenta a torcida adversária para comprar cerveja. O anuncio violaria lei paulista que proíbe a venda de bebidas alcoólicas em estádios. Por se tratar de peça já fora do ar, a AmBev informa que não responderá à notificação do Procon-SP. A empresa deve se defender apenas do outro caso, no qual o alvo é a campanha ‘Musa’, da cerveja Skol, cujo filme começou a ser veiculado em 18 de fevereiro e continua no ar, estrelado pela atriz Bárbara Borges.


– Jamais uma pessoa pode ser equiparada a um produto, menos ainda de consumo, que no caso é uma mulher e tem conotação sexual – diz a diretora do Procon-SP.


A AmBev, porém, reiterou ontem em nota que cumpre todas as normas e regulamentações do Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) em suas campanhas. Segundo a empresa, o objetivo do filme ‘Musa’, criado pela agência F/Nazca, foi democratizar de um jeito bem-humorado este ícone do verão, geralmente distante e inatingível para a maioria das pessoas. ‘A Skol está aberta para ouvir e debater o assunto com o Procon e demais entidades’, disse a empresa.’


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Jornal do Brasil


Terça-feira, 21 de março de 2006


LÍNGUA PORTUGUESA
Deonísio da Silva


JK Literário: Cinqüenta Anos Em Cinco


‘‘Viver é muito perigoso’. ‘A gente nunca deve de declarar que aceita inteiro o alheio – essa é é a regra do rei!’. ‘O real não está na saída nem na chegada, ele se dispõe para a gente é no meio da travessia’.


Estas são frases tiradas a esmo de Grande Sertão:Veredas, que se tornou, aos cinqüenta anos, um daqueles cinqüentões de Balzac, vividos, sociáveis, aceitos, tidos por inofensivos. Mas em 1956, quando foi lançado, poucos o entenderam.


Guimarães Rosa estranhou as críticas. Hoje, se um autor dissesse o que ele disse sobre as críticas, seria considerado arrogante e pernóstico: ‘não é possível dialogar com pessoas que manifestam por escrito a sua incompetência, pois lhes falta a condição básica para o diálogo: o respeito mútuo’.


O grande Barbosa Lima Sobrinho estava com 59 anos e não entendeu o romance: ‘é uma imitação de Ulisses, de Joyce, e sofre, conseqüentemente, dos males da imitação’.


O escritor Adonias Filho, aos 41 anos, atirou à queima-roupa: ‘é um equívoco literário, que necessita ser imediatamente desfeito’.


A revista Bravo dedicou ao romance matéria especial. Nela o escritor Luiz Ruffato lembra que também na literatura brasileira foi sentida a febre dos ‘50 anos em 5’, de JK.


Com efeito, naquele mesmo ano Bernardo Élis – a revista grafa equivocadamente Ellis – do arquipélago literário de Goiás, lançava O Tronco, romance que tem como tema a conquista do Oeste brasileiro. Quando se vai para o Oeste é de se esperar complicações, nos EUA como aqui. E foi o que aconteceu. A modernização não é feita sem dor e, para substituir o poder de coronéis e jagunços, o braço longo da Lei às vezes faz coisas ainda piores do que os males que diz combater em nome do progresso.


No mesmo ano sai também Vila dos Confins, de Mário Palmério, que neste seu primeiro romance mostra que, naquela época como agora, se um candidato quiser vencer as eleições, precisa usar armas semelhantes às de seus adversários. O autor tinha sido eleito deputado federal em 1950 e os diversos relatórios que escreveu sobre fraudes eleitorais serviram de húmus ao romance.


Ainda em 1956, Fernando Sabino, já consagrado como cronista, parte para seu primeiro romance e publica O Encontro Marcado. O herói se chama Eduardo. Vive a meninice e a adolescência na então provinciana Belo Horizonte. A maturidade, ele a vive já no Rio, que serve de contraponto àquele mundo.


Geraldo Ferraz lança Doramundo, seu único romance, já transposto para o cinema e infelizmente fora das livrarias. É uma pena. Para mim está entre os melhores romances brasileiros a história de amor vivida entre Raimundo e Teodora.


Também em 1956 vem à luz A lua vem da Ásia, de Campos de Carvalho. A primeira frase, como bem observa Ruffato, é a senha para compreender sua narrativa surrealista, que provavelmente se passa num hospício: ‘aos 16 anos matei meu professor de Lógica’.


Na segunda metade dos anos cinqüenta, a literatura brasileira vivia em esplendor, autores eram referência necessária e seus livros eram lidos e comentados. Havia menos autores, menos livros, mas proporcionalmente mais leitores.


Depois o Brasil trocou o livro pela televisão. E a telenovela substituiu o romance como intepretação imediata da vida brasileira. Os últimos romances que ainda ocuparam nichos privilegiados de onde seus autores interpretavam o Brasil tornaram-se cada vez mais raros.


Ainda assim, onze anos depois de Grande Sertão: Veredas, em 1967, Antônio Callado sacudiria o Brasil com Quarup, centrado na busca que o padre Nando faz de si mesmo e de um outro Brasil, o dos índios, de onde se poderia começar tudo de novo, repetindo a iniciativa dos jesuítas que, nos séculos XVII e XVIII, tinham fundado a República Guarani. As comunidades eclesiais de base e os sem-terra devem muito àquele modelo, mas o Brasil tem o costume de banalizar a discussão de seus grandes temas. Utilizada a mesma visão, os índios guaranis arregimentados por padres jesuítas seriam tratados como bandidos. Como se sabe, adoramos criminalizar as questões sociais.


Em 1971, Erico Verissimo lançará seu último romance, Incidente em Antares. Ao lado de Jorge Amado, era o nosso romancista mais lido, desde a estréia de ambos, nos anos trinta, como luminares do romance de 30, ainda que o gaúcho tivesse um perfil todo diferenciado do grupo, que tinha suas raízes ficcionais no Nordeste.


Depois dessas figuras solares, outros romancistas vieram para o proscênio e, apesar de a temática urbana ter enfim predominado – o melhor exemplo é Rubem Fonseca – ainda foram publicados romances que se radicam no sertão do Brasil. Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, Os Guaianãs, de Benito Barreto, e A Ferro e Fogo, de Josué Guimarães, estão entre os pontos mais altos de nossa ficção no percurso que então se seguiu.


Seria de todo conveniente que os entendidos fizessem um ciclo de conferências que revisse o que se fez nesses cinqüenta anos, utilizando como pretexto a formidável efeméride dos cinqüenta anos de Grande Sertão: Veredas.’


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