Soco no estômago, um duro e inesperado golpe no estômago! Com uma linguagem real e direta, o Fantástico, programa que registra a maior audiência na mais respeitada emissora de televisão do Brasil, deixou de lado fofocas a respeito da vida de artistas – muitos por ela mesma produzidos – e enlatados americanos, que costuma oferecer ao seu público, para brindá-lo com a apresentação de um seco documentário produzido pelo rapper MV Bill e seu produtor, Celso de Athayde, na noite de 19 de março.
Falcão, meninos do tráfico é um documentário produzido de forma independente, para o qual os responsáveis visitaram as favelas das maiores cidades país de câmera na mão, registrando o letal mundo do tráfico de drogas. Foram 59 minutos do maior programa da televisão brasileira; foram 59 minutos da mais genuína demonstração da incapacidade do Estado em gerir a educação e a segurança de um povo. Ali, ficou registrado o poder paralelo do tráfico de drogas.
Ficou registrada, também, a promíscua relação entre o Estado e a bandidagem explícita. As pessoas ali mostradas são pequenos homens vivendo no corpo de crianças de infância perdida! A morte, eterna companheira; a esperança… deixa pra lá, ela já não existe mais; foi trocada pela certeza da transformação, em curto espaço de tempo, em bandido preso, em cadáver ou ao martírio de uma cadeira de rodas até o fim da vida.
Entre os vários relatos apresentados, chamou-me a atenção o testemunho de uma criança, já obrigatoriamente transformada em adulto, um rato adulto, que vive sob uma marquise, à luz de uma vela, sempre drogado, à espera da morte, já que outro, ‘igual, pior ou melhor’ do que ele o substituirá no mundo do crime. A realidade do mundo-cão, nas palavras daquelas crianças, foi uma demonstração da transmutação que cada uma delas teve que experimentar à força, adeus infância inocente.
A ausência da figura paterna, aliada à ausência do Estado, foram os ingredientes utilizados nessa mistura sórdida, para forjarem esses anti-heróis do tráfico de entorpecentes. Naquela realidade, não se via o desejo de apenas se divertir, direito assegurado aos menores pela lei brasileira, diversão para eles é brincar de polícia e ladrão (detalhe: ninguém quer ser polícia); a um deles foi oferecida uma tarde num circo qualquer – completamente diferente das tardes a que estão acostumados no circo de horrores a que são submetidos diariamente – o que deveria ser regra, tornara-se uma exceção ofertada e amargamente alegre.
País ‘arreado’
O que seria apenas uma estatística nas delegacias de polícia, foi a maior dor que uma mãe goianiense poderia experimentar: a gratuita perda de um filho para a violência do tráfico. Dos 17 entrevistados no documentário, apenas um está vivo… devidamente recolhido a um dos presídios do Rio de Janeiro. Após ler Estação Carandiru, que deu origem ao filme Carandiru, pude observar o quão difícil será para o país contornar a situação de desrespeito aos direitos mínimos do cidadão, produzida nos bolsões de miséria instalados principalmente pelo narcotráfico.
Após assistir a Falcão, a constatação a que chego causa perplexidade, profunda tristeza e náuseas, por saber que a geração dos meus bisnetos, se tiver sorte e responsabilidade (que nos falta agora), assistirá a uma realidade menos raivosa e agredida.
O Exército subiu o morro dia desses no Rio de Janeiro para recuperar 10 ou 11 armas que lhe foram roubadas, e só desceu depois de encontrá-las. Mas o que de fato o Estado brasileiro deveria fazer era agir imediatamente para recuperar a infância roubada de todos os inocentes transformados em monstros a serviço do tráfico; isto sim, é zelar pelo soberano interesse da nação, ou seja, o seu povo! O Brasil está ‘arreado’.
******
Advogado, Goiânia