RC, como Roberto Civita assinava os bilhetes, morreu ontem. Ele foi o primeiro filho de Sylvana Alcorso, da nobreza romana, e de Victor Civita, fundador da Editora Abril, casados em 1935.
A família prosperava na Itália até o avanço do fascismo de Mussolini obrigar a busca por ares mais seguros. Nascido em Nova York, em 1907, Victor decidiu retornar à cidade em que vivera apenas seus dois primeiros anos. Na viagem, o casal com o pequeno Roberto fez escala em Londres, e ali nasceu o segundo filho, Richard, em 1939.
Dez anos depois, Victor seguia o conselho do irmão mais velho, César, dono da Editorial Abril de Buenos Aires, e veio tomar conta da filial recém-instalada em São Paulo. Trouxe a família, mas em 1953 Roberto retornou aos Estados Unidos para concluir sua educação formal. Nos três anos em que fez o secundário em São Paulo na Graded-Escola Americana, RC editou o jornalzinho escolar.
Queria ser físico nuclear, mas não se saiu tão bem na Rice University, no Texas. Foi se formar em jornalismo e economia na Universidade da Pensilvânia, com um estágio no grupo Time-Life.
Conheceu Henri Luce, criador da Time, Fortune e Life, mas foi com o editor Lee Hall que aprendeu muito do que veio a aplicar na Abril. Após o estágio foi convidado a assumir a vice-direção do grupo em Tóquio. Mas seguiu o pai e veio trabalhar em “algo que seria seu”.
De volta ao Brasil, em 1958, foi recebido no porto de Santos pelo pai, que perguntou sobre seus planos: “Quero criar aqui a Time, a Fortune e a Playboy”. Dez anos depois Roberto iniciou a primeira delas, Veja.
Revista Veja
Hoje a terceira maior semanal do mundo, a revista foi bombardeada nos primeiros anos. “Ou a Abril acaba com a Veja ou a Veja acabará com a Abril”, dizia um relatório da diretoria. Roberto driblou os vice-presidentes e obteve carta branca do pai.
Versão de Fortune, Exame se consolidou em 1971. Playboy foi lançada como “A revista do Homem” em 1975. RC ia cumprindo o que prometera ao pai.
Sempre foi reservado, mais reflexivo, talvez marca da convivência com o pai, pouco efusivo com o primogênito e mais aberto com Richard, que também era o preferido de Sylvana – “os olhos azuis da mamãe”. Prudente, ouvia e se aconselhava quando se via frente a decisões complexas – como publicar a entrevista de Pedro Collor, detonadora do impeachment de Collor.
Reproduziu com Richard a discordância que o pai tivera quase três décadas antes com o tio César. Victor nunca aceitou ter de discutir com o irmão mais velho as estratégias que se revelavam sempre acertadas em relação ao mercado brasileiro. Assim, comprou aos poucos a parte do irmão na empresa criada por este em 16 de dezembro de 1947, segundo o contrato nº 100.324 da Junta Comercial do Estado de São Paulo (embora a história oficial da Abril fixe a data em 1950). Originalmente Sociedade Anônima Impressora Brasileira, logo tomou o nome e a árvore da empresa argentina. Após 15 anos, a Abril pertencia 80% a Victor e 20% ao filho de César, Carlo Civita.
O ano de 1982 marcou o racha entre RC e Richard. Por decisão do pai, RC passou a cuidar da linha editorial, enquanto Richard ficou com a administração. Desta vez o pai ficou ao lado do primogênito, deixando a Abril com Roberto, e Richard ficou com a divisão de livros, fascículos, frigoríficos e hotéis.
Com um perfil mais técnico, Roberto contrastava com os arroubos criativos do pai. Era RC quem conseguia plasmar as intuições de VC, tornando-as sucessos editoriais. Se Victor era um excelente relações públicas, Roberto implantou na empresa uma visão profissional de gestão editorial, nos moldes americanos. A independência editorial e a separação dos interesses comerciais do trabalho jornalístico foram obra de RC.
Um de seus maiores êxitos foi dobrar a resistência dos donos de bancas de jornais do Rio, num acordo histórico que permitiu implantar o sistema de assinaturas, garantindo o sucesso de Veja e a expansão da editora.
Por ocasião da morte do pai, Roberto se reconciliou com seu irmão Richard. E cultivava uma carinhosa relação com o tio, César Civita, falecido em Buenos Aires em 2005, aos 99 anos.
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Carlos Costa é doutor em ciências da comunicação pela USP, professor de história da comunicação na Faculdade Cásper Líbero e autor de A Revista no Brasil do Século 19 (Alameda); trabalhou 27 anos na Abril