Após a revelação de que o governo americano teria monitorado ligações telefônicas de cerca de cem jornalistas da AP e também do correspondente da rede de televisão Fox News em Washington, James Rosen, o The New York Times publicou diversos artigos sobre a questão.
Em editorial no dia 22/5, o jornal alegou que “com a decisão de classificar, em uma investigação criminal de um vazamento, o repórter da Fox News como possível cúmplice de conspiração, a administração de Obama teria ido além da proteção de segredos do governo para ameaçar as liberdades fundamentais da imprensa para apurar informações”.
Em 2009, Rosen divulgou na FoxNews.com que a Coreia do Norte planejava lançar um míssel em resposta à condenação de seus testes nucleares pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. O Departamento de Justiça investigou a fonte do artigo e acusou posteriormente Stephen Jin-Woo Kim, conselheiro de segurança do Departamento do Estado, por ter vazado informação confidencial. Kim não foi considerado culpado.
Normalmente a investigação teria parado com Kim, pois investigações de vazamento focam na fonte e não no repórter. Mas, nesse caso, promotores federais também pediram a um juiz federal permissão para investigar e-mails pessoais de Rosen, alegando que “há provavelmente motivo para acreditar” que ele “é um ajudante e cúmplice e/ou conspirador” no vazamento.
Uma declaração arquivada com o juiz deixou claro que as idas e vindas de Rosen no Departamento do Estado estavam sendo cuidadosamente monitoradas e que ele teria tentado obter informações através de “elogios e jogo de vaidade com Kim”. Provavelmente isso aconteceu antes com outros jornalistas e não é motivo para uma acusação de conspiração. Embora Rosen não tenha sido acusado, o pedido do FBI para sua conta de e-mail foi concedido secretamente em maio de 2010. O governo permitiu que se tivesse acesso aos e-mails do repórter por pelo menos 30 dias. A The New Yorker divulgou ainda que o governo obteve registros telefônicos entre equipe da Fox News e membros da Casa Branca como parte do caso.
Michael Clemente, vice-presidente executivo da Fox News, disse na segunda que era “francamente assustador” que Rosen “tenha sido classificado como cúmplice de conspiração criminal por simplesmente fazer seu trabalho como repórter”. O caso Rosen segue outros sinais de que a administração Obama ultrapassou limites para encontrar e censurar quem vaza informação. A AP revelou recentemente que o governo secretamente obteve dois meses de registros telefônicos e pelo menos duas outras investigações sobre vazamento estão em curso. Seis atuais e ex-membros do governo foram condenados sob a antiga Lei de Espionagem por vazar informações confidenciais ao público e à imprensa. Em 2010, um juiz federal de Maryland condenou uma pessoa que vazou informações a 20 meses de prisão.
“Inclinação ao sigilo”
Para o NYTimes, a administração de Obama geralmente fala sobre o equilíbrio entre proteger segredos e os direitos constitucionais de uma imprensa livre, mas “acusar um repórter de ser cúmplice de conspiração mostra uma forte inclinação ao sigilo e uma preocupação insuficiente em relação a uma imprensa livre”.
Os grampos dos jornalistas prejudicam a liberdade de imprensa nos EUA e em todo o mundo. Segundo a administração de Obama, as intimações são necessárias para proteger a segurança nacional. Essa é a mesma desculpa que governos repressivos usam há décadas para reprimir dissidentes. Na China, Rússia, Vietnã e Turquia, jornalistas são condenados ou presos por supostamente ameaçar a segurança do estado. O Comitê de Proteção para Jornalistas disse que no ano passado, 132 jornalistas foram presos sob acusações de segurança nacional ou antiterror. Em muitos países, a segurança nacional vem sendo usada como desculpa para reportagens críticas.
Certamente, a liberdade de imprensa é muito mais robusta nos EUA do que nesses países. No entanto, em muitos países europeus, a divulgação não autorizada de informação não é penalizada a não ser que há prova de que tenha provocado algum prejuízo. Uma recente pesquisa em 20 países europeus mostrou que condenações por vazamento são raras, exceto na Rússia.
Ações como a tomada dos registros telefônicos da AP mandam um sinal errado para inimigos da liberdade de imprensa em todo o mundo. No exterior, prejudicam a credibilidade americana em uma questão que Washington tradicionalmente dá valor. Até onde investigadores vão para achar evidências dos que vazaram a informação é altamente assustador. Quando jornalistas são investigados, a mensagem ao funcionário do governo é clara: quem conversa com a imprensa está sob perigo. E no exterior a mensagem que é passada é: se os EUA podem espionar jornalistas, o mundo todo pode?
Quando um vazamento sério ocorre, o governo tem a responsabilidade de identificar o funcionário responsável pelo vazamento para evitar futuros vazamentos. No entanto, o NYTimes e outros alegam que a obtenção de registros de 20 linhas telefônicas da AP foi muito excessiva. Como ex-diretor da CIA e ex-vice-secretário de Defesa, John Deutch discorda e acredita que vazamentos extremamente danosos acontecem. Membros da mídia são dificilmente juízes desinteressados do equilíbrio entre ir atrás de riscos de segurança nacional e a necessidade de informar o público. Segundo ele, esse equilíbrio tem sido muito permissivo, em um momento no qual há ameaças terroristas, ciber-intrusão e a necessidade de diminuir os riscos de eventos nucleares, químicos e biológicos.
Já para James C. Goodale, que representou o NYTimes no caso dos Papéis do Pentágono e é advogado da Primeira Emenda e autor de livros sobre o tema, o mandato para investigar o repórter da Fox News provou que o presidente quer tornar crime para um repórter conversar com alguém que queira vazar informação. É um exemplo de como Obama certamente ultrapassará o presidente Richard Nixon como o pior presidente em temas de segurança nacional e liberdade de imprensa.
Prejuízo para o fluxo livre da informação
Até o presidente Obama assumir o governo, ninguém que pensou que falar ou mandar email no governo não estaria protegido pela Primeira Emenda. Mas o presidente quer criminalizar a divulgação de informação de segurança nacional. Isso impedirá que repórteres peçam informação que possa ser considerada secreta. Vazamentos irão parar e consequentemente o fluxo de informação ao público. Goodale chegou a escrever que o episódio com Julian Assange, do Wikileaks, era uma sinal de alerta para jornalistas. Agora, com o caso Rosen, pode ser tarde demais.
Obama repetiu diversas vezes que presidia a “administração mais independente de todos os tempos”. Ao mesmo tempo, ele lançou uma guerra sem precedentes a quem vaza informação, à liberdade de imprensa e aos mecanismos básicos de apuração. Sua administração foi a que mais condenou quem vazou informação confidencial sob estatuto de “espionagem” do que todas as outras administrações anteriores.
No caso da AP, o Departamento de Justiça de Obama violou flagrantemente procedimentos tradicionais e normas internas, ao obter registros telefônicos de jornalistas em notificar a agência e ao acusar Rosen de ser cúmplice de conspiração. Isso cria um clima de medo no qual jornalistas investigativos têm dificuldades em fazer seu trabalho – informar cidadãos sobre ações secretas de líderes políticos – porque envolvidos no processo temem perseguição do governo. Além disso, estabelece um padrão no qual apenas a informação que o público tem acesso é a que o governo quer que seja divulgada, o que é um novo modo de dizer que um modelo de propaganda foi criado.