Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Renoi avança e consolida experiências de observação

A pesquisa científica em jornalismo vive um momento promissor no Brasil. Passadas quase três décadas do surgimento da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação), as investigações em jornalismo evidenciaram-se como das mais produtivas no campo, o que provocou o surgimento de uma sociedade científica própria. A SBPJor (Sociedade Brasileira dos Pesquisadores em Jornalismo) é recente, ruma para quatro anos de existência, mas encarna as aspirações dos cientistas que se debruçam sobre problemas e soluções para o jornalismo nacional. Não houve uma cisão entre os dois coletivos científicos, mas complementação. Fato estratégico e raro no ambiente acadêmico.

Aliás, salvo qualquer deslize ingênuo da minha parte, vejo um espalhar desse espírito de união de forças, de aglutinação de energias. Os atores do campo da comunicação parecem ter descoberto que é melhor juntar esforços que disputar espaços exíguos. Não que a competição tenha se extinguido por aqui, mas ela não assume mais o primeiro plano. Dois eventos recentes sublinham esse espírito.

Entidades classistas como a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) ou mesmo da sociedade civil, como o FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação), antes tão ensimesmadas, passaram a se aproximar mais dos coletivos acadêmico-científicos (Intercom, SBPJor e Fórum Nacional de Professores de Jornalismo). Diversos eventos vêm sendo realizados tendo essas camadas de organização como parceiras ou mesmo co-realizadoras. Este é um movimento dos últimos cinco ou dez anos, não mais que isso. E a aproximação entre entidades corporativas, científicas e de articulação da sociedade permite uma sinergia maior entre três interfaces com o Jornalismo: a que vive o mercado de trabalho, a que estuda e pesquisa a mídia e a que consome os produtos informativos.

A melhor notícia é que todos se beneficiam com essa convergência: o jornalista, o pesquisador e o cidadão comum. A distância entre academia e mercado fica menor; diminuem também os preconceitos de lado a lado; permite-se uma maior troca de informações e experiência, o que resulta num aperfeiçoamento mais consistente das práticas jornalísticas.

Na vitrina

Um segundo caso que ilustra esse espírito de união de forças no campo do jornalismo é o surgimento de redes de pesquisa. Pelo menos duas foram lançadas oficialmente durante o 3º Encontro da SBPJor, em novembro passado em Santa Catarina. Uma de Telejornalismo e outra de Crítica de Mídia. Embora pareçam iniciativas simples e cotidianas, essas redes não são fáceis de articular. É necessário que haja um coletivo de pesquisadores comprometidos com uma produção em eixos compartilhados; é preciso afinidades teóricas e metodológicas; que haja disponibilidade, ambiente e infra-estrutura para a pesquisa científica nos diversos pontos da rede; enfim, que vigore uma confluência de condições que não só estimule a investigação, mas que possa converter seus resultados em produtos passíveis de difusão.

No caso específico da Rede Nacional de Observatórios da Imprensa (Renoi), da qual fazemos parte, pode-se dizer que ela está em franca expansão, consolidando experiências em vários pontos do Brasil e fomentando o surgimento de outras. Em quase quatro meses de existência formal, a rede conta hoje com três laboratórios ou projetos formados e consolidados, três em fase de consolidação e outros dez sendo criados.

A bem da verdade, a iniciativa surgiu há praticamente 10 anos, quando do surgimento do Observatório da Imprensa. Este primeiro media watcher nasceu no âmbito acadêmico e ainda objetivava uma maior intensidade dessas discussões na universidade. De 1996 para cá, diversas vezes, tentou-se articular uma rede nacional de observatórios, mas ela só veio a surgir oficialmente no ano passado. Com o lançamento da Renoi, pavimentou-se uma parceria com o Observatório da Imprensa, que republica em sua seção ‘Diretório Acadêmico’ alguns dos textos produzidos pelos diversos nós dessa rede. Se, por um lado, os projetos da Renoi ganham maior visibilidade na grande vitrina do Observatório, por outro, é oferecido ao site um mosaico da produção acadêmica de crítica de mídia em diversos cantos do Brasil.

Projetos consolidados

A Renoi é composta por cerca de 40 pesquisadores de 16 instituições de ensino superior em 11 estados. Todas as regiões brasileiras são contempladas. No norte, fazem parte professores e alunos ligados à Agência Unama, da Universidade da Amazônia, com foco em pesquisas sobre Comunicação, Infância e Adolescência; no nordeste, compõem a rede pesquisadores das universidades federais de Sergipe (UFS), da Paraíba (UFB) e do Rio Grande do Norte (UFRN); na região Centro-Oeste, estão vinculados dois grupos de pesquisa da Universidade de Brasília (UnB); no sudeste, estão o Unasp, a Universidade do Sagrado Coração e a Unisanta, todos no interior de São Paulo, a Unilinhares, o Centro Universitário Fluminense, no Rio, a Universidade do Triângulo e a Faculdade Estácio de Sá, ambas em Minas Gerais. Da região Sul, estão pesquisadores da Universidade do Vale do Itajaí, de Santa Catarina, e da federal do Paraná (UFPR).

Cada um desses nós da rede representa uma vitrine da mídia local, fazendo observação sistemática dos órgãos de imprensa, exercendo a crítica aos processos e às práticas jornalísticas. Cada uma dessas iniciativas tende a produzir diagnósticos de suas realidades midiáticas, ajudando a compor um mosaico nacional.

Os projetos já formados e consolidados são o Canal da Imprensa, do Unasp, o Monitor de Mídia, da Univali, e o S.O.S. Imprensa, da UnB. Criados e em fase de consolidação de seus serviços e pesquisas, estão o Análise de Mídia, da USC, a Agência Unama, da Universidade da Amazônia, e o Mídia e Política, da UnB.

Somando ao coletivo

Em Sergipe, os professores Josenildo Luiz Guerra e Carlos Franciscato, do Laboratório de Estudos em Jornalismo, já formaram suas equipes de pesquisa e atualmente definem critérios de avaliação e detalhes da rotina do projeto. No Rio Grande do Norte, o professor Gerson Martins trabalha na formatação de uma disciplina específica de crítica de mídia e na articulação de um grupo de pesquisa que sustente um projeto de observação sistemática. Na Paraíba, o professor Wellington Pereira, do Grupo de Pesquisa sobre o Cotidiano e o Jornalismo (Grupecj), atua para a criação de um observatório de mídia junto ao Fórum Estadual dos Direitos Humanos.

Em Minas, o professor Avery Veríssimo elabora proposta de um projeto de observatório da imprensa na Faculdade Estácio de Sá. No mesmo estado, o professor Sérgio Gouvêa utiliza a disciplina ‘Escritório de Jornalismo IV’ para atividades de crítica da mídia na Universidade do Triângulo, a Unitri. Na Unilinhares, a professora Jussara Carvalho de Oliveira já iniciou um projeto de monitoramento no curso de Jornalismo local. E em Campos do Goitacazes (RJ), o professor Gerson Dudus conclui em breve um projeto de implantação de laboratório no Centro Universidade Fluminense. Em Santos (SP), o professor Fernando de Maria articula para reservar na home page de sua instituição, a Unisanta, espaço para discussão sobre a mídia regional. Em Curitiba, a professora Kelly Prudêncio aglutina professores de Jornalismo e Publicidade para a criação de um Núcleo de Estudos em Ética na Comunicação, observando prioritariamente as intervenções de lado a lado (jornalismo e publicidade) nas linguagens, oferecendo disciplinas optativas e buscando maior adesão de alunos para o núcleo.

O que se observa, já com tão pouco tempo de funcionamento da Renoi, é que há experiências iniciadas a partir do trabalho de grupos de pesquisa, como é o caso do Monitor de Mídia, do S.O.S. Imprensa e do Mídia e Política, vinculado ao Núcleo de Estudos em Mídia e Política. Essa característica reforça a atuação dos grupos e dá maior visibilidade aos seus projetos na medida em que oferece uma interface menos concentrada no meio acadêmico, um site na internet. Alguns dos novos focos da Renoi tendem a seguir esse percurso, mas isso se dá quase sempre de acordo com o perfil de seus articuladores locais. A Renoi não determina como devem surgir os nós da rede, apenas orienta em que circunstâncias eles podem se viabilizar e se somar ao coletivo.

Solo fértil

Existem projetos ligados a disciplinas e, que portanto, têm uma vinculação maior com o ensino de Jornalismo. Alguns observatórios devem surgir como resultados da sala de aula, do trabalho entre alunos e professores, como se coroassem uma boa trajetória. Essas experiências tendem a estabelecer um fluxo de informação que retroalimenta as aulas, tornando mais rico o processo de ensino-aprendizagem. Está por trás disso a idéia de que elementos de crítica de mídia podem ajudar a constituir uma ementa de disciplina. O professor Victor Gentilli, da UFES, conduziu uma experiência similar no ano passado, e outros pesquisadores devem fazer o mesmo em 2006. A criação de um observatório de mídia na universidade a partir de disciplinas regulares ou optativas parece ser uma saída menos dificultosa que por meio de um grupo de pesquisa. Isso porque o grupo, atendendo a critérios burocráticos e regulatórios, precisa estar consolidado e em pleno funcionamento para suportar uma rotina de observação sistemática. Na sala de aula, o compromisso institucional é mais caracterizado e o envolvimento de professores e alunos é praticamente imediato.

Há ainda experiências que se estendem para os caminhos da extensão universitária. O exemplo mais nítido é o S.O.S. Imprensa, que funciona como uma ouvidoria para erros da mídia. Com um site e um telefone do tipo 0800, o projeto oferece orientações ao cidadão comum sobre abusos dos meios de comunicação. Recentemente, o projeto da UnB iniciou a produção e veiculação de um programa de televisão na TV Comunitária do Distrito Federal. A cada 15 dias, o programa de meia hora é exibido, e lá são discutidos temas como invasão da privacidade e responsabilidade social da mídia. Em Santa Catarina, também recentemente, o Monitor de Mídia lançou um programa de TV no sistema a cabo. Trata-se de Monitor na Mídia, que vai ao ar semanalmente pela TV Univali, o canal universitário em Itajaí (SC).

Esses apontamentos em torno do trabalho da Renoi mais nos servem como um balancete dos muitos esforços que estão sendo desenvolvidos pelos pesquisadores participantes. Em outras latitudes e sob novos escopos, a pesquisa em jornalismo vai aprofundando suas raízes no solo fértil da ciência. Parte de um processo histórico, esse desenvolvimento tem condições de oferecer à categoria profissional e ao público em geral respostas a dilemas que angustiam a todos que produzem e consomem informação. É necessário radicalizar esse interesse e esse empenho.

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Jornalista, doutor em Ciências da Comunicação, professor da Univali e coordenador do Monitor de Mídia