Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O deputado Feliciano e a Parada Gay

A imagem do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, posando ao lado de quatro travestis, aparentando nervosismo e com as mãos crispadas, é destaque na primeira página da edição de sexta-feira (31/5) da Folha de S.Paulo (ao lado). O governador se submeteu à situação, na qual parece pouco à vontade, durante visita à Feira da Diversidade, evento que antecede a Parada Gay, marcada para o domingo (2/6) na capital paulista.

Na mesma reportagem, o jornal informa que o deputado Marco Feliciano, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara e protagonista de ruidosas controvérsias envolvendo direitos de homossexuais, aceitou comparecer ao festival de cinema que ocorre no final de semana.

Há uma diferença notável entre as coberturas da Folha e do Estado de S.Paulo: na Folha, o assunto tem destaque na primeira página e ganha ares de celebração; no Estado, o tema é tratado mais discretamente, com o tom utilitário das reportagens de serviço.

Realizado desde 1997, inicialmente como parte das comemorações do Dia Internacional do Orgulho Gay, o desfile cresceu e se transformou num evento turístico de grandes proporções, com até 1 milhão de participantes. Paralelamente, sempre marcou também um período de adensamento das manifestações homofóbicas, que tiveram seu auge em 2009 com um atentado com bomba caseira que deixou vários feridos, como lembra o Estado.

O tom quase militante da Folha e o distanciamento quase asséptico do Estado revelam muito do estilo de cada um dos diários, mas também apontam para um aspecto interessante de como certas questões sociais são introduzidas na agenda pública organizada pela mídia tradicional.

Pode-se dizer que o ativismo homossexual, que tem seu clímax nos desfiles de estilo carnavalesco, como o que ocorre em São Paulo no domingo, surgiu como reação ao preconceito e aos episódios de violência e constrangimento que essa parcela da população sempre sofreu. No entanto, os grandes eventos, como a Parada Gay, foram favorecidos pelo advento da internet e das redes sociais digitais.

Conteúdos repugnantes

Pode-se, então, afirmar que os meios digitais contribuem para disseminar ideias mais avançadas sobre direitos de minorias? A resposta correta teria que levar em conta a incalculável diversidade da rede, que praticamente reproduz a complexidade da própria sociedade: no mesmo espaço onde democraticamente se manifestam militantes dos direitos de homossexuais também proliferam as mais grotescas expressões de intolerância e alguns episódios muito atrapalhados.

Nesta semana, por exemplo, duas adolescentes acrianas, com a intenção de criticar o preconceito, postaram um vídeo no qual fingiam ser um casal homossexual. O resultado foi desastroso, mas elas conseguiram chamar a atenção de milhares de pessoas até que a postagem foi bloqueada, provavelmente por exigência do pai de uma delas.

A intenção das duas jovens de 16 anos se perdeu numa avalancha de comentários, entre os quais se destacavam mensagens religiosas do tipo que tem sido levado à mídia tradicional pelo deputado e pastor Marco Feliciano.

Pelo que se pode entender de uma reportagem publicada na sexta-feira (31) pelo Estado de S.Paulo, o que pode inibir a intolerância nos novos meios de comunicação e interação não é propriamente a consciência de seus males. Segundo o texto, publicado originalmente pela agência internacional Bloomberg, os dirigentes do Facebookdecidiram agir com mais rigor para retirar do ar manifestações agressivas e expressões de mau gosto.

A medida foi provocada por queixas de uma organização de defesa dos direitos das mulheres, mas a reação do Facebook.com foi motivada pela percepção de anunciantes de que a reputação das empresas estava sendo afetada pela proximidade de suas marcas com esses conteúdos ofensivos ou preconceituosos. Não apenas grandes anunciantes, mas também pequenas e médias empresas começaram a cancelar a publicidade na rede social para evitar o contágio de seus anúncios pelas manifestações consideradas repugnantes. Imagine-se, por exemplo, o desastre que representa a proximidade de um anúncio de cosméticos ao lado de imagens explícitas de grupos sociais coniventes com estupros ou violência doméstica.

A decisão do Facebook,de assumir a responsabilidade por conteúdos degradantes, tem mais relação com riscos financeiros do que com preocupações sociais, mas a iniciativa de conter as expressões da barbárie mostra que mesmo a liberdade das redes sociais digitais precisa ter algum limite.