Embora não se possa dizer que o mercado editorial esteja em seus melhores momentos – longe disso, como o próprio J&Cia tem acompanhado –, onde menos se esperava um corte relevante de pessoal ele aconteceu – no jornal Valor Econômico. Foi em 23/5, quando a empresa realizou um corte de 50 pessoas, atingindo um pequeno grupo de profissionais experientes e antigos na casa e um número maior de profissionais mais jovens, chegados mais recentemente ao jornal.
Decisão penosa e que teve origem fora, nos acionistas (Grupo Folha e Organizações Globo), que consideraram necessário um corte nas despesas. A empresa, possivelmente diante de ter de comunicar uma iniciativa que ela, por si própria, não teria tomado, mostrou-se constrangida e, com isso, acabou fazendo o que condenaria de forma veemente em suas fontes: não quis falar, limitando-se a encaminhar, por sua assessoria de imprensa, um curto comunicado: “Com o objetivo de se adequar aos desafios do futuro, o Valor Econômico fez um ajuste em sua estrutura. Tal ajuste foi desenhado de modo a ter o menor impacto possível tanto em seu quadro de funcionários quanto em suas operações”.
No caso, esse menor impacto foi um corte de 20% da força de trabalho editorial da empresa, que tem agora 200 dos 250 profissionais que empregava até o final de abril. Na comparação com o início de 2012, no entanto, o saldo é positivo, pois a empresa havia contratado nesse quase um ano e meio quase cem jornalistas para o seu novo projeto Valor-PRO.
Com investimentos próprios da ordem de R$ 100 milhões, o Valor-PRO, lançado com algum atraso neste início de ano, é um projeto estratégico da empresa. Ele a coloca num negócio –terminais dedicados e focados no mercado de capitais, abastecidos com informações em tempo real – hoje dominado por Broadcast, da Agência Estado, e que tem como outros players Bloomberg e Reuters, em menor escala, com chances de alcançar a liderança em alguns anos.
Essa é, aliás, a aposta da empresa, que há anos se viu estimulada por Globo e Folha a estudar sua entrada no negócio. A pressão maior viria da Folha, que, com sede em São Paulo, acompanhava de perto o sucesso da Broadcast, sob a égide do Grupo Estado.
O desafio: ora, se o Valor Econômico é o maior jornal de Economia do país, tem grande credibilidade, é respeitado e conta com fontes e entradas em todos os segmentos empresariais e nas principais instituições econômicas do País, por que razão não investir nessa área, que tem tudo a ver com o seu foco de atuação, e enfrentar um concorrente que, apesar de fortíssimo, não tinha a mesma extensão setorial, nem o mesmo DNA de Economia?
Questão segunda: o jornal precisava diversificar suas receitas e desse modo diminuir sua dependência – ainda muito grande – da publicidade legal, cuja obrigatoriedade, ainda em vigor, pode acabar de uma hora para outra, levando ao colapso quem dela depende.
Pressionado a entrar num negócio que se mostrava não só estratégico como vital para sua sobrevivência, o Valor Econômico decidiu estruturar o Valor-PRO. Havia uma desvantagem em relação ao Grupo Estado, pois este, através da Agência Estado, comprara a Broadcast em 1991, já com uma base tecnológica desenvolvida e grande aceitação no mercado. Com a aquisição, ela passou a fornecer aos clientes, além das cotações em tempo real, informações e análises que tinham impacto direto sobre a lucratividade dos seus negócios. No caso do Valor, que começou praticamente do zero, o desenvolvimento consumiu mais de três anos e houve muita turbulência no campo da tecnologia. Isso levou a empresa a adiar por pelo menos duas vezes o lançamento, arcando com os prejuízos daí decorrentes.
Tudo poderia ser minimizado se a operação comercial fosse um sucesso retumbante, o que não ocorreu. Por ser um serviço relativamente caro (cerca de R$ 1.000 por terminal) e dominado por uma empresa de tradição, a conquista de mercado, sobretudo num cenário de crise, requer tempo, obstinação e mais investimentos.
Líder, a Broadcast também não está dormindo de touca e se pôs em movimento. Esta semana mudou-se para o 6° andar do prédio do Grupo Estado, integrando-se à equipe de Economia do jornal. Até então uma operação independente, passa agora a atuar de forma integrada e em sinergia com o próprio jornal. No caso do Valor, o projeto já nasceu integrado, pois todo o conteúdo editorial gerado por seus jornalistas abastece simultaneamente três plataformas: o jornal Valor Econômico, o site Valor Online e a plataforma Valor-PRO.
O corte de 2003
Vale recordar que o jornal fez um outro grande corte de pessoal em 2003. À época, ele foi da ordem de 50%. O Valor tinha 150 profissionais e de um dia para outro passou a ter 75. Quais as diferenças para 2013? A primeira é que há dez anos o jornal atravessou um difícil momento econômico, do mesmo modo que as Organizações Globo, e precisava cortar custos para sobreviver com suas próprias forças, pois já não contava com aportes de seus acionistas. A segunda é que o único concorrente, a Gazeta Mercantil, já estava em acentuado processo de decadência, permitindo que mesmo com uma equipe reduzida pela metade o Valor ampliasse seu domínio e sua liderança no mercado. Muito diferente de agora, em que o jornal, mesmo com boa situação econômica, vê-se diante do desafio de cortar custos para fazer frente aos novos investimentos necessários, e enfrenta um concorrente muito mais forte do que aquela Gazeta Mercantil de 2003.
Ante a iminência de ter de fazer cortes na equipe, a diretora de Redação Vera Brandimarte e seu estafe editorial decidiram que, como em 2003, buscariam preservar a inteligência e a experiência, particularmente dos núcleos editoriais mais estratégicos para suas três plataformas. Sabia-se que praticamente todos teriam de entrar no sacrifício, dada a extensão do corte, mas a ideia era evitar ao máximo perdas significativas de qualidade e produtividade nas editorias-chave.
Vera, pelo que apurou este J&Cia, reuniu-se com a equipe na segunda-feira (27/5) para falar das razões do corte e para dizer que eles cessaram. Falou que os profissionais demitidos não serão substituídos e que, em havendo oportunidade, a porta estará aberta para todos. Foi uma conversa difícil, com momentos de visível emoção, como relatou um dos presentes. Vera, como se sabe, é a grande fiadora desse projeto e nele está desde o início, primeiro como adjunta de Celso Pinto, e, com a doença deste, que completa dez anos – em maio de 2003 –, como diretora editorial.
Decididos a antecipar o break even do Valor-PRO para antes do final de 2014, como era inicialmente a ideia, e a garantir receitas para fazer frente aos investimentos que virão e às eventuais quedas de receitas da publicidade legal, os acionistas decidiram agir preventivamente no sentido de reduzir o patamar de despesas da empresa.
Além de ainda não estar na “ponta dos cascos” com a tecnologia, o que obviamente impacta a geração de receitas do projeto, a empresa sentiu um primeiro baque na publicidade legal: uma nova instrução desobriga empresas de fora do eixo Rio-São Paulo a fazer anúncios em jornais de circulação nacional e as autoriza a fazer em veículos locais. Com isso, no caso do Valor, a estimativa de perda de receita em 2013 é da ordem de R$ 10 milhões, volume considerável mesmo para uma empresa que fatura mais de R$ 100 milhões por ano.
Mudança conceitual
A chegada do Valor-PRO provocou uma mudança cultural enorme no modus operandi do Valor Econômico, como explicou um integrante da equipe a este J&Cia. Lá atrás, quando foi fundado, e nos anos seguintes, sem ter equipe numerosa em condições de acompanhar a infinidade de temas do cotidiano, o jornal fez a opção de cobrir prioritariamente assuntos exclusivos. Temas coletivos, a menos que tivessem importância capital, não eram foco da redação, eram simplesmente descartados.
Com o Valor-PRO isso mudou radicalmente, pois todas as informações, commodities ou não, vindas por releases ou quaisquer outros meios, interessam aos operadores, pelo impacto que podem gerar no mercado de capitais. Com isso, a empresa viu-se obrigada a rever sua cultura e, mais do que isso, a ampliar substancialmente a equipe, para dar conta da brutal elevação de informações com que passou a trabalhar. As contratações vieram, os treinamentos foram feitos, a empresa chegou até a criar um curso de jornalismo especializado para identificar novos talentos (500 inscrições, 40 selecionados e ao final do curso cerca de 20 contratações) e agora cuida de consolidar esse seu novo jeito de enxergar as informações. Em princípio, tudo o que é informação com algum potencial econômico tem lugar numa das três plataformas.
Baixas em SP, RJ e DF
Deixaram a equipe paulista do jornal, entre outros, Cristine Prestes e Paulo Totti (repórteres especiais), Cândida Vieira e Edson Pinto de Almeida (editores-assistentes dos Produtos Especiais, que eram frilas fixos), Conrado Mazzoni (editor de Finanças do Valor Online), Maria Christina Carvalho (editora de Opinião), Carlos Motta (editor-assistente de Nacional), Rodrigo Uchoa (editor da Blue Chip), Moacir Drska (da editoria de Tecnologia), Renato Brandão (editor de Arte), Ana Fernandes(repórter de Indústria) e Nádia Rodrigues (revisora e que cuidava também do controle de qualidade dos textos do jornal), além do economista Edgar Kanamaru e dos fotógrafos Daniel e Régis. Também saíram, a pedido, o repórter de Consumo Alberto Komatsu e a sub de Política Ana Paula Grabois. Quem também saiu foi Suzi Katzumata (suzi.katzumata@gmail.com e 11-99685-0547), que participou da elaboração do projeto de cobertura de mercado financeiro internacional do Valor-PRO e foi editora-assistente (também em Internacional). Antes do Valor, Suzi esteve por 11 anos no Estadão, no qual igualmente atuou como editora-assistente de finanças internacionais.
No Rio de Janeiro saíram Vera Saavedra Durão e Chico Santos, como informou a editora regional de J&Cia Cristina Carvalho. Vera, apesar de constar no expediente como repórter especial, atuava como segunda de Heloísa Magalhães, chefe de Redação da sucursal. Especializada em Economia, Vera começou na agência Tele Notícias, da extinta revista Visão; foi de O Globo e Jornal do Brasil, e passou quase 20 anos na Gazeta Mercantil, como pessoa de confiança de Paulo Totti. Em 2000, foi convidada a participar da fundação do Valor, onde estava até agora, respondendo pela cobertura das áreas de mineração, siderurgia, grandes negócios e macroeconomia. Chico estava no Valor desde 2004. Ele começou nas revistas especializadas em navegação, e nessas publicações passou oito anos, até se transferir para a sucursal da Folha de S.Paulo, sempre na área marítima. Um ano depois, ampliou a cobertura e foi, por 16 anos, repórter de Economia da Folha. No Valor, cobria petróleo e energia; estatais, especialmente BNDES; macroeconomia; e fez algumas grandes reportagens, entre elas uma sobre a transposição do rio São Francisco.
Em Brasília, como informa a correspondente Kátia Morais, o corte abrangeu três vagas. Saíram Sérgio Leo e Azelma Rodrigues e o jornal congelou a vaga de Daniela Martins, que saiu poucos dias antes para trabalhar na assessoria do Ministério da Saúde. Daniela chegou ao Valor por meio do Curso de Jornalismo Econômico promovido pelo jornal em Brasília, sob os cuidados de Mônica Izaguirre (repórter especial na sucursal). Sérgio (sergioleo@valor.com.br e 1sergioleo@gmail.com), que estava na empresa havia 13 anos, ultimamente como repórter especial e colunista, continuará a colaborar na Coluna da Página Dois, que escreve às 2as.feiras e divide, nos demais dias, com Delfim Neto, Cristiano Romero, Ribamar Oliveira e Cláudia Safatle. Ele sairá de férias em junho.
Benefícios garantidos
A direção do Valor Econômico decidiu conceder um pagamento extra a todos os demitidos, além de estender a eles por seis meses o plano de saúde. Os salários adicionais para quem sai foram definidos em função do tempo de casa: quem ali estava até cinco anos receberá 1 salário nominal a mais; quem tem entre cinco e dez anos, 1,5 salário; e quem tem mais de dez anos, 2,5 salários. Vale acrescentar que as demissões ocorreram às vésperas do dissídio coletivo. Nas negociações com o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, a empresa assegurou que os índices definidos no acordo coletivo serão repassados aos demitidos depois da assinatura do acordo. Não é demais lembrar que a empresa valeu-se, nesse processo, dos benefícios garantidos pela legislação, que autoriza isenção do Imposto de Renda para casos semelhantes aos de um PDV (Programa de Demissão Voluntária). Além dos benefícios mencionados, os repórteres especiais e editores que têm carros cedidos foram liberados pela empresa do pagamento de metade do leasing a que estariam obrigados por regra interna.