Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Diferenças sutis na cobertura

Há bem pouco tempo vimos Paris em chamas em razão dos protestos realizados pelos descendentes de trabalhadores árabes. Garotos que não foram assimilados pela cultura e economia francesas apesar de terem nascido em solo francês. Uma parte da imprensa desdenhou o problema, qualificando os manifestantes de ‘estrangeiros’, ‘baderneiros’, ‘incendiários’, ‘bárbaros’, ‘radicais islâmicos’ e ‘jovens agressivos’. Poucos foram os jornalistas que compreenderam o problema e admitiram que havia algo errado com a pacífica, moderna e desenvolvida civilização ocidental.

As atuais manifestações, patrocinadas por adolescentes tipicamente franceses (alvos como a neve e de olhos claros), despertaram pouca indignação. Não é preciso fazer uma amostragem muito grande para verificar que as expressões utilizadas para designar os manifestantes mudaram: eles são chamados de ‘jovens indignados’, ‘estudantes descontentes’, ‘garotos preocupados com o desemprego’ etc… É impossível deixar de perceber a sutileza da distinção de cobertura. Ninguém questionou o direito dos franceses de manifestar-se contra o governo. Mas como os descendentes de imigrantes árabes não são considerados ‘franceses’, eles não tinham o direito de fazer o que fizeram.

Processo traumático

A cobertura da mídia precisa perceber uma certa simetria no comportamento dos franceses (quer sejam jovens brancos de olhos claros ou filhos de imigrantes árabes). O descontentamento é geral e prova que há algo de podre no Velho Continente. O crescimento populacional europeu estacionou há bastante tempo e a expectativa de vida aumentou. À medida que as populações de vários países da Europa envelhecem, crescem as despesas com aposentadorias e pensões. Isto drena a capacidade do Estado de atender às reivindicações e necessidades das gerações mais jovens.

O conflito de gerações na França está apenas começando. É bem possível que se espalhe para outros países europeus com populações envelhecidas. Se as distorções não forem corrigidas, o conflito tende a se tornar crônico e será potencialmente mais danoso para a Comunidade Européia do que qualquer atentado terrorista. Quase todas as tentativas de reformas previdenciárias acabaram abortadas ou minimizadas no Velho Continente. As gerações mais velhas não aceitam abrir mão de seu conforto e também sabem como defender seus direitos. As gerações mais novas estão frustradas porque não conseguem um lugar ao sol.

Os incidentes na França podem não ser apenas fenômenos passageiros, mas o princípio de uma grande onda. Quando se avolumar e quebrar no Velho Continente, o novo continente poderá colher os frutos em forma de novos investimentos, instalação de novas empresas etc. Um processo traumático e ruim para os europeus pode ser bastante proveitoso para os brasileiros.

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Advogado