Nessa guerra entre TVs e operadoras de telecomunicações, é preciso ter muito cuidado. As emissoras de TV querem usar uma única regra da Constituição, que é a proibição ao capital estrangeiro, acima de 30%, nas empresas que produzem conteúdo audiovisual. Todo o restante do Capítulo da Comunicação (como a proibição ao monopólio e ao oligopólio, a necessidade de regionalização da produção audiovisual, a criação de meios públicos não-estatais etc) as emissoras solenemente ignoram no dia-a-dia de suas operações e atuam no Congresso Nacional para evitar qualquer tipo de regulação.
Já as operadoras de telecomunicações querem criar leis justamente para regular este capítulo a fim de impor novas restrições às emissoras de TV, mas nem pensam em regular o cenário de convergência de mídias, porque sabem que, neste caso, a legislação terminaria impondo restrições às suas redes cada vez mais convergentes e, por isso mesmo, aptas a fazer o chamado triple play (voz, dados e vídeo). Essa, por exemplo, é a opinião do advogado Walter Vieira Ceneviva, da Vieira Ceneviva Advogados Associados, que tem como principais clientes as operadoras de telecomunicações [ver remissão abaixo].
Somos os únicos?
Ou seja, regulação nos olhos dos outros é refresco. Mas, vejamos mais de perto este argumento de que a regulação dos processos de convergência nem ao menos é necessária. Se esta afirmação é verdadeira, então por que:
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Os Estados Unidos aprovaram o Telecommunications Act em 1996, que engloba ‘serviços telefônicos locais e de longa distância, programas de TV a cabo e outros serviços de vídeo e radiodifusão’?**
O Reino Unido aprovou o Communications Act em 2003, extinguindo os cinco órgãos regulatórios que existiam até então e criando um único (Office of Communication), capaz de lidar com o cenário de convergência?**
O Canadá tem um Telecommunication Act de 1993 e um Broadcasting Act de 1991 e ambos foram modificados conjuntamente em 2002, ao mesmo tempo em que também foram modificadas as atribuições da agência que regula toda a comunicação chamada Canadian Radio-Television and Telecommunications Commission (CRTC)?**
A França aprovou, em 1996, a sua lei de telecomunicações que criou a Autorité de Régulation des Communications Electroniques et des Postes (Arcep)? E em 2004, a Lei 2004-669 relativa ‘às comunicações eletrônicas e aos serviços de comunicação audiovisual’, logo no cabeçalho, determina a substituição das palavras ‘telecomunicação’ e ‘telecomunicações’ por ‘comunicações eletrônicas’?**
O Japão aprovou, em 2002, a Law Concerning Broadcast on Telecommunications Services?**
A Australia aprovou, em 2000, o seu Digital Television and Datacasting Act que prevê uma série de serviços interativos e de transmissão de dados no interior da plataforma de TV aberta?**
A União Européia aprovou, em 2002, um conjunto de seis diretivas (‘framework directive 2002/21/EC’, ‘access directive 2002/19/EC’, ‘authorisation directive 2002/20/EC’, ‘universal service directive 2002/22/EC’, ‘protection of privacy and electronic communications directive 2002/58/EC’, ‘competition directive 2002/77/EC’) e criou o Information Society and Media Directorate-General, com os seguintes departamentos: ‘Audiovisual, Media, Internet’, ‘Electronic Communications Policy’, ‘Lisbon Strategy and Policies for the Information Society’, ‘Network and Communication Technologies’, ‘Content’, ‘Emerging Technologies and Infrastructures’, ‘Components and Systems’ e ‘ICT for Citizens and Businesses’?Será que nós somos os únicos que marchamos certo no regimento com o nosso Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, e com a Lei Geral de Telecomunicações, de 1997, mas que de geral tem muito pouco?
Se as teles ganham de um jeito e as emissoras de TV de outro, talvez tenha chegado a hora de saber como (e o que) ganha o restante da sociedade brasileira.
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Jornalista, mestre em Comunicação (UFRJ), coordenador-geral do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura (Indecs) e membro eleito do Comitê Gestor da Internet do Brasil