Quando a “liberdade de expressão” está como doce na boca de todo mundo que a confunde com opressão sem fronteiras ou consequências, quando alguém não faz parte desse grupo dominante e resolve gritar dentro do seu direito constitucional é quando morre a liberdade de expressão e nasce o vandalismo.
Na sexta-feira (7/6), perdi a conta de quantas vezes a palavra “vândalos” apareceu na cobertura do protesto contra o aumento nas passagens do transporte público de São Paulo feita pelo SPTV 1ª edição (Rede Globo). Repórteres nas ruas mostrando o que foi quebrado. No dia do protesto (quinta-feira, 6) só pudemos ver imagens feitas por helicóptero, daquele jeito que vemos quando presídios estão em rebelião. Nem em guerras nossos queridos jornalistas são tão cautelosos. Mas eles estão cobertos de razão. O gás lacrimogêneo usado com tanto afinco realmente deveria estar insuportável. As balas de borracha, se atingem pontos como a nuca, são fatais. Têm razão, é um perigo. Os vândalos que se propuseram a isso que lidem com esse risco.
O SPTV reproduziu algumas declarações: polícia e governador do estado. A polícia afirmou que agiu dentro da lei e o governador foi o grande responsável pelo aumento no número da palavra “vândalos” da edição, com a ênfase necessária do seu fã mais entusiasmado – o jornalista César Tralli. A postura conivente com tudo que sai da boca do governador Geraldo Alckmin não é novidade para quem assiste a edição com Tralli. O âncora tem sempre uma atitude que minha avó definiria muito melhor na sua sabedoria popular: baba-ovo.
“Vândalos” estão sendo investigados
Foi assim há um ano, na greve dos metroviários e ferroviários. A edição começou com seu tom de “caos na cidade” e, nas palavras do jornalista, o governador teve até de acordar cedo para tentar resolver o problema. Absurdo. Diferente dos trabalhadores que nem devem acordar antes do sol nascer todos os dias, nem devem utilizar o transporte público. E se utilizam, possivelmente o encontram em ótimas condições. Esses funcionários devem ser outros vândalos.
E seria coincidência que o transporte público é, também, o motivo desse protesto? Não para quem conhece a exata dimensão do descaso com esse assunto – os usuários. Não para quem é de São Paulo e notícia de trânsito caótico não é sua prioridade. Quem utiliza metrô ou trem sabe que todos os dias, santos ou não, em algum horário a quantidade de trens é diminuída para “manutenção dos trilhos”. Tão bem mantidos que toda semana algum problema acontece, gerando a confusão que todo mundo já viu. Não é novidade para quem enfrenta o liquidificador humano às seis da tarde, em uma estação como a Luz, onde ocorre baldeação gratuita.
Mas essas pessoas, quando decidem dizer não para o aumento da passagem desse meio onde são diariamente maltratados, são os vândalos. É claro que em todo grupo, ainda mais em uma manifestação onde “nervos calmos” é a última coisa que se encontra, há aqueles que se destacam de forma negativa, que aproveitam o anonimato que um grupo oferece para pode pôr em prática o tal vandalismo. Houve depredação? Sim. Mas a manifestação já começou dessa forma ou foi em resposta à abordagem digna de guerra da polícia? Não sei. Porque não vi e ninguém me mostrou o que aconteceu. Ou ainda, como a regrinha do bom jornalismo manda, aquela ensinada em sala de aula: Dois lados da questão, cadê?
Agora os “vândalos” estão sendo investigados, presos e terão de pagar fiança, que certamente não é de R$ 3,20. Porque, como o citado âncora falou, tudo que foi depredado, fomos nós que pagamos. Só que ninguém avisou a ele que os tais vândalos também pagam impostos. O que não dá, obviamente, passe livre para ninguém sair quebrando tudo o que for público, mas voltando à minha avó: Uma coisa é uma coisa, outra coisa… é outra coisa.
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Larissa Lima é jornalista, São Paulo, SP