‘Se você é dos que vêem a revisão por pares (‘peer review’, em inglês) como a salvação da lavoura científica, pense duas vezes. Os próprios editores de alguns dos periódicos biomédicos mais cortejados do planeta estão insatisfeitos com essa forma de controle, como mostrou um congresso internacional realizado no mês passado em Chicago. Diagnóstico mais chocante: o sistema é impotente diante das maiores ameaças à idoneidade científica, como o peso da indústria farmacêutica.
Calcula-se que existam cerca de 25 mil periódicos científicos no mundo que usam a revisão por pares. Como não são lidos por leigos, poucos não-cientistas sabem que artigos relatando pesquisas só saem nessas publicações depois que um ou mais cientistas-revisores anônimos avaliam o trabalho dos colegas -muitas vezes, competidores. Cada revisor pode recomendar a publicação do artigo (‘paper’, na gíria acadêmica) como está, pedir alterações e esclarecimentos ou sugerir rejeição. A decisão final é dos editores.
Tomada como infalível por muitos pesquisadores e jornalistas de ciência, a revisão por pares não impediu -para citar um exemplo recente- que fosse publicado em 2004 na revista ‘Cell’ um trabalho de cientistas da UnB depois cancelado (‘retracted’), no final do mês passado. De duas, uma: ou o artigo agora desqualificado estava errado desde o início, e portanto seus três revisores falharam, ou estava certo, e falharam agora os editores do periódico, ao publicar uma nota unilateral de retração, sem a concordância dos autores. Nenhuma das opções é boa para o sistema, se a ‘Cell’ for representativa das práticas editoriais científicas.
Há quem veja na revisão por pares um processo ‘lento, caro, pródigo com o tempo acadêmico, altamente subjetivo, propenso a vieses, deficiente para detectar defeitos grosseiros e quase inútil para detectar fraudes’, como definiu seis anos atrás Richard Smith, então editor-chefe de um periódico respeitado, o ‘British Medical Journal’. Depois de deixar o ‘BMJ’, ele se tornou um crítico mordaz da imprensa científica e ajudou a fundar a Public Library of Science (PLoS), uma coleção de periódicos de acesso aberto pela internet que está tirando o sono dos editores mais tradicionais.
Smith não tem papas na língua, como demonstrou em entrevista para Reinaldo José Lopes, em julho, nesta Folha. Eis o título de um artigo seu de maio deste ano: ‘Periódicos Biomédicos são uma Extensão da Divisão de Marketing das Companhias Farmacêuticas’. No congresso de Chicago, foi direto ao ponto e causou mal-estar: ‘Não sei se os periódicos vão sobreviver mais cinco anos’.
O peso da indústria
A reunião era um encontro científico de fato, não um evento social. Foram 42 pesquisas apresentadas na sessão plenária e 53 pôsteres distribuídos por um salão de baile do Fairmont Hotel. Na maioria, levantamentos apontando falhas no sistema consagrado de publicação de pesquisas -com atenção especial para os testes clínicos em que se baseiam as autorizações para comercialização de remédios. Coisa séria, escolhida a dedo com ajuda, claro, da revisão por pares.
A sucessão de apresentações, ao longo de três dias, deixaria deprimido qualquer um com fé mais sólida na justiça e na transparência da revisão por pares. Várias delas tentavam medir com rigor estatístico as distorções do sistema provocadas pela influência das empresas de fármacos. Ou seja, estudos que permitiram a Richard Horton, editor-chefe da prestigiada ‘Lancet’, afirmar com base empírica: ‘Os periódicos se transformaram em operações de lavagem de informação para a indústria farmacêutica’.
Estudos financiados por empresas, no entanto, costumam ser tecnicamente bem-feitos, pois elas contam com fartos recursos. O custo dos testes clínicos, como alertou uma ex-editora do ‘New England Journal of Medicine’, Marcia Angell, costuma ser computado ao lado de verbas para promoção de remédios entre os US$ 800 milhões supostamente gastos, em média, para pôr uma nova droga nas farmácias.
Ainda que bem feitos, os testes clínicos patrocinados pela indústria são desproporcionalmente favoráveis aos remédios novos. Isso decorre de dois subterfúgios: fazer as ‘perguntas certas’ e divulgar só os resultados bons.
Conclusões vs. dados
Um bom exemplo de enviesamento foi apresentado por Veronica Jank, da Universidade de Washington (localizada no oeste dos Estados Unidos), durante o congresso. Ela se debruçou sobre estudos chamados de meta-análises, grandes compilações estatísticas da literatura sobre certo remédio ou tratamento. Entre 1966 e 2004, ela encontrou 71 dessas revisões sobre a ação de drogas anti-hipertensivas, das quais cerca de um terço havia sido patrocinado por empresas.
Jank se pôs a comparar os resultados apresentados (dados numéricos) com as conclusões e interpretações extraídas pelos autores, para verificar se havia discrepâncias. Em 37% dos estudos da indústria as conclusões positivas estavam em desacordo com os dados. Entre pesquisas bancadas só por instituições acadêmicas, isso ocorria em 0% dos casos. ‘Perturbador, ainda que não surpreendente’, comentou Smith.
É por essas razões que outro participante incisivo do congresso de Chicago, o dinamarquês Peter Gotzsche (da instituição The Nordic Cochrane Centre), afirmou ao final de uma de suas apresentações: ‘Revisões sistemáticas de remédios não deveriam ser financiadas pela indústria. Se forem, não se deveria confiar nelas’.
Detalhe: todos esses estudos foram submetidos à revisão por pares. Diante de tamanho fracasso, alguns editores já começam a pensar numa solução radical -parar de publicar resultados de testes clínicos nos periódicos. A saída estaria num registro global tanto de protocolos quanto de relatórios finais de todos os estudos, para que a comunidade médico-científica mundial pudesse avaliá-los diretamente.’
TODA MÍDIA
‘Pelo celular’, copyright Folha de S. Paulo, 10/10/05
‘Da CNN ao ‘Fantástico’, a TV explorava ontem cenas do desabamento de um prédio no Paquistão, que ‘um morador registrou pelo celular’.
Como nas demais tragédias recentes, como Nova Orleans ou os atentados em Londres, os ‘jornalistas cidadãos’ fizeram o espetáculo -com suas imagens dramaticamente amadoras e os relatos pela blogosfera.
Alguns dos depoimentos mais impressionantes apareciam nos blogs Saleem, da Índia, e Khizzy, do Paquistão.
Mas também como em outra catástrofe recente, a do tsunami, o impacto maior da internet veio com a formação da rede de blogs e sites de apoio financeiro às vítimas do terremoto.
De início, foi capitaneada pelo Tsunami Help, já em atividade. Depois passou a blog próprio -o South Asia Quake Help, quakehelp.blogspot.com.
A exemplo também de antes, a proporção da catástrofe tardou a ganhar projeção.
Sábado, ‘Jornal Nacional’ e ‘SBT Brasil’, que destacaram mais, falavam em três mil e dois mil mortos, respectivamente. Ontem, o site do jornal ‘New York Times’ já contava pelo menos 20 mil. A Folha Online, em manchete, 30 mil.
ZONA SUL
Em meio à campanha sobre o referendo do comércio de armas, entra Glória Maria, na Globo:
– Tiroteio assusta mais uma vez a zona sul do Rio. A troca de tiros acabou ferindo crianças numa creche.
Na reportagem, ‘o comandante da Polícia Militar disse que os policiais foram atacados por granadas’.
Na Globo News, o mesmo relato da favela da Rocinha foi seguido pela cobertura das manifestações, pelo ‘sim’ e pelo ‘não’, na mesma zona sul:
– As duas se encontraram, mas não houve tumulto.
Jair Bolsonaro liderou a passeata pelo ‘não’ e falou:
– Somos favoráveis ao desarmamento, sim, mas dos bandidos. Que tirem metralhadoras, fuzis, granadas.
Como na propaganda, cobrou que ‘o governo faça a sua parte em primeiro lugar’. Pouco depois surgia Chico Buarque, na propaganda pelo ‘sim’:
– A maioria das armas dos criminosos vem de dentro, não de fora. É preciso secar essa fonte. Menos armas nas ruas e casas significa menos armas roubadas. Só que isso vai contra o interesse de muita gente. O lucro da venda de armas é um osso que ninguém quer largar.
Longe da zona sul, Fernandinho Beira-Mar foi para Santa Catarina e fez da ‘cidade partida’ o país partido. No ‘JN’, ‘o governador Luiz Henrique não gostou da notícia’. Na Jovem Pan, ontem, ‘o PMDB catarinense vai encaminhar moção de repúdio a Lula’.
Remendos
Em dia de eleição interna no PT, a cobertura se dividiu entre o registro de que Lula votou e a notícia de que Raul Pont tem chance, sim, de vencer.
No site Carta Maior, o teólogo Leonardo Boff defendia, para o partido, ‘reassumir a bandeira das mudanças’ -e ‘tolerância zero’ com quem ‘viola a ética’. Em sumo, não quer ‘remendos em roupa velha’.
Reagrupar
Larry Rohter voltou ao ‘NYT’ com reportagem sobre a eleição interna, intitulada ‘escândalo força principal partido do Brasil a se reagrupar’. Registrou que o PT pode avançar à esquerda e se afastar do governo.
Também o ‘Financial Times’ tratou da eleição, mas com visão oposta -de que, ‘após quatro meses de crise, Lula pode ganhar impulso’ com o pleito.’
FSP
CONTESTADAPainel do Leitor, FSP
‘Conselho de Ética’, copyright Folha de S. Paulo, 8/10/05
‘‘A reportagem ‘Relator do processo decide pedir a cassação de Dirceu’ (Brasil, pág. A4, 6/10) tem tantos erros primários que fica bastante duvidosa sua credibilidade -tanto que já foi desmentida pelo relator, o deputado Julio Delgado. 1) Marcos Valério não foi tratar comigo duas vezes na Casa Civil. Ele estava acompanhado de diretores de empresas para as quais presta serviços. 2) Não existe qualquer relação entre essas audiências e meu afastamento da coordenação política. 3) O banco BMG não emprestou dinheiro à minha ex-mulher, Angela Saragoça. 4) O empréstimo de R$ 2,4 milhões do BMG foi para o PT, e não para Marcos Valério. 5) A audiência com o BMG foi marcada por solicitação da direção do banco. 6) Não houve contrapartida alguma do governo ao BMG. 7) Não houve saque de R$ 50 mil em favor de Roberto Marques. 8) Não há jurisprudência na Câmara para cassação fora do exercício do mandato. Ao contrário do que tentam impor à opinião pública, todos os casos mencionados no Conselho de Ética (Hildebrando Pascoal, Talvane Albuquerque e Feres Nader) tiveram como justificativas atos praticados no pleno exercício do mandato. José Dirceu, deputado federal pelo PT de São Paulo (Brasília, DF)
Nota da Redação – Leia abaixo a seção ‘Erramos’.
Chalaças de Cesar Maia
‘Na página A3 da Folha de 6/10 (‘Tendências/Debates’), reparei num título que me chamou a atenção: ‘Chalaça e a base aliada’, escrito por Cesar Maia, prefeito do Rio de Janeiro. E o título me chamou a atenção, porque em 1994 escrevi um livro chamado ‘O Chalaça’, sobre um personagem real, o secretário particular do imperador dom Pedro 1º (e também seu capanga e alcoviteiro). No artigo, Cesar Maia cita trechos de uma carta do Chalaça para o marquês de Barbacena, seu inimigo político. Mas esta carta não existe. Na verdade, trata-se de um trecho do livro. Porém ele não revela isso no artigo. E, pior, ainda acrescenta frases -como ‘que horror o transporte de uma pequena fortuna em libras esterlinas na cueca!’- que não constam do livro. Mas o mais engraçado ainda estava por vir. É que ele citou um personagem do livro, o filósofo Calderón de Mejía, como um grande sábio da época e até usou algumas de suas frases como suporte para sua argumentação. Porém, infelizmente, tal sábio jamais existiu. Enfim, acho muito honroso ter o prefeito carioca entre meus leitores, mas não posso deixar de dizer que ele esqueceu de citar a fonte, inventou trechos e se apoiou na filosofia de um pensador inexistente. Em outras palavras, plagiou, mentiu e caiu no conto do vigário; ou, no caso, no conto do filósofo. Parece que Cesar Maia sabe a diferença entre realidade e ficção.’ José Roberto Torero, escritor (São Paulo, SP)’
VEJA
CONTESTADACartas dos leitores, Veja
‘Maria Rita’, copyright Veja, 12/10/05
‘Parabéns a VEJA por denunciar a abominável prática do jabá (‘O mensalinho da filha de Elis’, 5 de outubro). Num país onde se compram desde árbitros de futebol até deputados federais, a corrupção de jornalistas para falar bem de uma artista é inadmissível em qualquer época, ainda mais nos dias de hoje. Se quisermos promover a restauração da ética no Brasil, não devemos ser condescendentes com atos como esse. Basta!
André Brandão de Melo São José dos Campos, SP
Parabéns a VEJA pela coragem e isenção ao denunciar a prática de jabá junto a jornalistas por meio da doação de um iPod no lançamento do novo CD da cantora Maria Rita. Uma vergonha! Ficamos indignados com o comportamento de nossos congressistas, mas reproduzimos na divulgação cultural e em outras situações da vida cotidiana as mesmas práticas de compra de mentes, e da maneira mais baixa. O CD de Maria Rita é superinfeliz, mas eu, um leitor desavisado (de críticos vendidos pelo mensalinho do iPod), acabei comprando-o e pude ouvir as verdades que VEJA sintetizou tão bem: Maria Rita perdeu a graça da novidade de se parecer com sua saudosa e competentíssima mãe.
Vitor Bellis Curitiba, PR
Foi lamentável o artigo ‘O mensalinho da filha de Elis’, remetendo-nos à podridão da política brasileira, que nada tem a ser comparada com a artista. Se Maria Rita é parecida com a mãe, nada mais normal. Talentosa e dona de estilo próprio provado pelas semelhanças entre o primeiro e o segundo disco, vencedora de três Grammy (o Oscar da música no mundo), é de esperar que se façam comparações com o furacão inesquecível Elis Regina.
Leonardo Moreira Bertioga, SP
Com relação à reportagem sobre a distribuição de iPods para jornalistas pela gravadora Warner, a propósito do lançamento do CD Segundo, da cantora Maria Rita, esclareço que a revista errou ao me citar na lista dos profissionais que não devolveram o brinde. A reportagem de VEJA não respeitou um princípio básico do jornalismo: ouvir o outro lado. O iPod que recebi foi entregue de volta à assessoria de imprensa da cantora tão prontamente quanto possível.
Jotabê Medeiros Repórter de O Estado de S. Paulo
São Paulo, SP
Diogo Mainardi
Na semana passada, conversei com o colunista Diogo Mainardi durante sua visita à Câmara. Na ocasião, defendi a reforma política como uma medida indispensável e inadiável para o aprimoramento da democracia brasileira. Mencionei que no projeto de reforma política em curso na Câmara foram tocadas apenas questões que poderiam ser tratadas por meio de alterações na legislação ordinária, deixando de lado mudanças que precisariam ser firmadas por emendas constitucionais. Para exemplificar o que ainda falta ser corrigido, mencionei o problema da grave distorção que existe na representação dos estados na Câmara dos Deputados. Observei que por obra do regime militar o sistema vigente não obedece à proporcionalidade e ao princípio segundo o qual o voto deve ter igual valor para todos os cidadãos. Hoje, o voto de um cidadão em certos estados tem um valor menor do que em outros, causando uma distorção à democracia do país. Dessa maneira, registro que não fiz nenhuma referência aos deputados do Nordeste, até porque não se concentram nessa região do país as maiores distorções na proporcionalidade.
José Eduardo Cardozo Deputado federal (PT-SP) Brasília, DF
Gilberto Carvalho
VEJA, apoiada no depoimento de um juiz que cumpre pena por venda ilegal de sentenças judiciais, sustenta em três páginas acusações falsas e ilações contra minha pessoa, feitas de forma absolutamente leviana, confessando não ter nenhuma prova. Para ‘equilibrar’ a matéria, restaram à minha defesa apenas as quatro últimas linhas do texto. Gostaria de reafirmar aos leitores da revista que jamais procurei induzir depoimento de testemunhas do crime contra o companheiro Celso Daniel. Durante todo aquele período, minha preocupação era justamente que as pessoas falassem a verdade, sem nenhuma suposição fantasiosa. As fitas a que se refere o juiz-presidiário já foram objeto de reiteradas publicações, sem que nada pudesse me incriminar. Aproveito para informar que estou tomando as devidas medidas judiciais para me defender das calúnias e acusações que pessoas movidas por interesses escusos tentam me imputar sem prova. Sou o maior interessado em que a verdade prevaleça, tanto pela memória de meu amigo Celso Daniel quanto pela minha dignidade, que vem sendo duramente atacada.
Gilberto Carvalho Brasília, DF’