A imprensa e o equilibrista
Os principais jornais brasileiros foram cautelosos e conservadores na cobertura da visita do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, ao Brasil.
O Estado de S.Paulo, que tem maior tradição na cobertura da política internacional, preferiu abrir a reportagem principal citando uma frase do presidente Lula da Silva sobre o suposto direito do Irã de desenvolver um programa nuclear para fins pacíficos.
Mas ressaltou o esforço brasileiro para se equilibrar no jogo das compensações diplomáticas, ao manter em destaque também a atitude do presidente brasileiro, de defender o direito dos israelenses a um Estado seguro e soberano e o estabelecimento de relações pacíficas entre israelenses e palestinos sem interferência do Irã.
A Folha de S.Paulo foi por um caminho semelhante, mas preferiu destacar o fato de o presidente brasileiro ter reafirmado que, embora busque manter as melhores relações possíveis com o Irã, tem uma política externa balizada pelos compromissos com a democracia e o respeito à diversidade.
A Folha viu nessa declaração uma crítica ao governante iraniano, que se tornou notório por representar um regime tirânico, que persegue homossexuais e outras minorias, desestabiliza as relações internacionais e é acusado de apoiar movimentos terroristas.
Os três jornais brasileiros de relevância nacional buscam equilibrar as entrevistas e artigos que pendem para um lado ou para outro das controvérsias sobre os conflitos no Oriente Médio.
Mas o Globo é o único a destacar na manchete um dos lados da questão, ao afirmar que “Lula é criticado por legitimar Ahmadinejad”. Citando “analistas internacionais”, o jornal carioca tenta na verdade legitimar uma opinião do próprio jornal.
Comparado aos outros dois diários, o Globo claramente sai da linha e contamina o noticiário com uma seleção menos equilibrada de opiniões.
Assim como acontece com o noticiário sobre a Venezuela de Hugo Chávez e como ocorreu durante a crise do gás com a Bolívia, há dois anos, a imprensa brasileira tem mantido uma posição contrária às escolhas da diplomacia brasileira.
De modo geral, a imprensa também se opôs à escolha do Brasil por privilegiar as relações com seus vizinhos mais próximos e desprezar o projeto da Alca, insistentemente proposto pelo governo do ex-presidente George W. Bush.
O caso do Irã é ainda mais complexo, porque representa uma tentativa brasileira de se destacar no cenário internacional estabelecendo relações com um protagonista que não faz questão de ser ou parecer racional.
Mas torcer o noticiário para um dos lados também não contribui para amenizar conflitos.
Ainda a Venezuela
O noticiário sobre a Venezuela segue contaminado pela escolha a priori da imprensa brasileira, que se recusa a tentar explicar o que realmente acontece no país governado por Hugo Chávez.
O Observatório da Imprensa na TV começou na semana passada e prossegue nesta terça-feira seu trabalho de revelar aquilo que não está dito nos jornais: a radicalização dos protagonistas da política venezuelana contaminou a imprensa local e pode conduzir o país a um confronto de graves proporções.
A imprensa brasileira claramente se omite ou toma partido, deixando de cumprir seu papel de contribuir com informação de qualidade para uma eventual pacificação.
Hugo Chávez tem certamente um perfil belicoso e suas declarações, assim como algumas de suas atitudes políticas, o transformam em personagem controverso.
Mas a imprensa já tomou partido e não tem se esforçado para explicar o que se passa na Venezuela.
Alberto Dines:
Hugo Chávez continua produzindo manchetes. Mas a nossa mídia ainda não conseguiu vencer a sua adoração pela lei do menor esforço para explicar os bastidores da guerra da mídia que sacode a Venezuela. O “Observatório da Imprensa” foi lá para mostrar o dramático confronto que está em gestação. Hoje o segundo episódio da série realizada pelo jornalista Cláudio Bojunga e o cineasta José Araripe Jr. Às 23 horas pela TV-Brasil em rede nacional. Em S.Paulo pela NET, Canal 4 e 181 da TVA.