Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

>>Depois da crise
>>O circo dos horrores

Depois da crise


A revista Veja dedica sua edição desta semana a uma ambiciosa tentativa de explicar o mundo pós-crise. E faz uma análise amplamente favorável às decisões do governo do Brasil, que, no entender dos especialistas citados, foi o último país a entrar na turbulência e está sendo o primeiro a sair dela.


Sim, porque, acredite o leitor e ouvinte, a revista mais lida do Brasil, aquela que passou os últimos cinco anos criticando a política econômica oficial, chegou à conclusão de que a crise financeira internacional realmente não passou de uma marolinha por aqui.


O carro-forte do esforço de reportagem é uma entrevista com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, de longe a figura mais palatável do governo para a imprensa nacional.


Pois Meirelles, lá pelo meio da conversa, lembra que o governo combateu a crise com uma receita que misturava o estímulo ao crédito e redução controlada, mas firme, dos juros e dos impostos, contra a opinião da maioria dos economistas apreciados pela mídia.


E observou que os bancos públicos, cujo fortalecimento foi condenado pela imprensa,  lideraram a oferta de financiamentos, medida fundamental para a retomada da economia.


Não é preciso ter memória de elefante, apenas o hábito de guardar recortes, revistas velhas e arquivos digitais, para se ter acesso ao conjunto de críticas que a imprensa – Veja em destaque – apresentou à estratégia governamental de reforçar os bancos públicos.


Indo um pouco mais longe, também seria interessante lembrar como a imprensa condenou a política externa brasileira, de diversificar as parcerias comerciais e reduzir a dependência em relação aos Estados Unidos.


Adeptos do alinhamento automático aos americanos, jornais e revistas, com exceção da Carta Capital, tentaram desqualificar a estratégia do Itamaraty de virar as costas à proposta da Alca, Aliança de Livre Comércio das Américas, em favor do Mercosul.


Hoje ninguém se arrisca a condenar a diversidade da carteira comercial brasileira, causa essencial da vantagem que representou para o País contar com mais de 200 bilhões de dólares no momento de encarar a crise internacional.


Como boas contribuições ao debate, registrem-se os cadernos ‘Aliás’, do Estado de S.Paulo, e ‘Mais’, da Folha, neste domingo.


O caderno do Estadão traz um artigo honesto sobre como a imprensa costuma tratar de maneira viciada a relação entre o poder público e a iniciativa privada.


O caderno da Folha debate como a teoria simplificadora sobre a eficiência dos mercados desmorona com o fim da hegemonia do liberalismo.


É bem mais do que o leitor teve nos últimos anos, mas dá pra melhorar.


Até o meio da semana, quando se convenciona seja o marco de um ano da crise internacional, a imprensa brasileira ainda tem tempo para fazer sua autocrítica.


O circo dos horrores


Alberto Dines:


– O “Caso Nelsinho Piquet” foi bem acompanhado pela mídia: a Fórmula-1 é popular, badalada, apaixona homens e mulheres, adultos e crianças. Nada foi omitido, inclusive a troca de pesados insultos entre o jovem piloto e o seu superior na Renault,  Flávio Briatore. Mas a confissão do piloto não pode ser comparada com o caso de um atleta que admite a ingestão de anabolizantes antes de uma prova.


Piquet provocou um acidente que poderia ter trágicas conseqüências para favorecer seu companheiro da escuderia Renault, Fernando Alonso. E, pelo visto, estes perigosos “arranjos” para intervir nos resultados de uma competição automobilística já aconteceram muitas vezes. Significa que o alegre, milionário e charmoso Circo da F-1 é, na verdade, um circo de horrores, um verdadeiro esgoto. Esta veemência e contundência não apareceram na maioria dos comentários do último fim-de-semana. Exceções foram os textos de Ruth de Aquino da revista Época (edição 591, p. 138) e Renato Maurício Prado no Globo (“Piranhas Club”, domingo, p. 44), alias do mesmo conglomerado jornalístico da TV-Globo que detém a exclusividade das transmissões do campeonato da F-1.


Os demais especialistas, teoricamente mais livres para desmontar o circo, preferiram a discrição e concentraram-se no frio desdobramento dos fatos.


Pois está na hora de devassar o espetáculo automobilístico, inclusive questionar a sua designação como esporte. E isto deveria ter sido feito há muito tempo pela mídia, sobretudo a grande mídia que tem recursos para despachar repórteres ao redor do mundo e cobrir os campeonatos. Acontece que esta cobertura tem, geralmente, o apoio de grandes anunciantes, os mesmos que patrocinam eventos, escuderias ou pilotos. Fabricantes de carros não têm compromissos com o leitor,  ouvinte e telespectador. A mídia tem.