Enquanto os leitores e telespectadores brasileiros se divertiam com histórias de cuecas e bacanais, um grupo de homens sérios, limpos, assépticos, de paletó e gravata, com pouco tempo para os prazeres da carne, desviava para contas secretas suíças capitais que poderiam ser investidos no Brasil, criar empregos e ajudar a diminuir a miséria. Quantas linhas, quantos comentários maldosos e irônicos se dedicaram nos jornais a esses senhores suíços, especializados no roubo quieto e tranqüilo?
Enquanto o circo montado para divertir o povo e desmoralizar um governo se especializava em achincalhar ministros, um grupinho de come-quietos ia comendo nosso dinheiro. Não as quireras dos mensalões, financiamento de partido ou compra de votos de parlamentares aplicadas sem alarde em países de seriedade comprovada. Mas milhões e milhões que saíam discretamente do Brasil para enriquecer ainda mais um país podre de rico, a Suíça.
Interessa esse tema aos patrões da imprensa e aos que contam os dias que nos separam de um novo governo sedento de privatizações e de comprometimento com banqueiros? O ato da Polícia Federal pegando no pulo, não na cama, os pilantras suíços que chupavam nossos reais não parece ter merecido o tratamento adequado. Mesmo se foi um golpe de mestre que vai economizar milhões para o Brasil.
Quem o maior safado?
O diretor do banco Crédit Suisse, acostumado ao reino do poder do dinheiro em Zurique e excitado com tantos milhões de dólares recolhidos no Brasil, jamais sonharia dormir na cela paulista da Polícia Federal, na cama de Maluf. Mas um juiz brasileiro teve peito para isso. Tesão de banqueiro por dinheiro, feito rei Midas que não podia tocar a amante ou ela virava estátua de ouro, não empolga a platéia, não dá venda de jornal? Pois esse roubo tranqüilo, quieto, era maior do que tudo quanto tem servido para desestabilizar a república tupiniquim.
Mas vamos deixar de lado o financiamento de partidos. Será que na análise de um governo têm peso as preferências de seus ministros? O que interessa se fulano tem prazer com este, esta ou aquela, de pé ou deitado, de costas ou de frente, com a mulher ou com outras? Aqui na Europa continental vida privada de político não interessa. Os ingleses e os americanos derrubam ministros por serem gays e tentaram derrubar um presidente por gostar de sexo oral. Mas a França não pôs em xeque-mate seu presidente por ter vida dupla e uma filha com a amante. Nem essa filha foi marcada com a letra escarlate dos americanos caçadores de pecado.
Na república do descrédito, porém, poucos devem ter pensado em cumprimentar o juiz paulista Fausto Martin Sanctis que, corajoso, arrumou como inimigo o segundo maior banco suíço. Quem se lembrou de incensar esse juiz pela sua coragem e a coragem das autoridades brasileiras por desafiarem os receptadores internacionais dos capitais espoliados de países emergentes e pobres? Quem quis saber os nomes dos envolvidos nessa evasão fiscal, desses patriotas brasileiros que não investem no Brasil, onde ganham suas fortunas? Quem? Quem é mais safado, o ministro ou os come-quietos da finança internacional?
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Jornalista, Genebra (Suíça), autor de O dinheiro sujo da corrupção, Geração Editorial