Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

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“Tropa de Elite” ao vivo

Foi um grande espetáculo midiático, mas não se pode afirmar que tenha sido bom jornalismo, a cobertura da guerra contra o narcotráfico nas principais emissoras de TV.


Com apoio de blindados da Marinha, a Polícia Militar, tendo à frente o Batalhão de Operações Especiais, que se celebrizou como o Bope do cinema, ocupou a favela que havia mais de uma década servia como quartel-general de uma das principais facções do crime organizado no Rio.

Foram muitas horas de tiroteios intermitentes entre os criminosos e os cerca de 600 policiais e fuzileiros navais, mas, ao contrário de confrontos anteriores, a população apoiou a iniciativa de ocupar a região.


As autoridades tomaram o cuidado de manter no ar um serviço informativo pela internet, combatendo também nas comunicações e reduzindo o efeito dos boatos.


A imprensa atuou com liberdade e as imagens colhidas pelas câmaras viajaram pelo mundo.


Mas há controvérsias: uma nota emitida através do Twitter pelo comando do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio, na tarde de quinta-feira, registrava que a transmissão ao vivo da operação, a partir de helicópteros da Rede Globo e Rede Record, ajudava os criminosos a entender o espectro da operação policial, facilitando sua estratégia de defesa.


A Record chegou a responder ao comunicado, afirmando não ter recebido qualquer informe de restrição por parte das autoridades.


Nas emissoras do Grupo Globo, tanto nas imagens quanto nos comentários notava-se clara tendência a valorizar os policiais do Bope, transformados em heróis na série de filmes intitulados “Tropa de Elite”, do diretor José Padilha.


A coprodução do segundo filme da série chegou a ser disputada entre a Record e a Globo, mas Padilha acabou abandonando a parceria com a Record, que ainda tem os direitos de exibição do filme original.


Como nos grandes conglomerados de mídia os interesses jornalísticos costumam se misturar aos interesses políticos e comerciais, não é de se estranhar porque os comentaristas convocados a acompanhar a cobertura dos combates tenham repetido tantos elogios ao Bope e evitado se estender sobre a truculência policial e a corrupção, que ajudam os traficantes a manter durante tantos anos milhões de cidadãos sob sua tiranias, e não apenas no Rio de Janeiro.


As primeiras cenas de “Tropa de Elite – 3” certamente foram tomadas pelo Departamento de Jornalismo da Globo nesta quinta-feira.

Narco-terrorismo batido
Mídia teve medo de falar em intervenção


Alberto Dines:


– O Estado brasileiro venceu ontem uma importante batalha contra o narco-terrorismo. Foi crucial – tanto sob o ponto de vista psicológico como tático – a participação dos 10 veículos blindados da Marinha e os cerca de 50 fuzileiros navais que os tripulavam. A mídia ontem ressaltou com entusiasmo a “ajuda” das forças armadas, mas fugiu ao seu dever de explicá-la devidamente: tratou-se de uma intervenção federal.


Intervenção “branca”, disfarçada, informal, pontual, mas de qualquer forma uma intervenção do estado nacional numa unidade da federação. Mais uma vez, a mídia foi “boazinha”, atendeu às conveniências e ajudou a encobrir uma realidade: o narcotráfico transcendeu à condição de crime organizado, deixou de ser um grupo empresarial diversificado. É terrorismo: disputa territórios, quer dividir o país e impor a sua lei. Uma clara e insofismável ameaça à segurança nacional.


Governantes têm horror à palavra intervenção, fogem dela como o diabo da cruz. Compreensível, a intervenção é um recurso emergencial nas repúblicas federativas. As autoridades estaduais não querem parecer frágeis, incapazes de oferecer proteção à sociedade e as federais não querem parecer autoritárias nem assumir os riscos de um eventual fiasco. Sobretudo depois de uma campanha eleitoral na qual se discutiu abertamente a federalização da segurança pública.


A mídia arriscou-se, ofereceu uma cobertura intensa da operação policial que desalojou os bandidos da Vila Cruzeiro e obrigou os facínoras a fugir acovardados, embora esta cobertura tenha desagradado ao comando das operações. A mídia tem o dever de mostrar que o Estado tem meios de proteger a sociedade.


Mas a mídia, tanto a “antiga” (segundo a classificação do comunicólogo Lula), como a blogosfera, têm a obrigação de dar o nome aos bois: narcotráfico é terrorismo, não adianta tergiversar, amaciar. A sociedade cordial não é necessariamente ingênua, nem estúpida.


Provincianismo


A imprensa paulistana, embora poderosa, rica, sofisticada, mostra-se cada vez mais provinciana e medíocre. Durante os cinco dias de combates nas ruas do Rio, nenhum dos jornalões locais sentiu-se obrigado a lembrar aos seus fieis leitores que de 12 a 19 de Maio de 2006 a cidade de S. Paulo, a maior cidade da América Latina, foi paralisada por uma sucessão de ataques organizados pelo PCC (Primeiro Comando da Capital). A cidade parou com as 300 incursões e o assassinato de 55 pessoas (entre policiais e civis). O bombardeio da paulicéia só foi interrompido depois que o governador em exercício, Cláudio Lembo, aceitou negociar com os cabeças do PCC que atuavam a partir de um presídio de segurança máxima. O único veículo jornalístico que lembrou o dramático episódio e o seu vergonhoso desfecho foi o “Bom Dia, Brasil” da Rede Globo apresentado na manhã de ontem, 25 de Novembro. Com bairrismo não se enfrenta o terrorismo.