O apagão da imprensa
Os grandes jornais brasileiros trazem hoje uma cobertura desigual sobre a questão da energia.
Enquanto o Estado de S.Paulo e a Folha destacam declarações do ministro interino das Minas e Energia, o Globo afirma que só a ocorrência de chuvas ainda em janeiro poderia evitar a necessidade de racionamento.
A imprensa já fala em ‘apagão’.
Os jornais dividiram o assunto entre suas seções de política e economia, o que ajuda o leitor a entender melhor o assunto, mas deram destaque exagerado ao aspecto político.
O Estadão, por exemplo, aposta que existe uma ‘crise elétrica’ e que ela põe em risco a entrega do Ministério das Minas e Energia ao peemedebista Edison Lobão, apadrinhado do senador José Sarney.
Embora tenha maior destaque, a questão política tem pouco valor para os leitores – cansados de saber que, com ou sem crise, Sarney vai manter sua quota de protegidos no governo. Aliás, em qualquer governo.
A Folha e o Globo também se prenderam exageradamente ao desentendimento entre o ministro interino e o presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica. O presidente da Aneel havia afirmado que não é impossível a necessidade de racionamento ainda neste ano, e foi desmentido pelo ministro.
Apesar disso, o tom geral do noticiário é alarmista.
A palavra ‘apagão’ aparece em todos os jornais, invocando o fantasma de 2001, quando o Brasil passou por um racionamento compulsório que durou até fevereiro de 2002.
Na ocasião, os maiores reservatórios do sistema interligado nacional estavam se esvaziando rapidamente e havia insuficiente investimento em geração e distribuição de energia.
Durante a crise de 2001, a imprensa substituiu sabiamente o noticiário alarmista por recomendações técnicas, e a população brasileira aderiu a uma campanha de economia, cortando em média 20% no consumo de eletricidade.
Um dos resultados mais evidentes foi o quase desaparecimento do freezer de uso doméstico. Durante o racionamento, as famílias descobriram que o freezer gasta muita energia e se tornou menos útil porque, com a queda da inflação, não é mais necessário estocar alimentos.
Segundo a Eletrobrás, 23% dos domicílios brasileiros ainda possuem freezer, mas 25% deles estão desligados desde 2001.
A imprensa bem que podia se antecipar a qualquer possibilidade de crise e começar já a informar a população sobre como economizar energia.
A primeira medida recomendada é substituir o chuveiro elétrico ou fazer um uso mais racional dele.
A segunda é desligar a televisão de vez em quando.
Mais de 97% dos lares brasileiros possuem um aparelho de TV, que costuma permanecer ligado de manhã até à noite, mesmo sem ninguém diante dele.
Difícil vai ser convencer as emissoras de televisão a recomendar que a televisão seja desligada.
Jornalismo de férias
Todos os anos, a imprensa brasileira é surpreendida por algum acontecimento importante durante o período que vai das festas de fim de ano até o carnaval.
Por conta da redução no volume de anúncios após o Natal, os jornais emagrecem, os noticiários se enchem de amenidades e o jornalismo parece ter saído em férias de verão.
Mas é justamente o verão que traz a necessidade de um jornalismo mais atento.
Dines:
– O ‘jornalismo de verão’ funciona no Brasil de primeiro de janeiro até depois do Carnaval. É o jornalismo para quem não gosta de jornalismo. Este ano o jornalismo de verão corre o risco de ser abolido. Abolido porque o verão será brando? Ao contrário, será abolido porque o verão está quente, seco e o risco de um apagão elétrico não pode ser descartado. Nestas condições, o jornalismo de verão voltado para abobrinhas e banalidades terá que ser desativado. A crise é grave porque a Argentina está diante de um gravíssimo déficit energético admitido até pela nova presidente, Cristina Kirchner. Com os recursos hídricos diminuídos pela estiagem, usa-se mais gás na produção de energia. Sobe o preço do gás, sobem as tarifas elétricas, sobe tudo. Acrescentem-se as pressões inflacionárias e os imperiosos cortes orçamentários para compensar o fim da CPMF e temos um quadro que sugere atenção, vigilância e providencias. A primeira: dar férias ao jornalismo de férias.