Seria divertido ler jornais e revistas e só encontrar notícias boas sobre
mulheres. Mas isso, quando acontece, é motivo de festa. Mulher, na imprensa,
parece ter se transformado em sinônimo de problema. Um bom exemplo são três
notícias da semana que passou.
A primeira fala da doméstica que saiu da cadeia (depois de 128 dias de
prisão) porque roubou um pacote de manteiga.
A segunda conta que a governadora do Rio sancionou lei criando vagão
exclusivo para mulheres no metrô e nos trens suburbanos, nos horários de
pico.
E a terceira, a que mais repercutiu, diz respeito à deputada Ângela
Guadagnin, que dançou no plenário da Câmara dos Deputados para comemorar a
impunidade de um colega de partido.
Se as notícias são ruins, o tratamento que a imprensa deu a elas é pior
ainda.
A doméstica e a manteiga
‘A doméstica Angélica Aparecida de Souza Teodoro, de 18 anos, presa sob a
acusação de ter roubado um pote de 200 gramas de manteiga Aviação de um
supermercado, deixou ontem o Dacar 4, o Cadeião de Pinheiros, na zona oeste de
São Paulo, onde estava havia 180 dias.’ (O Estado de S.Paulo, 25/3/
2006)
Troque-se a manteiga pelo pão, a notícia de jornal por um autor talentoso, e
vemos repetido, em pleno século 21, o drama que Victor Hugo transformou no
clássico Os Miseráveis.
Se não vai render um clássico da literatura, a miséria da doméstica rendeu,
ao menos, uma matéria de página inteira (no Estado de S.Paulo) sobre o
tema: ‘Um terço das mulheres do Cadeião de Pinheiros, em São Paulo, foi detido
por levar comida, fraldas, batom, lápis de olho’.
O que faltou na repercussão que a imprensa deu ao caso foi alguém que
discutisse a situação dessas mulheres que, ainda adolescentes, engravidam, têm
filhos e, sem emprego ou com empregos mal-remunerados, acabam cometendo pequenos
furtos para compensar a miséria em que vivem. Faltou discutir as condições de
saúde, educação e trabalho que essas mulheres encontram no Brasil de hoje.
Vagões só para mulheres
‘Metrô e trens do Rio terão vagões exclusivos para mulheres nos horários de
maior movimento. A lei, sancionada pela governadora Rosinha Matheus (PMDB),
determina que num prazo de 30 dias as empresas devem se adaptar para oferecer o
serviço. A decisão tem por objetivo impedir que homens se aproveitem da
superlotação dos vagões para ‘bolinar as mulheres’, segundo lei de autoria do
presidente da Alerj (Assembléia Legislativa do Rio), Jorge Picciani: ‘A intenção
é fazer o possível para combater qualquer tipo de violência. E não há maior
violência do que aquela que constante e, consequentemente, impede as mulheres de
denunciar’’. (Folha de S.Paulo, 26/03/2006).
A notícia, envolvendo a governadora do Rio de Janeiro, mereceu apenas um
registro da imprensa diária e, certamente, não vai repercutir nas revistas
femininas. Afinal, estamos em ano de eleição, o marido dela vai ser candidato à
presidência da República e não convém ficar destacando atos de qualquer
candidato ou pessoas relacionadas a ele. Além disso, que importância tem medidas
desse tipo, que só interessam às mulheres?
Mas que a imprensa está mais uma vez perdendo a chance de fazer uma bela
matéria, disso não há dúvida.
A leitora fica se perguntando em que dados se baseou o autor do projeto para
criar a separação entre homens e mulheres no transporte público. O que as
mulheres acham desse tipo de separação e do fato de mulheres continuarem
assediadas pelos homens que ainda se sentem no direito de ‘bolinar’
indiscriminadamente? Qual é o número de mulheres que trabalham fora e qual a
situação das que são obrigadas a usar transporte público na hora do rush?
Quantas são, quanto ganham em média, que tipo de emprego elas têm, qual a sua
formação profissional? São solteiras, casadas, têm filhos? Enfim, leitores
homens e mulheres merecem saber, também, se o decreto aprovado no Rio de Janeiro
é apenas uma medida eleitoreira ou se o problema existe mesmo, tanto no Rio como
no resto do país.
A deputada que dançou
Ao sair dançando no plenário da Câmara – por motivo torpe, como diriam
advogados –, a deputada Ângela Guadagnin ganhou mais espaço na imprensa do que
em toda a sua vida política. Depois de comemorar a absolvição a de um colega de
partido em mais um dos processos das CPIs, a deputada mereceu perfil, fotos com
detalhes da dança e até espaço para se explicar:
‘Que me perdoe quem encarou como deboche. Foi um ato humano, diante da
situação de um amigo. Eu sou humana, agi espontaneamente com o coração. Em
nenhum momento quis gozar ou tripudiar’. (O Estado de S.Paulo,
25/03/2006)
Um prato cheio para a imprensa, que teve a chance de mostrar, sem palavras, o
comportamento inconveniente de um parlamentar. Melhor ainda: de uma mulher.
Talvez levada pela emoção, a deputada petista não tenha se dado conta do dano
que poderia causar à imagem dos colegas petistas (que já não é das melhores),
mas, especialmente, à imagem das mulheres.
A verdade é que cada vez que um político acusado de corrupção é absolvido,
alguns colegas comemoram. Mas, mais experientes, se limitam a aplaudir, a se
abraçar ou a atitudes compatíveis com sua condição de deputados. E de
homens. E a imprensa deixa passar. Na hora em que a deputada saiu dançando, e
foi fotografada, entrou para a história da CPI como o símbolo do que há de pior
na política brasileira. Logo uma mulher.
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Jornalista