Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>Desconstruindo Dunga
>>Ensaio sobre o sectarismo

Desconstruindo Dunga


Os grandes jornais brasileiros surpreendem os leitores nesta segunda-feira, com edições realistas e até críticas após a vitória da seleção brasileira sobre o time da Costa do Marfim.


O convincente resultado de 3 a 1 reproduz bem o que foi a superioridade da equipe brasileira, afirma o Globo na primeira página.


Mas o jornal carioca observa que o comportamento truculento do técnico Carlos Caetano Verri, o Dunga, destoava do espírito de festa após a partida.


O Globo, sempre entre os mais ufanistas quando se trata da Copa do Mundo, desaprova o técnico da seleção, que passou boa parte da entrevista coletiva balbuciando palavrões contra o jornalista Alex Escobar, da Rede Globo de Televisão.


De modo geral, os principais jornais elogiam a qualidade do conjunto brasileiro, mas não omitem o fato de que o segundo gol anotado pelo atacante Luis Fabiano foi irregular, com pelo menos duas faltas cometidas por ele antes do chute.


As análises são contidas, sem arroubos nacionalistas, e severas com relação ao episódio da expulsão do meia Kaká.


Para a maioria dos especialistas, o jogador deveria ter sido substituído quando o jogo se tornou mais violento.


No Estado de S.Paulo, um registro esclarecedor: o zagueiro Kolo Touré, da Costa do Marfim, declarou, segundo o jornal, que seu time resolveu ser mais duro no final do jogo porque os brasileiros começaram a brincar com a bola depois de estarem em vantagem.


“Mesmo que esteja ganhando de 10 a 0, uma seleção precisa mostrar respeito ao adversário”, ensinou o jogador africano. 


Na primeira partida em que mostra suas melhores qualidades, e na qual garante a classificação para as oitavas de final da Copa do Mundo, a seleção brasileira aparece na imprensa como uma equipe em evolução.


Com apenas duas ou três exceções, os onze titulares recebem elogios quase unânimes dos comentaristas, mas Dunga começa a ser mostrado como uma peça fora do espírito da equipe.


Mal-humorado, rancoroso e grosseiro – esse é o retrato que os jornais trazem hoje do técnico da seleção.


Dunga é apresentado como um gigante à beira do campo e um anão à frente do microfone.


Ensaio sobre o sectarismo


Alberto Dines:


– A Folha de S. Paulo noticiou a morte de José Saramago no sábado com manchete na primeira página.  Previu que o concorrente, o catolicíssimo Estadão, seria reservado e optou pelo destaque. Mas o texto escolhido pela Folha para avaliar a obra do único Nobel de literatura de língua portuguesa está impregnado do mesmo sectarismo e ressentimento do Osservatore Romano, órgão oficial da Santa Sé. O colunista da Folha João Pereira Coutinho, como o seu colega do Vaticano, não soube guardar a necessária compostura e criticou Saramago antes que fosse enterrado, alegando que “depois do prêmio tornou-se esquemático e primitivo” (FSP, caderno especial, 19/6, p. 5, para assinantes). O comentarista da Cúria Romana, por sua vez, designou Saramago de “populista extremista” e “ideólogo antirreligioso”. A Folha poderia ter privilegiado o comovido perfil biográfico escrito por Luiz Schwarcz (‘O adeus do editor’, p. 7, para assinantes), amigo íntimo e editor de Saramago no Brasil, responsável pelo seu extraordinário sucesso aqui; preferiu ser “diferente”, chamar a atenção. A Folha é audaciosa mas não é generosa, afirma ter o rabo preso no leitor, na realidade tem o rabo atrelado à sua arrogância. Mesmo divergindo politicamente do escritor recém-falecido, o Estadão foi digno e respeitoso: “Um talento que lembrava Shakespeare”, de Ubiratan Brasil, é um dos textos incluídos na edição especial do caderno Sabático. Ontem, domingo, nenhum dos três jornalões noticiou ou comentou o grosseiro e desrespeitoso ataque do Vaticano.


O Brasil descobriu e valorizou Fernando Pessoa no fim dos anos 40, muito antes de Portugal enrustido na ditadura do também católico Oliveira Salazar. Saramago chegou aqui em 1982 com o extraordinário Memorial do Convento em edição abrasileirada da Bertrand Brasil – um horror. Tirar a grafia e a sintaxe lusitana de Saramago, é o mesmo que retirar a  sonoridade das suas palavras e frases. Com a Jangada de Pedra (Cia. das Letras) arribou ao Brasil o verdadeiro e inconfundível Saramago. E nesta mesma embarcação fez-se ibérico: deixou a amada Lisboa ferido com a submissão do governo às pressões da Igreja católica por ter escrito O Evangelho Segundo Jesus Cristo  (1991). Foi morar numa Espanha quase africana, a ilha de Lanzarote, no arquipélago das Canárias. Vinha ao Brasil com freqüência e só tinha uma queixa depois dos eventos: “essa gente mata-me de amor”. Nem todos.


Portugal continua ranzinza: homenageou Saramago com luto oficial de dois dias – a grande fadista Amália Rodrigues mereceu três. O presidente Cavaco Silva (PSD, centro-direita), divulgou uma burocrática nota de pesar mas não compareceu ao velório ao contrário dos socialistas Mário Soares e Jorge Sampaio. Cavaco era o primeiro-ministro quando o nome de Saramago foi boicotado para representar o país num grande certame europeu.


A Espanha mais uma vez passou a perna no enfezado e pequeno vizinho: El País dedicou-lhe no sábado oito páginas inteiras e no domingo mais duas – inspiradíssimas, generosas, altamente informativas. Num texto de 18 linhas, o poeta argentino Juan Gelman constata: “com as lágrimas que se vertem agora se poderia acabar com as secas do mundo’ (‘Agujero sin fondo’). Memorial do Convento, a obra que celebrizou Saramago, não trata de religião – trata da brutal Inquisição.