A fortaleza do crime
A descoberta, pela polícia do Rio de Janeiro, de uma fortaleza no alto do Morro da Mangueira, é a notícia-chave de hoje para quem pretende entender o Brasil.
Como as fortalezas que os antigos governantes erguiam para proteger seus países de ataques dos inimigos, os traficantes haviam construído uma barreira com estrutura de ferro e concreto, de onde podiam atirar contra quem se aventurasse morro acima.
Ao lado da fortificação, a polícia descobriu um local onde os criminosos torturavam, matavam e queimavam seus desafetos.
Os jornais de hoje não explicam como uma construção daquele porte pôde ser erguida no alto do morro sem que as autoridades percebessem.
Sua descoberta e destruição foram resultado de uma operação de rotina, no cumprimento de mandados de prisão.
Mas nenhum mandado foi cumprido, porque provavelmente policiais corruptos avisaram os criminosos.
Nenhuma outra notícia mostra hoje com tamanha clareza o retrato do verdadeiro Brasil: no momento em que, em Brasília, as autoridades discutem frações de alíquotas de tributos sobre operações financeiras, e enquanto no mercado se comemora o melhor resultado da poupança em todos os tempos, uma operação policial mostra o retrato da tirania a que grupos de criminosos submetem milhões de brasileiros nas grandes cidades.
Longe dos níveis de poupança, distantes dos indicadores econômicos, esses brasileiros vivem sob a ditadura sanguinária dos traficantes, sob o olhar complacente do Estado.
A imagem de um menino de doze anos obrigado a trabalhar no embalamento de cocaína é a síntese desse drama.
O Globo chegou a fazer uma série de reportagens em agosto do ano passado, revelando que a redemocratização do Brasil ainda não se completou. Nas favelas cariocas, a população vive sob regimes de terror, dominadas por traficantes, milícias armadas e policiais corruptos.
Em novembro passado, o jornal gaúcho Zero Hora publicou reportagem semelhante, mostrando o domínio do crime nas comunidades pobres, onde o manual dos traficantes substitui a Constituição.
A julgar pelo silêncio dos jornais paulistas, no mais rico Estado da População, onde se concentram as maiores densidades urbanas do País, reina a mais absoluta paz.
Banho de jornalismo
A série do Globo sobre a ditadura nas favelas cariocas, revelando que o crime organizado já produziu mais de sete mil mortes e desaparecimentos de cidadãos, ainda é uma raridade na imprensa brasileira.
Nossos jornais ainda vivem basicamente de declarações, indicadores e entrevistas curtas.
Os exemplos de jornalismo de qualidade são poucos.
Ouça o comentário de Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
– O assunto já foi tratado aqui, mas continua oportuno. Tem a ver com o banho de jornalismo promovido pela revista Piauí na matéria que a repórter Daniela Pinheiro fez com o ex-ministro José Dirceu. A pergunta que fica, e foi formulada por Alberto Dines em artigo para a edição online deste Observatório, é singela: por que a imprensa diária não produz matérias com esse nível de profundidade?
Ok, a Piauí é mensal, tem tempo suficiente para pensar, pautar, apurar e editar; e um jornal diário vive na correria turbinada pelo fato, pela notícia e pelos fechamentos. Não que os jornais não devam cobrir o factual, ao contrário: o que faltam são as reportagens especiais, cada vez mais raras nos jornalões por conta das inevitáveis implicações de custo. E custo é coisa que o burocrata das redações quer logo cortar, o que lhe dá a sensação de contribuir para o sucesso da empresa jornalística. Ledo engano. Além de credibilidade, os leitores querem qualidade editorial, querem ser surpreendidos a cada edição com boas histórias para ler, querem jornalismo na veia. E por isso ainda estão esperando.