‘‘O medo de armas é um sinal de maturidade sexual e emocional retardadas.’
(Sigmund Freud em Introdução Geral à Psicanálise)
Entrevista é autêntica!!!
Informo aos considerados leitores que a entrevista do traficante Xaxim, dada ao site Cocadaboa, é autêntica, ao contrário do que garantem os falsos incréus. Fonte ligada à excelente obra de Mr. Manson contou à coluna detalhes das negociações para que o dono do Morro do Dendê abrisse o bico em pouco mais de 13 minutos de sincero bate-papo com uma repórter.
E mais: os iniciados sabem que o nome não é Cocadaboa, como se imagina, e sim Coca da Boa. Trata-se de veículo, digamos, ‘não-oficial’, mas com trânsito livre entre fornecedores e consumidores, os quais, por intermédio do site, se mantêm em contato permanente. Quer dizer: não deixam a peteca cair…
Diante do imbróglio, meu secretário levou aquela e outras gravações aqui recebidas para exame de um perito-forense do Vale do Paraíba, o qual, por motivos óbvios, exigiu a preservação de sua identidade. O resultado chegou hoje de manhã, via Sedex: ‘Submetida a todos os testes de verificação, principalmente análise aural, análise da morfologia das ondas, medições, FFT e análise espectrográfica, cientifico, a pedido do cliente Janistraquis de Azevedo Varejão, que a voz do entrevistado, gravada em CD, tem idêntico registro de outras capturadas mediante escuta sigilosa e pertencem ao indigitado, Daniel Pereira Campos, alcunhado Xaxim.’
Vê-se que nem todo o material do site é apenas ‘pegadinha’ para divertir espertos e atormentar otários. O colunista, que não é uma coisa nem outra, conclui, portanto, que a avassaladora onda de protestos, gozações e insultos por ele recebida é apenas manobra diversionista de quem anseia por um realce na santa paz do Dendê ou da Rocinha.
Rogo ao considerado e honesto leitor que escute e analise a entrevista:
http://media.putfile.com/xaximvotasim
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Fogo no rabo
Deu na Folha Online, para perplexidade geral da nação:
Justiça condena SBT por induzir criança a atear fogo no irmão
(…) O fato ocorreu em 2002, após a emissora ter levado ao ar, nos dias 16 e 23 de junho, um quadro exibido pelo ‘Programa Domingo Legal’, apresentado por Gugu Liberato, em que um mágico botou fogo no próprio corpo e saiu ileso.
Segundo o juiz, ‘o espetáculo de ilusionismo levou o menino a sugerir a seu irmão, no dia seguinte ao da última apresentação do quadro, que tentassem repetir a imagem mostrada’. Assim, o garoto jogou álcool no corpo do irmão e riscou um fósforo.
Janistraquis acha que Sua Excelência também deve ficar de olho nos desenhos animados, pois o ratinho Jerry vive a sacanear o gatinho Tom com o mesmo e piromaníaco suplício. Claro que isso induz qualquer criança a atear fogo no rabo da mãe!
(Leia no Blogstraquis os detalhes da espetacular besteira.)
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Bons tempos
O considerado Giulio Sanmartini, nosso correspondente na Europa, de cuja sede em Belluno assesta os olhos sobre nossa imprensa, leu na coluna do Ricardo Boechat:
Breu
Presidente da General Electric para a América Latina, Alexandre Silva, revelou ontem, na Câmara de Comércio Americana, que a empresa deve fechar sua fábrica de lâmpadas no Jacarezinho, Zona Norte do Rio.
Diante dos constantes tiroteios entre policiais e bandidos – e das tentativas de traficantes de ocultar drogas na fábrica -, a multinacional cogita desligar o interruptor.
Ali ainda trabalham mil pessoas – metade do contingente original.
Sanmartini, fã de carteirinha do colunista do Jornal do Brasil, despachou daquela lonjura:
A nota do Boechat me transportou à infância, mas a General Eletric não fica no Jacarezinho e sim na Rua Miguel Ângelo, em Maria da Graça. Jacarezinho não é bairro, é favela, vizinha à fábrica; meu velho bairro, onde está encravada esta favela, é que se chama Jacaré. E sabe quem trabalhou lá, mais precisamente na fabricação de bulbos, antes, é claro, de se tornar uma cantora famosa? Ângela Maria.
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Bala perdida
O considerado Camilo Viana, diretor de nossa sucursal em Belo Horizonte, viu, ouviu e quedou-se perplexo diante da seguinte frase do deputado Luiz Bassunca, do PT da Bahia, referindo-se a um atentado perpetrado contra um prefeito baiano:
… obrigado a dirigir a mais de 200 por hora para escapar dos tiros das balas…
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Papai-com-mamãe
Chamadinha na capa do UOL:
Momento família
Como dizer que sente falta de sexo ao marido?
Janistraquis acha que ficaria melhor assim:
Como dizer ao marido que sente falta de sexo?
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Palmas para eles!!!
Todo o Brasil reconhece a competência e o brilho intelectual de pessoas como o ministro Márcio Thomaz Bastos, o presidente do Senado, Renan Calheiros, mais o deputado Greenhalgh, o Rubem César Fernandes, do Viva Rio, e outras figuras da cena policial brasileira. Para festejar a dedicação dessa plêiade à campanha do referendo, a coluna transcreve trecho de nota do Ricardo Noblat, enviada por Bia Moraes:
Por que o NÃO passou o SIM
As pessoas jamais haviam pensado a respeito do assunto – a proibição ou não do comércio de armas. E de repente foram apanhadas desprevenidas com a notícia de que haverá um referendo até o fim do mês. E de que elas terão de votar SIM ou NÃO.
Começaram a prestar atenção na propaganda no rádio e na televisão. E a conversar entre si. A maioria coincide nos seguintes pontos de vista até agora:
* No Brasil não existem instituições de defesa dos cidadãos – defesa no sentido mais amplo do termo;
* O governo não garante a segurança individual dos cidadãos;
* Os cidadãos têm o sagrado direito de comprar uma arma para se defender – mesmo que jamais tenham possuído uma e que jamais venham a possuir;
* É mentira a história de que a maioria dos homicídios é praticada por pessoas comuns e por motivos fúteis;
* Também é mentira a história de que a maioria das armas tomadas dos bandidos pertenceu a pessoas comuns.
Pesquisas de diversos institutos estimam que cerca de 25% dos brasileiros com direito a voto ainda estão indecisos.
A margem de vantagem do NÃO ainda é pequena – algo em torno de cinco pontos percentuais. Mas o NÃO está crescendo e o SIM em queda ou estacionado.
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Ex…
Chamada de capa do Cidade Internet: A volta do t.A.T.u! — Veja o novo clipe e conheça o CD da dupla de ex-lésbicas!
Janistraquis adorou o ‘ex-lésbicas’.
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Estadão
Leia no Blogstraquis o excelente editorial do Estadão acerca do tal referendo. O vetusto jornalão exibe juventude de dar inveja às demais folhas…
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Boa pergunta
‘Afinal, se arma não dá segurança, por que o próprio Estatuto do Desarmamento permite que parlamentares, juízes, promotores públicos etc. andem armados caso sintam ameaça à sua integridade física? Por que o porte de armas dá segurança para uns e insegurança para outros? Haja contradição!’
(Extraído do artigo intitulado A precipitação do referendo, de JORGE ZAVERUCHA e ADRIANO OLIVEIRA, na Folha de S. Paulo.)
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Ex-guerrilheiros
Janistraquis não se conforma com os ex-guerrilheiros que agora se empenham em desarmar a Nação:
‘Considerado, isso me lembra aquelas prostitutas que trocam a zona boêmia pelo convento e depois querem converter as ex-colegas de trabalho…’
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ONGs
Depois de analisar o panorama geral do país, com todas as suas falcatruas (pelo menos as visíveis), meu secretário arrisca a seguinte proposta:
‘Que tal um plebiscito para saber se o povo quer ou não a presença das ONGs no Brasil?’
Nota dez
O texto eleito democraticamente pela Redação do Jornal da ImprenÇa não foi escrito por jornalista, mas pelo advogado pernambucano José Paulo Cavalcanti Filho, texto enviado pelo considerado Fernando Paiva, que também votará ‘não’ no tal referendo de domingo. Dê uma olhada na abertura do artigo, originalmente publicado no Observatório da Imprensa, e continue a leitura no Blogstraquis:
Esse referendo vem fora de hora. Trocando corrupção por violência. Tirando, das vistas do povo, as CPIs e suas relações suspeitosas. Garantindo esquecimento a falsas vestais que a indignação nacional gostaria de ver processadas e punidas exemplarmente.
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Errei, sim
‘ARROUBO PARNASIANO – Histórico editorial do Jornal do Brasil, cujo título, Anarquia criminal, puxava ‘as orelhas do Poder’ (Janistraquis proferia tal expressão quando o falecido coronel César Cals governava o Ceará).
O texto desse, digamos, vetusto matutino carioca versava sobre chacinas nas madrugadas do Grande Rio quando o editorialista repentinamente despencou, fuzilado pela empolgação: ‘Não são mortes passageiras’, escreveu.
Em estado de orgástica admiração, meu secretário considerou a imagem ‘a mais rotunda licença poética desde os arroubos parnasianos de Bernardino Lopes.’ (julho de 1994)
(LEMBRETE: CONTRA A EMPULHAÇÃO, VOTE NÃO.)’
LOBATO EM DISPUTA
‘Briga por Lobato ganha capítulo decisivo’, copyright Folha de S. Paulo, 22/10/05
‘Procure uma obra infantil de Monteiro Lobato (1882-1948) nas livrarias e encontrará um livro com ilustrações em preto e branco, bem menos atraente do que a grande e colorida oferta nas prateleiras das crianças. Tente um título adulto do autor de ‘Urupês’. Difícil achar, melhor ir aos sebos.
Por trás dessa lamentável constatação está uma complexa briga entre os herdeiros do escritor e a Brasiliense, editora de todos os livros de Lobato desde 1945. No último dia 11, essa novela que interessa ao mercado editorial e a leitores ganhou decisivo capítulo.
Foi quando o Diário Oficial da União publicou decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que rescinde o contrato com a Brasiliense e concede o direito de edição das obras à família. Segundo o representante dos herdeiros, Jorge Kornbluh, casado com uma neta do escritor e diretor da Monteiro Lobato Licenciamentos, a vitória deverá encerrar ‘uma década de descaso com a obra’ e significará uma ‘revitalização’ de sua produção. Ele diz que os livros do autor vêm sendo ‘negligenciados’ pela Brasiliense, que não tem cuidado na edição. À Folha, a editora afirmou, por e-mail, que ‘nunca negligenciou’ a obra lobatiana (leia texto nesta página).
Investimentos em modernização nos livros aconteceram até 1998, quando os herdeiros passaram a impedir o processo, segundo Maria Teresa de Lima, sócia-diretora e vice-presidente da Brasiliense, e Célia Rogalski, diretora editorial. A Brasiliense entrou com o último recurso no STJ na segunda-feira, que poderá ser julgado em um mês. Se a família vencer novamente, o que é ‘praticamente certo’, segundo o advogado Nelson Ranalli, o contrato estará rescindido e poderá ser negociado com outras editoras.
A Globo (que exibe o ‘Sítio do Picapau’ na TV e edita livros com personagens da obra em histórias de outros autores) tem, por contrato, prioridade no negócio. Mas propostas de outras editoras também deverão ser analisadas, o que já deixa o mercado em polvorosa.
Paulo Magalhães, advogado da Brasiliense, afirma que a disputa pela rescisão contratual ‘está longe do fim’. Diz acreditar que será aceito pelo STJ o seu recurso solicitando que a decisão favorável à família -e tomada por um ministro (Humberto Gomes de Barros)- seja revista por um colegiado. Além disso, segundo ele, ainda caberia um último recurso no Supremo Tribunal Federal.
Já Nelson Ranalli, advogado da família, afirma crer que o recurso da editora ‘dificilmente será aceito’ pelo STJ, o que encerraria o processo. ‘Os herdeiros estão próximos de retomar os direitos.’
Três anos antes de morrer, Lobato assinou contrato com o dono da Brasiliense, seu amigo Caio Prado Jr. (1907-1990). Validade: ‘ad infinitum’, ou seja, até a obra passar a domínio público, o que ocorrerá em 2018, 70 anos após sua morte. A relação entre a família e a editora foi boa até 1992, quando o diretor editorial Caio Graco Prado (filho de Caio Prado Jr.) morreu, e o comando passou para Yolanda Prado, sua irmã.
Em 1998, a família tentou impedir o relançamento de ‘Reinações de Narizinho’ e deu início a uma série de processos, nos quais acusa a Brasiliense de quebrar cláusulas do contrato (como a de manter 200 exemplares de cada título em estoque), de não repassar corretamente a parte da família dos lucros com a venda e de descaso com a edição. A Brasiliense, por seu lado, nega e processa os herdeiros por prejuízos financeiros.’
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‘Editora diz que herdeiros barram modernização’, copyright Folha de S. Paulo, 22/10/05
‘A Brasiliense afirma que os herdeiros de Monteiro Lobato impedem a modernização de sua obra infantil e adulta. A seguir, leia trechos da resposta da editora enviada à Folha por e-mail e assinada por Maria Teresa de Lima, sócia-diretora e vice-presidente, e Célia Rogalski, diretora editorial.
‘As obras de Monteiro Lobato nunca foram negligenciadas pela Brasiliense. Projetos de colorização e modernização da obra corriam bem até 1997, ano do primeiro processo ajuizado (e perdido) pelos herdeiros contra a editora.
Em 1998, processos foram abertos e, a partir daí, fomos bombardeados por uma avalanche de medidas cautelares e processos de rescisão contratual. Também em 98, os herdeiros se recusaram a receber seus direitos autorais, o que ensejaria, caso não os pagássemos, em rescisão contratual (….)
Mesmo assim, em 98, concluímos o que seria o primeiro livro infantil com um novo formato, contendo as ilustrações de André Le Blanc colorizadas. Na época, ele ainda estava vivo, residindo no exterior e autorizou a colorização. O texto original foi mantido na íntegra, e introduzimos nas laterais das páginas, como se fossem links, verbetes que explicavam palavras ou expressões utilizadas por Monteiro Lobato e que caíram em desuso (…) Na data do lançamento, que aconteceria na biblioteca infantil Monteiro Lobato, em São Paulo, os herdeiros do autor obtiveram um mandado de busca e apreensão, acompanhados de oficial de Justiça e advogados, interromperam o lançamento e apreenderam os exemplares disponíveis no local. O fato foi amplamente divulgado na mídia (…) Desnecessário comentar o constrangimento e prejuízo financeiro e de imagem que tivemos perante nosso parceiro, clientes, fornecedores e demais autores da Brasiliense (…)
A proposta de modernização das obras infantis ficou suspensa. Altos investimentos já haviam sido realizados: dos 24 títulos infantis de autoria de Monteiro Lobato, 14 já estavam com os seus trabalhos editoriais concluídos (…) Foram os herdeiros de Monteiro Lobato que nos impediram de qualquer tentativa de modernização os livros. Vale ressaltar que, em nenhum momento, o texto original do autor foi adulterado ou houve, da nossa parte, intenção de fazê-lo (…)
Desconhecemos quais foram os especialistas consultados pela Folha. No entanto, concordamos com eles e com a opinião dos livreiros: a obra infantil de Monteiro Lobato não é atraente para as crianças. Mas nós tentamos, sem sucesso, dar seguimento ao nosso projeto. Sobre a obra adulta, não chegou a ser uma causa criminal, mas ainda é objeto de ações cíveis. Seria de pouca (ou quase nenhuma) visão empresarial, Brasiliense optar por manter em estoque exemplares: a) das obras adultas de Lobato sem revisão ortográfica, com capas com um padrão gráfico da década de 70/80 e que nenhum livreiro quer em suas prateleiras (os pedidos, quando acontecem, servem para atender encomendas); b) das obras infantis impressas em uma cor, sem um glossário para expressões e palavras em desuso, disputando espaço nas prateleiras das livrarias com livros coloridos e convidativos para às crianças.’’
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‘Especialistas criticam qualidade de edição da obra infantil’, copyright Folha de S. Paulo, 22/10/05
‘Especialistas na obra de Lobato criticam a maneira como seus livros são editados. Professora de literatura infantil da USP e PUC, Maria dos Prazeres Mendes diz que ‘as edições deixam muito a desejar’. ‘A questão da ilustração [em preto-e-branco] é patente. O padrão de hoje é outro, e o que era feito há alguns anos não atrai mais as crianças. Lobato fica prejudicado’, diz ela, que atribui ‘à força da palavra do autor’ o fato de ele ‘sobreviver apesar disso’.
Vladimir Sacchetta, biógrafo de Lobato e diretor de conteúdo do site www.lobato.com.br, diz que a Brasiliense entrou em ‘crise desde a morte de Caio Graco [92], o que prejudicou o processo editorial’. ‘Apesar de detentora dos direitos de Lobato, a editora não tem gás para colocar suas obras no mercado como deveria.’
A escritora Tatiana Belinky, amiga de Lobato e responsável pela adaptação do ‘Sítio’ para a TV Tupi, responsabiliza a família. ‘Os herdeiros não deixaram fazer nada. Bem que a Danda [Yolanda Prado, presidente da Brasiliense] queria, mas eles atrapalharam.’
Rápida ronda por livrarias de São Paulo dá uma idéia de quão grave é a situação. Das quatro visitadas pela Folha, apenas uma, a Cultura do Conjunto Nacional, dispunha de livros de Lobato para adultos. E, dos 13 do gênero, tinha só dois: ‘Urupês’ e ‘Negrinha’. Da obra infantil, há títulos variados, 20 na Cultura, Fnac Paulista e Saraiva do shopping Paulista. Mas chama a atenção a ausência de trabalho gráfico. São edições com muito texto por página e poucas ilustrações, em branco e preto. E concorrem com a coleção ‘Aventuras no Sítio do Picapau Amarelo’, da Globo (personagens de Lobato em histórias de outros autores), com edições bem mais atraentes.’
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‘‘Sítio’ da Globo se distancia dos originais e vira alvo de polêmica’, copyright Folha de S. Paulo, 22/10/05
‘‘A Globo faz o que quer, pinta e borda. Faz tudo, menos Monteiro Lobato. A adaptação do ‘Sítio do Picapau Amarelo’ é muito ruim.’
A opinião é da escritora Tatiana Belinky, amiga do autor e responsável pela adaptação do ‘Sítio’ para a TV Tupi, nas décadas de 50 e 60, e Bandeirantes, de 1967 a 69.
Com ela concordam outros autores lobatianos consultados pela Folha e internautas que criaram uma comunidade no Orkut para falar sobre a nova versão televisiva do ‘Sítio’, no ar desde 2001.
Há dois anos, a rede usa a turma de Lobato em histórias criadas por seus redatores, além de inserir outros personagens, que nunca estiveram nos livros do autor. Na internet, a adaptação já foi chamada de ‘Malhação’ infantil.
Nesta semana, uma das novas personagens, a garota Tetéia, sofre um acidente e se desespera ao saber que ficará ‘paralítica’. Ela se recusa a usar cadeira de rodas e não quer que os amigos a vejam ‘assim’, além de se considerar castigada por ter agido mal.
Para Belinky, a Globo faz uma tentativa de ‘modernizar’ o ‘Sítio’ (escrito entre 1920 e 1944), o que considera uma ‘bobagem’. ‘Não se moderniza um clássico, tem de respeitá-lo. O que é isso? Deixem o estilo do autor em paz.’
A professora de literatura infantil da USP e PUC-SP Maria dos Prazeres Mendes acredita que ‘Lobato está sendo deixado de lado’ e que as adaptações anteriores eram melhores. Para ela, ‘muita gente que entra em contato com a obra só pela televisão não sabe que aquilo não é Lobato’. Na opinião de Mendes, a Globo deveria deixar isso mais claro.
‘A idéia de atualizar tem a ver com o que o público desejaria assistir. E aí corre-se um risco porque entramos nos chavões, na coisa padronizada, estereotipada. Lobato abre a imaginação, e, na adaptação, ela é fechada, a criança não vê novidade’, analisa.
Vladimir Sacchetta, biógrafo do escritor, diz que a ‘Globo não acertou a mão com esse ‘Sítio’. ‘Houve uma tentativa de modernizar o ‘Sítio’, de trazê-lo para mais perto do telespectador de hoje. Mas Lobato é moderno desde a década de 20 e 30. A modernização que a Globo tentou fazer não foi feliz. Por que deu certo nos anos 70 e 80, quando era mais fiel ao espírito de Lobato?’, questiona Sacchetta.
Na internet, as críticas são pesadas: ‘Por que o ‘Sítio’ de hoje é tão ruim? Dia desses, vi a Wanessa Camargo cantando ‘O Amor Não Deixa’, reclama um telespectador. Outro fã de Lobato afirma no Orkut considerar um ‘engano’ tentar modernizar o ‘Sítio’. Para ele, o sucesso da série mexicana ‘Chaves’, produzida nos anos 70 e exibida até hoje no SBT, prova que certas obras são atemporais.
Direito contratual
Representante dos herdeiros e diretor da Monteiro Lobato Licenciamentos, Jorge Kornbluh diz que a Globo tem direito por contrato (válido até 2009) de utilizar apenas os personagens de Lobato e de criar novas histórias.
Segundo ele, há dois anos a emissora não exibe episódios com os originais do escritor, explorados no início da nova versão.
Ele afirma ainda que a emissora possuía o mesmo direito na primeira adaptação, exibida entre 1978 e 1989. ‘Mas de 80% a 90% dos episódios eram com as histórias originais, por opção do [diretor] Geraldo Casé.’
Para Kornbluh, o risco de o telespectador confundir novas histórias com as de Lobato não seria prejudicial a sua memória. ‘O importante é que o ‘Sítio’ perenize os personagens de Lobato. Se uma parte das crianças que assiste ao ‘Sítio’ da Globo se interessar em ler a obra, já é lucro.’
Em dezembro, o ‘Sítio’ sairá do ar. A Central Globo de Comunicação nega que seja definitivamente. Afirma que é em razão das férias escolares e que o programa voltará em abril, com direção do veterano Carlos Manga, em substituição a Cininha de Paula.’
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‘Canal afirma ter crivo da família’, copyright Folha de S. Paulo, 22/10/05
‘A Central Globo de Comunicação afirmou que as novas histórias do ‘Sítio do Picapau Amarelo’ são criadas por roteiristas especializados em Lobato e têm a aprovação de seus herdeiros.
Leia a íntegra da resposta da emissora, enviada à Folha por e-mail: ‘Na primeira versão, utilizamos todos os livros de Lobato e, quando as histórias acabaram, tiramos a série do ar.
Desta vez, utilizamos todos os livros e, quando as histórias originais acabaram, optamos por dar continuidade à série usando roteiristas especializados em Lobato. Com o acompanhamento e autorização da família, estamos fazendo histórias inspiradas no universo do autor.
A Globo tem muito orgulho de saber que uma obra televisiva pode estimular as crianças -bem como jovens e adultos- a buscarem histórias em qualquer livro.
E temos certeza de que, ao contrário de se frustrar, os leitores se encantarão com os textos de Lobato, que são universais e apaixonantes.’
A CGCom negou ainda que o tratamento dado em episódios desta semana à garota que se desespera ao ficar paraplégica seja inadequado a crianças. ‘Até porque a continuação da história vai mostrar como a menina vai conseguir superar a dificuldade.’’
TERESA…
‘Momentos de êxtase em Teresa’, copyright Jornal do Brasil, 22/10/05
‘Teresa, namorada de Jesus Deonísio da Silva Girafa, 204 págs, R$ 25
Para escrever Teresa, namorada de Jesus – romance premiado pela Biblioteca Nacional e eleito por ensaístas da revista World Literature Today, como um dos dez melhores romances brasileiros dos últimos 20 anos – Deonísio da Silva baseou-se na vida de Teresa d’Ávila, fundadora da Ordem das Carmelitas Descalças, considerada precursora do feminismo e da psicologia. Teresa era possuída por momentos de êxtases que a faziam levitar ao ter, como dizia, contato com Deus. Nascida em Ávila em 1515 ingressou no mosteiro carmelita de sua cidade aos 20 anos.
Em suas obras foi ajudada por João da Cruz – também um carmelita em busca de reformas – imanado como ela pelo amor e pela união absoluta com Deus. Teresa conseguiu fundar mais de 32 mosteiros, além de recuperar o fervor místico e primitivo de muitas carmelitas. Sua dedicação e as lutas e experiências místicas levaram-na a ser julgada pela Inquisição. Teresa deixou um legado em livros e cartas que se transformaram em clássicos da literatura espiritual. Morreu em outubro de 1582, foi canonizada em 1622 e declarada Doutora da Igreja em 1970.
Partindo desses pontos e obedecendo ao rigor da pesquisa, Deonísio, como criativo romancista que é, criou a ‘sua Teresa’ e o ‘seu João’. Uma nova história, carregada de dramaticidade. O texto é dividido em três partes. Na primeira surgem brincadeiras, angústias e preocupações de um menino em casa e depois, em um internato. O convívio com os colegas, a chegada da adolescência. Os ‘vícios solitários’, castigos, delações premiadas, hipocrisia, culpa. O contato com a morte trágica do Padre Divino, que lhes servia de orientador, e a surpresa da descoberta entre os pertences do padre, de um romance não terminado sobre Teresa d’Ávila.
Na segunda parte, o texto surge como romance para teatro. No legado do padre que os meninos se apossam, comentários sobre a vida se misturam à história que o narrador-escritor-personagem (Padre Divino) conta. A chegada de Teresa ao convento das carmelitas, referências à família e a exaltação ao martírio, a rotina do convento. O personagem Teresa dá um clima místico à trama – feita de forma muito original, permitindo a mistura de tempos, deslocamento de ação e espaço. História e religião, dores, desejos e alucinações.
João aparece. Numa taberna. As referências ao descobrimento da América, os comentários sobre Teresa – de sangue ‘impuro’ vindo da parte judia da família – e seus diários. Os encontros de João com Teresa.
No convento os castigos pela luxúria: ‘Teresa está tremendo. Toma os açoites e começa a castigar-se. Remédios vem ver o que há: Se, como você diz, Deus nos deu um corpo luxurioso, por que motivo açoitar-se tanto?’
Clima de sensualidade, misticismo, erotismo e muita emoção entre a Santa e seus amados João e Jesus: ‘João aproxima-se de Teresa. (…) acariciam também o crucificado. Tão abraçados os dois que estão com febre também as pedras da cela’.
Em Teresa, namorada de Jesus, os personagens são ricos, densos, e tia Vina – com suas histórias, cheiros, odores e sabores é a mulher, mãe, amiga que fascina o menino com suas histórias. ‘Depois dessas explicações eu voltava para a cadeira e ficava olhando a bunda de minha tia mais querida. O vestido balançava para lá e para cá, apertado na cintura (…). Minha tia, tão diferente de minha mãe.’
No colégio, a professora passa ao menino agradáveis sensações: ‘Dona Renata, que exalava como um jardim ao anoitecer (…)’ .
Que graça ‘o menino …. no fundo daquele vidro’; ou João querendo ter seios; o abraço de João, Teresa e o Cristo; ‘a noite … sem amor’.
Na terceira parte o personagem narrador é o menino, já adulto; surge Açucena, mulher doce, sem segredos, rica em sensualidade: ‘Tem a doçura na alma. Mas é uma flor do pântano. (…) Açucena é uma mulher’. Reaparecem os amigos dos tempos do seminário: os delatores são padres, outro é homossexual e por aí a coisa vai.
Em Teresa, namorada de Jesus se entrelaçam Espanha, Brasil, o mundo; tempo da Inquisição e tempo de agora; perseguições políticas e religiosas, hipocrisia; a mulher enclausurada de diversas formas; o mundo de Teresa – João – Cristo abrindo caminho sobre conflitos atuais nas relações homem-mulher; injustiça social, politicagem; a família, seus conceitos e preconceitos; depoimento histórico, religiosidade, manifesto político-social. As inúmeras passagens de forte densidade poética, comovem. ‘Teresa Amada, Teresa amadora, Teresa pecadora, aquela que mais pecou, porque mais amou.’
Enfim, Teresa, namorada de Jesus é um romance de agradável leitura, importante e muito bem escrito que leva ao leitor a sérias e profundas reflexões.’
SEJA FELIZ…
‘Crônicas de um sedutor elegante’, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 20/10/05
‘As crônicas de Antônio Maria, o grande boêmio, o grande romântico, o grande melancólico, estão de volta. ‘Seja feliz e faça os outros felizes’ (editora Civilização Brasileira), uma seleção de trinta e quatro delas organizada pelo jornalista e também cronista, de ‘O Globo’, Joaquim Ferreira dos Santos, traz um subtítulo que pode parecer redutor: ‘Crônicas de humor de Antônio Maria’. Mas só parece.
O realce do humor resume a face solar de um pernambucano com o coração carioca, que fez muita gente soluçar quando se punha a exercitar seu outro lado, o melancólico, consagrado em especial nas célebres canções do gênero dor-de-cotovelo. Como sofrer de melancolia e, ao mesmo tempo, ser cômico? Em suas crônicas, Maria exercitou, como poucos, essa ponte difícil, mas fundamental, entre a infelicidade e a felicidade. E essa coragem fez dele um grande cronista.
Maria foi um cronista prolixo que, até morrer precocemente, no ano de 1964, aos 43 anos, do coração, publicou nos jornais quase três mil crônicas. Como agüentou, como teve forças, para escrever tanto? De onde tirava tantas idéias? Joaquim Ferreira fez sua seleção pesquisando as páginas de ‘O Globo’, da ‘Última Hora’ e de ‘O Jornal’ entre os anos de 1955 e 1964. O resultado é muito revelador, já que Maria pertence à tradição dos grandes cronistas brasileiros do século 20, como Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Carlinhos Oliveira e Fernando Sabino, ainda que seja, provavelmente, o mais esquecido deles.
‘Maria dizia escrever sobre o Nada’, Joaquim relembra em sua apresentação. ‘Era quase uma antecipação de Woody Allen’. O interessante nas crônicas de Antonio Maria é que elas antecipam um tipo particular de liberdade interior, de afrouxamento das defesas retóricas e solenes, que se tornariam, depois, marcas do gênero. Maria talvez tenha sido desprezado porque, se tinha um pé no futuro, conservava o outro fincado, com teimosia, no passado. Aqueles que se julgavam modernos – ainda que muitas vezes não fossem – o viam como um passadista. E ele soube tirar proveito, muito proveito, desse lugar marginal que lhe coube.
Joaquim Ferreira dos Santos está lançando, ainda, um livro de crônicas pessoais, ‘Em busca do borogodó perdido’ (editora Objetiva, com lançamento previsto para o dia 26 de outubro, a partir das 19 horas, na butique Maria Bonita Extra, em Ipanema). Livro em que ele se afirma como um dos mais inspirados cronistas da nova geração. Joaquim tem, como Maria, uma sensibilidade especial para encontrar significado nas coisas desprezíveis. Para se encantar com as miudezas, com aquelas coisas banais que nem percebemos, com – como diz nosso preconceito – as bobagens. Tudo aquilo, enfim, que fica de fora do grande jornalismo. É sobre esse amor à crônica como lugar da liberdade e do anticonvencional, mas também da sensibilidade e da delicadeza, que ele fala na entrevista que se segue.
Antonio Maria seria considerado hoje, certamente, um melancólico. É provável que nossos psiquiatras quisessem, até, tratá-lo com antidepressivos. E até mesmo, como fez o psiquiatra de Van Gogh em relação a sua pintura, quisessem ‘curá-lo’ de sua música e de seu estilo um tanto mórbido. Que importância tem, para você, essa reaproximação com um personagem como Maria?
A aproximação não é com o personagem, mas com a obra. O comportamento de Maria, o apaixonado radical ao estilo Vinicius, sempre carente de uma inspiração amorosa para produzir, é um detalhe. A Bossa Nova também não percebeu que por trás do melancólico havia um cara moderno, sofisticado. Ronaldo Bôscoli, já que Maria cultuava a fossa, o tratou como um passadista qualquer. Mas não era. Uma crônica como ‘Seja feliz e faça dos outros felizes’ mostra que, sob a aparência da melancolia, havia sempre o humor. Um humor não escancarado, nada óbvio, mas que brincava com aquela infelicidade toda. Não se levar a sério todo o tempo é uma maneira de sair da melancolia, de desfazer a imagem do chato, do deprimido de carteirinha.
As crônicas e músicas de Maria trazem algumas teses radicais sobre o amor. O ‘ninguém me ama’, apesar de clichê da dor de cotovelo, mostra, ao mesmo tempo, uma fé inabalável no amor e ainda a consciência dramática de sua impossibilidade. Hoje, nos tempos do ‘amor líquido’, como já definiu um sociólogo, o que resta para o ‘amor duro’ defendido por Maria?
Maria era movido a amor, como diria um clássico qualquer do clichê barato. Seu ‘Diário’, lançado há dois anos, mostra sua busca da mulher ideal, da relação perfeita, da sintonia exata entre homem e mulher. Maria estava muito distante do cinismo de hoje, do ‘ficar com’, do correr atrás. Foi um sedutor elegante que, segundo o depoimento das mulheres, usava a fragilidade, e não o machismo, como método de aproximação. Morreu buscando o amor, dizem até que morreu por causa da profunda dor de sua separação de Danuza Leão. Mas não acredito nisso. Ele tinha muitos problemas de saúde, principalmente problemas de coração, e apagou por causa dos excessos, e não das faltas.
Você é um especialista sensível nas coisas do passado, nas miudezas do cotidiano, nas experiências pequenas. Nesse sentido, o jornalismo que você pratica se opõe ao jornalismo dominante, das grandes manchetes, dos grandes escândalos, da novidade a qualquer preço. Maria, com sua melancolia e suas idéias românticas, parece ser hoje um personagem anacrônico. Qual o significado de seu interesse por ele?
Tenho pelo Maria o mesmo interesse que tenho por aquela geração de ouro de cronistas. Braga, Sabino, Mendes Campos, Carlinhos são todos meus ídolos, escritores que conseguiram uma temperatura perfeita entre literatura e jornalismo, a ponto de se integrarem com suavidade no corpo da revista ‘Manchete’, que foi a primeira grande vitrine desse tipo de texto. Eu tento seguir esse caminho, busco um texto que se equilibre entre o literário, a experimentação, um dar de ombros para alguns paradigmas do que seja um texto de jornal, mas sempre de olho na leitura. Eu quero ser lido. Maria fazia exatamente a mesma coisa. Escrevia todos os dias, vou repetir, todos os dias em um jornal – ‘O Globo’, ‘Última Hora’, ‘O Jornal’ – e misturava alhos com bugalhos. Misturava reportagem policial com perfil com crítica com noticiário da noite com crônica e mandava o pau na máquina sem perguntar o que era o quê. Ao contrário de Braga, Mendes Campos e Sabino, ele se aproximava mais do texto jornalístico que do literário. Rubem Braga poderia ter acabado na Academia Brasileira de Letras. Maria, não.
Maria se interessava pelos sujeitos que caminham na contra-mão de seu tempo. Por exemplo, Adamastor, ‘o estranho homem puro’, personagem de uma série de crônicas deliciosas. Homens anacrônicos, muitas vezes desagradáveis e rabugentos, mas que, com sua resistência ao presente, denunciam o que o presente tem de descartável, de tolo, de imprestável. Quando falava desses personagens, Maria estava falando de si mesmo?
O Adamastor está sendo publicado em livro pela primeira vez. Eu acho que o Maria ia de Adamastor quando estava cansado de falar na primeira pessoa. Nesse caso, o outro falava o que ele não tinha coragem de falar. Pela liberdade que se permite, são momentos de fino estilo. Eram momentos – digo aqui da minha varanda de sacadas – em que ele se cansava de ser politicamente correto e metia o pau no folclore, no respeito aos índios, no artesanato e outras mumunhas respeitáveis na época. O Adamastor devia ser metade o próprio Maria, sua face oculta. E, na outra metade, o desejo de descansar de si mesmo. Era a delícia da irresponsabilidade.
O humor de Maria é um humor delicado, sutil, que se opõe ao humor pesado de hoje, ao estilo Casseta e Planeta. Isso aparece, bem claro, quando Maria se põe a escrever um consultório sentimental. Está, por exemplo, na resposta que dá à consulente Cláudia Rúbia, uma mulher bonita que quer ingressar no cinema e lhe pergunta o que deve fazer. ‘Comprar uma entrada’, Maria se limita a sugerir. Esse humor ingênuo, comparado com o humor feroz de hoje, não parecerá tolo?
Vejo semelhanças com o humor do Casseta, mas muito rápidas. Por exemplo, na maneira de Maria brincar com os personagens da atualidade e de não respeitá-los. Zoava dos amigos também, transformava o Caymmi, o Di Cavalcanti, o Vinicius em personagens. Lidas hoje, cinqüenta anos depois, algumas cartas do consultório sentimental podem soar ingênuas. Mas o PRK-30 também, os irmãos Marx também. Não podemos esquecer que ele passava parte do dia escrevendo piadas para as rádios e isso o obrigava a baixar um pouco a mão. Mas a produção de humor para os jornais, pela sofisticação e estilo, assegura um papel de destaque ao humorista Maria. Infelizmente, ele ficou marcado pela turba da Bossa Nova como um sujeito a ser detonado. Mas eram tempos de rancores radicais. Maria talvez sofresse mais que os Bôscoli da vida, talvez fosse menos bonito e mais pernambucano. Mas, com as palavras, estava na mesma sintonia da modernidade, como se pode atestar por muitas letras de música, todas solares e Bossa Nova total.
Maria foi apaixonado pela realidade. Em uma crônica, ‘Ao povo mineiro no mundo inteiro’, ele oferece uma frase que sintetiza essa paixão: ‘Basta que você deixe de interpretar as coisas’. Pegar as coisas de modo direto, sem volteios, sem complicações, é um atributo comum entre os grandes cronistas. Pergunto a você, que também é excelente cronista: por que essa maneira franca de narrar o mundo, mesmo entre os cronistas de mais prestígio, parece estar hoje em desuso?
Esses caras escreveram muito, nos sentidos de qualidade e de quantidade. Carlinhos Oliveira, que já pertence a uma outra geração, tinha um estilo bastante próximo do artigo jornalístico. Ele escrevia muito na redação e isso acabou impregnando seus textos de alta temperatura jornalística. Braga e Paulinho gostavam de uma cena menos veemente, mais lírica. O Maria é, talvez, uma passagem entre esses dois estilos. Escrevia, como você diz, de uma maneira franca. Seja ela o que for, acho que as crônicas de hoje precisam de mais veemência. Cá entre nós, já que ninguém está nos ouvindo: eu já não lia o Rubem Braga em sua fase final, quando ele publicava suas crônicas no ‘Estadão’. Acho que o desafio da crônica, hoje, é encontrar o tom que não a torne um bichinho estranho no corpo do jornal. Nem quente e tensa demais, como se fosse mais uma matéria, nem lírica e lenta que desanime e afaste do leitor.
Em ‘Café com leite’, Maria diz: ‘O homem só tem duas missões importantes: amar e escrever à máquina’. Essa redução da existência a dois elementos fundamentais e semelhantes, sexo e criação, talvez ilustre a maneira como Maria gostava de descomplicar o mundo, de simplificá-lo. Numa época como a nossa, de especialistas e jargões profissionais obscuros, que lugar sobraria para o modesto Maria?
A crônica é, por princípio e charme, um gênero menor. Mas é também um jornalismo metido a besta, com umas palavras que não costumam aparecer nas reportagens. Sou um apreciador do novo jornalismo americano, que mistura todos os gêneros: reportagem, ensaio, artigo, crônica, diálogos e o que mais couber. O Maria escrevia para ganhar dinheiro, como todos nós, jornalistas. Tanto que morreu sem publicar nenhum livro, seus livros são todos póstumos. Em suas gavetas, nada foi encontrado além de seu diário. Todo o resto do material reunido em livro foi recolhido dos jornais. Maria escreveu sempre pressionado pelos prazos e o bafo de um editor no cangote, arrancando-lhe o texto da máquina. Ele disse que escrevia um diário para escrever sem compromisso e com liberdade. Era um jornalista, não um literato. Sua palavra de ordem era: ‘Qual é o trabalho que tem aí para fazer?’
Você está lançando, também, um livro de crônicas que, aliás, tem um título, e também uma capa, muito inspirados. Como você chegou à crônica? E como você se vê, se critica, como cronista?
Eu comecei a escrever crônicas por acaso, no jornal ‘O Dia’, do Rio de Janeiro, no ano 2000. Foi acaso mesmo: sobrou o espaço de um cronista e me escalaram para preenchê-lo. Eu preenchi. Depois fui para o ‘Jornal do Brasil’, agora estou no ‘Globo’, e continuam deixando que eu escreva minhas crônicas. Como o jornalista começou na frente e o cronista é recente, acho que ainda tem muito jornalismo no que escrevo. É uma constatação, não chega a ser uma crítica, eu sempre gostei de crônicas que se aproximam da reportagem. Espero chegar a um ponto em que nenhum desses gêneros fique com o rabo de fora e seja tudo ainda uma coisa a se classificar. A crônica é um gênero híbrido. Ela começa sempre pelo espaço do jornal e isso acaba impregnando o estilo. Braga resumia a coisa assim: ‘Se a pensata não é aguda, é crônica’. Acho que a crônica deve ser leve, não necessariamente com muito assunto. Mas com estilo e originalidade e, de preferência, abusar da subjetividade, com direito a muito ‘eu isso’, ‘eu aquilo’.
Você ainda não disse quem é seu cronista favorito. Aquele cronista de cabeceira, que está sempre rondando, como um fantasma, às suas costas. Quem é ele? E como você vê os cronistas de hoje? Eles avançaram, ou retrocederam em relação aos cronistas ‘clássicos’?
Gosto, acima de todos, do Rubem Braga, que na verdade tem um nicho próprio dentro da crônica carioca. Sei lá o que é aquilo. Poesia? Conto? Nuvem? O Braga é um gênio absoluto, é tudo o que eu gostaria de ser um dia em que finalmente crescesse. Quanto à crônica de hoje, acho que ela está passando por um momento de transformação. Todos os grandes jornais têm cronistas diários, cada um com um jeito de escrever. Ou seja, todos concordam que o espaço é necessário. Quem o ocupa, isso fica ao gosto do editor. Muita gente escreve artigos nos espaços destinados à crônica. Eu persigo uma coisa no meio do caminho, com direito a vôos poéticos e bem pessoais, até o direito moderno de experimentar estilos e de salpicar tudo com jornalismo.
As reportagens vêm dos fatos, os artigos de fundo das idéias, a crítica vem dos objetos da cultura. As crianças nós sabemos de onde vêm. De onde vêm as crônicas?
Eu já escrevi uma crônica exatamente sobre isso, de onde vêm as crônicas. É um vale- tudo. Já escrevi crônica para uma palavra só, ‘borogodó’ – uma palavra antiga, que o dicionário define como um ‘atrativo físico muito peculiar’. Já escrevi crônicas que eram perfis, como do Gay Talese. Reportagens, como o casamento do Luciano com a Angélica. Tudo, sempre, de um jeito desparagonado. Costumo definir a crônica como um quadradinho delimitado por um fio, e o editor escreve em cima: ‘crônica’. O resto é com o autor. O bom cronista tira crônica de tudo e nisso o Rubem Braga foi imbatível. Tirava assunto de absolutamente nada.
Tirando o tal fio que a cerca e a palavra ‘crônica’ em cima, a crônica hoje parece um gênero esfacelado. A crônica clássica, ao estilo do Braga, já não faz mais sentido?
O esfacelamento da crônica é o reconhecimento de que a crônica tradicional, tal como o Braga e o Paulinho escreviam, não cabe mais nos jornais. Eles tinham uma levada e uma aproximação com a realidade que não combinam mais com os tempos de hoje. Ainda ficariam bem, talvez, numa revista. Ainda assim, os leitores dos jornais adoram as crônicas, o que é uma maneira de dizer que querem um texto diferente do resto do jornal. Eu sonho com o dia em que o texto de jornal seja tão original e personalizado quanto o das crônicas. Nesse caso, os cronistas ficariam liberados para radicalizar na experimentação e se tornariam definitivamente autorais. Acho que se faz muita crônica de cinema, muita crônica de psicologia, é verdade que algumas muito boas, nos espaços reservados às crônicas. Mas acho que esses textos estão no lugar errado.’