A contabilidade da destruição
O tema sustentabilidade ainda é quase esotérico na imprensa brasileira. Com exceção de alguns especialistas, que na maioria dos casos apenas produzem reportagens especiais, esporádicas e específicas, jornais e revistas costumam passar ao largo das questões que, a rigor, deveriam estar no centro de todas as decisões políticas, econômicas e pessoais.
Na campanha eleitoral, por exemplo, a não ser pela persistência da senadora Marina Silva, candidata do Partido Verde à Presidência da República, não se ouvem referências a planos de candidatos para o desafio da preservação ambiental.
E a imprensa não parece entender como importante, uma vez que as sabatinas promovidas por jornais e emissoras de televisão nunca abordam esse assunto.
Se considerarmos que a questão da sustentabilidade vai muito além do problema ambiental, então teremos uma idéia de quão remota é a distância da pauta da imprensa em relação à realidade.
O noticiário econômico ainda passa ao largo de evidências como o crescimento das preocupações de empresas e investidores com a preservação do patrimônio natural e ignora completamente os movimentos por mais responsabilidade social da iniciativa privada.
Sem questionamentos da imprensa, os candidatos a formuladores de políticas públicas apenas repetem chavões soprados por seus marqueteiros, e o tema fica fora do debate eleitoral.
Nesse cenário, merece referência a reportagem publicada nesta sexta-feira pelo Estado de S.Paulo, ainda que isolada na seção denominada “Vida”.
O texto, bem fundamentado em estudos divulgados pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), assegura que sai mais caro devastar o ecossistema e a biodiversidade do que preservá-los.
No caso do Brasil, as perdas ambientais afetam negativamente a qualidade de vida de pelo menos 20 milhões de pessoas, diretamente.
Indiretamente, a destruição desse patrimônio atinge toda a economia nacional e ameaça o futuro de toda a sociedade.
São motivos suficientes para que isso seja considerado uma prioridade.
Assunto fora de pauta
O estudo, intitulado “A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade”, foi encomendado pelo G8+5, o grupo dos oito países industrializados, mais Brasil, África do Sul, China, Índia e México,.
Faz parte dos preparativos para a 10a. Conferência das Partes, que deve dar prosseguimento aos acordos sobre a questão climática, em outubro, na cidade japonesa de Nagoya.
As conclusões publicadas pelo Estadão revelam que a devastação ambiental representa uma perda de US$ 2 trilhões a US$ 4,5 trilhões por ano, quantia que poderia superar as necessidades mundiais produzidas pela crise financeira que eclodiu em 2008.
Fazem parte do documento relatos de 120 iniciativas que permitiram recuperar espaços degradados, e que tiveram como resultado a melhoria das condições econômicas dessas regiões.
Um dos objetivos dos pesquisadores é demonstrar o valor econômico dos chamados serviços ambientais, ou seja, comprovar que os ecossistemas e a diversidade biológica produzem riqueza de maneira mais equilibrada e por mais tempo do que a exploração predatória desses recursos.
Essas evidências, já percebidas por grande número de investidores e empresários, ainda não parecem ter sensibilizado os formuladores de políticas públicas e os gestores do sistema econômico mundial.
Por outro lado, a imprensa, que supostamente deveria dominar antes de outras instituições esse tipo de conhecimento, segue presa aos velhos paradigmas que produziram o atual estado de degradação da natureza.
O estudo divulgado pelo Pnuma e publicado pelo Estadão demonstra que, muito além da pregação dos ambientalistas, a questão da preservação e do uso sustentável dos recursos naturais deveria ser tema fundamental nos debates sobre planos de governo.
Se fosse levado pelos jornalistas às sabatinas com os candidatos, o desafio da sustentabilidade exigiria dos políticos que ao menos encomendassem de seus assessores alguma informação básica que os tirasse da obscuridade.
Mas os jornalistas preferem repetir as velhas perguntas do século passado e o assunto só vem à tona, eventualmente, em seções isoladas do noticiário geral.