Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>A boa notícia ruim
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A boa notícia ruim

Os jornais desta quarta-feira tratam de maneiras diferentes o anúncio sobre o volume recorde de investimento estrangeiro direto no Brasil.

Os US$ 15,36 bilhões que entraram em dezembro, o maior valor para um único mês em todos os tempos, fecham a conta de 2010 com o ingresso de US$ 48,46 bilhões, número também inédito.

Esse dinheiro é destinado a investimentos no setor produtivo, o que indica que o Brasil segue sendo um dos destinos preferenciais para opções de longo prazo.
 
O Estado de S.Paulo foi o jornal de assuntos gerais que deu o melhor tratamento ao assunto, com manchete esclarecedora na primeira página: “Investimento externo bate recorde e cobre déficit”.

No caderno de Economia & Negócios, os textos dão ao leitor uma idéia bastante clara de como as contas do Brasil são afetadas pelo valor do dólar, dos gastos de brasileiros em viagens ao exterior e pelas remessas de lucros.
 
No Globo, o título da primeira página destaca um aspecto negativo dos números e foge da interpretação mais ampla: “Déficit externo do país dobra em um ano”, diz a chamada.
Nas páginas internas, o texto ameniza o impacto negativo, mas o leitor é conduzido a um raciocínio mais pessimista.

A Folha de S.Paulo não produziu reportagem sobre o assunto e deixou o tema para um de seus colunistas, que destaca uma “surpresa positiva nas contas externas do Brasil: a deterioração no saldo das transações correntes foi menor que a estimada”.
 
Para quem acompanha diariamente o noticiário econômico da imprensa tradicional do Brasil, comparando com a mídia especializada nacional e estrangeira, fica claro que ainda existe alguma dificuldade de certos analistas para situar os números no novo contexto vivido pelo País.

Com enormes reservas de moeda estrangeira, uma dívida externa irrelevante e uma carteira de exportações que cresceu 14,2% em volume e 31% em valor no ano passado, a economia nacional se apresenta bastante segura.
 
Como não há antecedentes históricos para o cenário presente, poucos especialistas têm condições de afirmar o grau de risco produzido pelo crescimento.

Como também não acontece uma abordagem segundo os parâmetros da sustentabilidade, parece que estamos assistindo um filme em 3-D sem os óculos especiais.

Quando o analista mostra o quadro completo, o leitor tem a oportunidade de entender, mesmo não sendo especialista, algumas variáveis do processo de desenvolvimento do País.

Quando o olhar do analista contempla a complexidade quanto à sustentabilidade do modelo econômico, temos jornalismo de alta qualidade.

Mas quando o viés político predomina, até mesmo uma boa notícia pode gerar preocupações.
 
Entre mulheres

Luiz  Egypto, editor do Observatório da Imprensa:

– Na semana que vem, a presidente Dilma Rousseff faz sua primeira viagem oficial ao exterior. O destino escolhido é a Argentina – uma agenda de forte simbolismo tanto pela aliança estratégica esperada dos dois maiores parceiros do Mercosul, como pelo fato de o país vizinho também ser governado por uma mulher.

Depois dos compromissos protocolares, nos encontros reservados que manterão, a presidente Dilma poderia muito bem sugerir à sua colega Cristina Fernández de Kirchner que atentasse para a forma como o governo brasileiro se relaciona com a imprensa do país. Aqui a oposição é feroz, jornais e revistas às vezes se arvoram em partidos políticos, mas, ao fim e ao cabo, não se conhece qualquer manifestação direta do governo brasileiro no sentido de calar o trabalho da imprensa ou a atuação do jornalismo crítico.

Não se pode dizer o mesmo da Argentina. Ali, desde os conflitos entre produtores rurais e o governo, em 2008, os dois principais jornais – Clarín e La Nación – são considerados pela Casa Rosada como inimigos públicos. “Sou vítima de um fuzilamento midiático”, chegou a dizer certa feita a presidente Cristina. E o revide não demorou. Ao contrário do Brasil, onde as verbas publicitárias oficiais são diluídas entre milhares de veículos de comunicação, na Argentina o protecionismo é mais que evidente. No ano passado, quase metade da publicidade oficial veiculada nos meios impressos foi destinada aos veículos do empresário Sergio Szpolski – unha e carne com o governo – e para o jornal Página 12 – um combativo diário surgido em 1987 e que de uns anos para cá se entregou às benesses do oficialismo. Na TV aberta, o Canal 9 recebeu dois terços do total das verbas oficiais de 2010, em clara contrapartida aos programas de apologia ao governo que exibe. Como pano de fundo, as eleições presidenciais de outubro, quando Cristina deverá tentar a reeleição. De fato, dois países tão próximos e tão distantes.