Semeando a discórdia
Em vez de investigação, confusão. Esse é o resultado do noticiário desta terça-feira sobre os bastidores da campanha eleitoral.
A informação de que a gráfica onde foram apreendidos folhetos difamatórios contra a candidata Dilma Rousseff pertenceria a parentes do coordenador de infraestrutura da campanha do PSDB é desmentida, mas um ministro do Tribunal Superior Eleitoral reafirma que se trata de crime eleitoral.
Os jornais não avançam no sentido de esclarecer o leitor e a maneira como as declarações são organizadas nas reportagens indica pouca disposição para levar adiante uma investigação.
O título na primeira página do Estado de S.Paulo, “Panfletos viram motivo de guerra entre partidos”, é tipicamente um recurso para misturar assuntos diferentes e minimizar a gravidade de um deles.
O folheto apreendido na gráfica do bairro do Cambuci, em São Paulo, é parte de uma estratégia, organizada, sistemática, em torno de um tema que é seguidamente levado à campanha oficial do candidato oposicionista, inclusive nos debates pela televisão.
Trata-se, portanto, de peça integrante de uma estratégia de campanha, e não apenas parte de uma operação desastrada realizada por um militante de organização de extrema-direita, como quer fazer crer o noticiário desta terça-feira.
O suposto responsável pela publicação, integrante de uma organização radical católica, está sendo responsabilizado por uma operação muito mais complexa do que simplesmente negociar a publicação de panfletos com uma gráfica.
O fato de o bispo de Guarulhos vir a público pedir desculpas “pelos transtornos causados” apenas confirma que uma importante autoridade eclesiástica esteve envolvida na trapalhada, o que afasta a possibilidade de a baixaria de campanha ser apenas responsabilidade de um militante aloprado.
Temos um sacerdote flagrado a semear a discórdia.
Mas com certeza a imprensa vai continuar embaralhando as cartas até que tudo acabe esquecido na gaveta do folclore político.
Os arquitetos do poder
A introdução do aborto como tema eleitoral, agora claramente identificada como uma iniciativa de católicos extremistas que foi amparada pelos coordenadores de campanha do candidato José Serra, transfere para um bando de alucinados um poder de persuasão que nunca tiveram enquanto desfilaram por aí com seus uniformes medievais e sua bandeiras.
Esses pesonagens caricatos, verdadeiras anomalias na sociedade contemporânea, não se diferenciam essencialmente daquilo que representam os talibãs no Afeganistão ou os radicais que se dizem muçulmanos no cenário internacional.
Têm direito a suas rezas, mas não podem ser tolerados como solapadores da democracia.
Não têm representatividade, mas a imprensa parece que os vê como protagonistas de peso no debate eleitoral, a julgar pela repercussão que conseguem para seu discurso obscurantista.
Muitos leitores devem estar se perguntando: afinal, política não é isso mesmo?
Essa confusão de acusações repetidas incessantemente até virarem verdade, essa mistura de assuntos sérios com preconceitos religiosos e a falta de racionalidade?
Sempre foi assim ou piorou nesta época da televisão em tempo real e da onipresente internet?
O Observatório da Imprensa na TV contribui para as reflexões do eleitorado, apresentando um trabalho documental da diretora Alessandra Aldé sobre as disputas eleitorais ao longo da história da nossa República.
Alberto Dines:
Como eram as eleições presidenciais no passado? Como foi a volta ao poder de Getúlio Vargas como presidente eleito depois de 15 anos de ditadura? E os truques de Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros? A edição desta noite do Observatório da Imprensa vai reproduzir trechos do documentário de longa metragem “Arquitetos do Poder” e discutir com a diretora, Alessandra Aldé, os precursores do marketing político, de Vargas a Lula, passando por Tancredo, Sarney, Collor, Itamar e FHC. Hoje, na TV-Brasil, em rede nacional, às 22 horas. Em S. Paulo pelo Canal 4 da Net e 181 da TVA.