O mau cheiro da impunidade
Transparência é a nova onda na imprensa.
Depois da denúncia generalizada do senador Jarbas Vasconcelos, do PMDB, contra seu próprio partido, e logo após a onda de indignação que varreu da corregedoria da Câmara o deputado Edmar Moreira – o senhor do castelo –, o Congresso Nacional revive promessas de reformas em suas práticas.
Não se surpreenda o leitor (e ouvinte) se dessas reformas acabar resultando mais uma conta para ser paga pelo contribuinte.
Depois das queixas generalizadas, inclusive de ministros e do próprio presidente da República, à persistência dos juros elevados, a Federação Brasileira de Bancos, Febraban, anuncia maior transparência no cálculo do chamado ‘spread’ – a diferença entre o custo de captação de dinheiro e o custo repassado ao cliente.
Com tamanho empenho do presidente da Febraban, Fábio Barbosa, em explicar o lucro dos bancos, não se surpreenda o leitor (e ouvinte) se de tanta transparência acabar sobrando uma contazinha adicional no seu extrato bancário.
Transparência, segundo a Folha de S.Paulo, foi o que andou faltando no controle da merenda servida nas escolas de São Paulo.
Depois que a imprensa denunciou irregularidades na licitação para escolha dos fornecedores, o prefeito Gilberto Kassab prometeu ser mais transparente.
Resultado de tanta transparência: a Folha descobriu que, durante todo o ano de 2008, foram feitas apenas três vistorias nas cantinas das escolas de toda a rede municipal.
No ano anterior, com a fiscalização funcionando, foi descoberto, por exemplo, que cozinheiras terceirizadas ganhavam prêmio de produtividade por economizar nas porções servidas às crianças.
O problema com tanta transparência é que o cidadão fica com a impressão de que tudo está sendo resolvido: que o Congresso Nacional vai eliminar as trambicagens, que os juros cobrados pelos bancos vão cair a níveis aceitáveis e que as crianças vão receber alimentação decente nas escolas.
Mas acontece que a imprensa não tem estrutura para manter a atenção em mais de dois ou três assuntos por vez.
Sem recursos de reportagem e investigação, os jornais são obrigados a abandonar alguns temas importantes no meio do caminho.
E permanece no ar o mau cheiro da impunidade.
Dois momentos da imprensa
O bom momento é a reportagem especial do Estado de S.Paulo sobre o Afeganistão.
O tema é quente, porque os analistas entendem que o Afeganistão será o grande desafio da política externa de Barack Obama.
Destaque-se o trabalho da enviada especial, Adriana Carranca, que conseguiu entrevistar um líder do Taleban e faz um retrato vivo da sociedade afegã sob o terror da guerra.
O mau momento é a cobertura do caso da advogada brasileira supostamente atacada por neonazistas na Suíça.
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
– A cobertura da mídia brasileira sobre o caso da advogada Paula Oliveira, supostamente atacada por neonazistas na semana passada, em Zurique (Suíça), se por um lado reiterou os riscos que a pressa descabida pode trazer ao jornalismo, de outro, teve o dom de jogar luz sobre uma questão há muito obscurecida em meio ao fascínio exercido pela velocidade da informação digital. Sobre esse assunto, aliás, a edição online deste Observatório traz um bom material para discussão.
O problema maior deste caso é que ele tinha tudo para transformar uma pauta quentíssima numa história idem. As fontes pareciam boas, as evidências convincentes, as imagens chocantes. O diabo é que todos esses elementos foram checados… à distância! A primeira notícia surgiu num blog jornalístico, na quarta-feira da semana passada, e ganhou repercussão nos telejornais da Rede Globo. Aí, virou assunto nacional – até que os repórteres fossem a campo e os primeiros desmentidos à versão original começassem a aparecer, na sexta-feira e no sábado. E então ficasse caracterizado o açodamento com que a mídia, principalmente a Globo, tratou o episódio.
Se nas edições de quarta e quinta o Jornal Nacional deitou e rolou nas chamadas bombásticas, na sexta, quando os desmentidos se impuseram, e ficasse claro que a história não era bem aquela, o carro-chefe do jornalismo global apenas os noticiou e ficou tudo por isso mesmo. Que belo exemplo daria o JN se o âncora pedisse desculpas no ar. Entraria para a história.