Um bom problema
É tema de manchetes gerais a decisão do governo de propor a cobrança do Imposto de Renda sobre os rendimentos de cadernetas de poupança nas aplicações superiores a R$ 50 mil.
A proposta ainda tem que passar pelo Congresso Nacional, mas o processo decisório revela como uma medida de caráter econômico sofre influências do entorno político, o que pode alterar até mesmo seu alcance e o seu significado.
No caso da poupança, claramente, a decisão da equipe econômica, referendada pelo presidente da República, foi induzida em parte pela campanha promovida por um partido de oposição, que vinha fazendo anúncios que mexiam com o velho temor do confisco.
Se vier a ser aprovada no Congresso, a taxação vai passar a ser aplicada a partir de 2010 e deve atingir apenas 1% dos poupadores, que são titulares de 40% do saldo total da caderneta de poupança.
Paralelamente, o governo pretende reduzir o Imposto de Renda incidente sobre os rendimentos dos fundos de investimento.
Conforme vem sendo noticiado pela imprensa, o impasse foi criado pela queda forte e progressiva da taxa básica de juros, que estava tornando a caderneta de poupança mais atraente do que os fundos de investimento.
A migração em massa de grandes investidores para a poupança poderia provocar um movimento especulativo e afetar o principal instrumento econômico da população de baixa renda.
Além disso, os recursos da poupança são destinados a financiar o mercado imobiliário e uma distorção poderia colocar em risco a disponibilidade de recursos para outras finalidades de crédito.
Reportagens, colunas e entrevisas com analistas, publicadas nesta quinta-feira, estão repletas de explicações satisfatórias para a medida tomada pela equipe econômica.
O que os jornais estão deixando um pouco de lado é o fato de que o problema que se tenta resolver com a taxação das maiores poupanças foi criado pela queda da taxa básica oficial de juros, que só tem sido possível por uma conjunção integrada de fatores positivos na economia.
O Brasil comemora dez anos de controle da inflação e estabilização econômica, que permitiram ao País desenvolver políticas sociais efetivas e se apresentar ao mercado global como um protagonista respeitável.
No fundo, o que falta ao noticiário é deixar claro que estamos falando de um bom problema: a medida abre caminho para novos cortes na taxa de juros.
A verdade do parlamento
Deputados da bancada ruralista derrubam na Comissão de Meio Ambiente da Câmara projeto que regulamenta a produção, rotulagem e comércio de agrotóxicos.
Essa nota curta, meio escondida numa coluna do Globo, fala muito mais sobre como funciona o Congresso Nacional do que o resto do noticiário político.
A chamada bancada ruralista, núcleo duro do que existe de mais conservador na política nacional, atua como uma tropa militar.
São parlamentares disciplinados, possuem recursos em abundância, contam sempre com a simpatia da imprensa.
E estão permanentemente a serviço de causas controversas, como as tentativas de aliviar a legislação de preservação do patrimônio ambiental do País.
A nota publicada nesta quinta-feira, sobre tema que mereceria muito mais atenção, é um símbolo da verdade que é omitida dos leitores: a bancada ruralista não representa necessariamente a agricultura brasileira. Ela representa a indústria de agrotóxicos.
Há cerca de dez anos, essa mesma bancada, com poucas alterações entre seus integrantes, formou a tropa de choque com a qual duas ou três indústrias químicas tentaram fazer passar uma legislação leniente sobre a liberação de sementes transgênicas.
Hoje os produtos transgênicos são uma praga cada vez mais ameaçadora sobre a agricultura tradicional e podem vir a colocar em risco, no curto prazo, a economia agrária do Brasil.
O Congresso é isso: um consórcio de interesses privados que se autodenomina representante da sociedade civil organizada.
Enquanto se limitar a criticar o nível dos parlamentares e se omitir do debate sobre a questão da representatividade do Congresso, a imprensa estará abordando apenas uma parte do problema político do Brasil.