Belo Monte de controvérsias
O Estado de S.Paulo desta quinta-feira informa, em tom de denúncia, que, a despeito de ter sido anunciada como uma obra a ser entregue à iniciativa privada, quem controla a formação da empresa que irá administrar o projeto da usina de Belo Monte é o governo federal.
A entrega da obra a empresas privadas foi a justificativa para que a composição do consórcio que deve fazer a construção fosse feita sem licitação, por meio de leilão. “Na prática, porém, o governo entregou a concessão para si mesmo”, afirma o jornal.
Seguem declarações anônimas de supostos representantes das empresas participantes do leilão, reforçando a tese de que quem manda é o governo.
Apesar da falta de manifestações oficiais das oito empresas participantes do consórcio vencedor, a reportagem é bastante convincente no sentido de informar que dois representantes do Executivo centralizam o processo de composição da empresa que vai explorar a hidrelétrica.
Analisada pelo olhar do jornal, a reportagem tem cunho negativo, uma vez que induz o leitor a acreditar que houve uma manobra para a realização do leilão e depois tomar o controle da iniciativa privada e transformar a usina em um projeto estatal.
Mas existem outras questões a serem observadas: o edital publicado no dia 19 de março determina que será criada uma sociedade de propósito específico para administrar a usina.
Essa entidade concessionária poderá ser constituída diretamente pelas empresas participantes do consórcio vencedor ou por uma segunda sociedade, sob a forma de holding.
Em qualquer dos casos, a entidade que receberá a concessão deverá ser regida por normas de governança corporativa transparentes, atendendo, no mínimo, às exigências do Novo Mercado da Bolsa de Valores de São Paulo.
É papel do jornal alertar o público sobre eventuais controvérsias em tudo que se relaciona a iniciativas governamentais, ainda mais em se tratando de um governo que, segundo a imprensa, tem a tendência à estatização.
Mas não se pode fugir do fato de que a imprensa brasileira, de modo geral, tende a demonizar as iniciativas de negócio do Estado.
O fato de que dois representantes do governo centralizam as decisões para fazer a obra caminhar é uma notícia de cunho político sobre um assunto econômico.
Detalhes tão pequenos
A imprensa se arrepia sempre que o Estado intervém na seara que – para o liberalismo ortodoxo rezado na maioria das redações – deveria ser terreno exclusivo do capital privado.
No entanto, a Constituição brasileira não adotou o liberalismo em sua concepção original, conforme lembram alguns juristas, como o professor Celso Antonio Fiorillo.
A legislação construída a partir de 1988 pode ter eventualmente pendido, em alguns casos, para os limites da orientação constitucional, mas o Brasil segue regulado pela tendência de o Estado estabelecer uma intervenção reguladora permanente na economia capitalista, disciplinando a atuação do capital.
Nesse sentido, a construção de uma usina hidrelétrica, ainda que em sistema de concessão para a iniciativa privada, não pode dispensar a presença do Estado, pelos evidentes compromissos ambientais e sociais da obra.
Resta à imprensa observar se esse controle não se desvia para interesses partidários ou de grupos de poder.
A evolução do capitalismo se dá no sentido do atendimento aos interesses da coletividade, não no aprimoramento dos interesses exclusivos do capital.
Esse é o mapa do processo civilizatório, desde antes da Revolução Industrial.
Assim, tem certo ranço reacionário o mal elaborado liberalismo presente na mídia de modo geral.
Os jornais não costumam explicar, por exemplo, os benefícios que proporcionam à sociedade as empresas estatais.
A respeito desse assunto, o jornal Valor Econômico trouxe, nesta quarta-feira, uma reportagem informando que os dividendos pagos por empresas estatais ao Tesouro Nacional cresceram 32 vezes entre 2007 e 2009.
Em 2010, afirma o jornal, os dividendos pagos pelas estatais serão suficientes para financiar todas as despesas do Bolsa Família.
Ou seja, o programa social que permite resgatar milhões de famílias da miséria não é mantido com impostos, como faz supor o noticiário em geral, mas pelos lucros das empresas estatais.
Essa reportagem do Valor Econômico ainda não foi digerida pelo resto da imprensa.