Onda liberal
A Mesa Diretora do Senado suspendeu o envio ao Conselho de Ética da sexta representação contra o senador Renan Calheiros.
Ao mesmo tempo, também foi arquivada a denúncia contra o senador do PSDB Eduardo Azeredo, acusado de se haver beneficiado de desvio de verba de estatais mineiras durante a campanha eleitoral de 1998.
As duas notícias, encontradas nos jornais de hoje, podem dar a impressão de que as instituições públicas estão relaxando na busca da Justiça.
Mas é mais do que isso. Trata-se de uma trégua entre o governo e oposição, para que o Senado possa superar um impasse surgido nos últimos meses e concluir a votação do projeto que prorroga a CPMF até 2011.
Acordo geral
A manchete do Globo é a mais explícita: ‘Senado livra Azeredo e ajuda PT a negociar CPMF com PSDB’.
O Estado de S.Paulo afirma que os tucanos negociam o caso Renan e a CPMF.
E a Folha é o único dos grandes jornais que separa as duas notícias na primeira página, como se uma não tivesse relação com a outra.
Mas junta os dois assuntos ao informar que o presidente Lula convocou o conselho político para fazer o acabamento na costura de um acordo que permita levar a CPMF à votação sem maiores riscos para o governo.
Jogo de cena
O Estadão garante que, a despeito de todos os discursos contrários, os governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas, Aécio Neves, negociam com o Planalto a manutenção da CPMF do jeito que está, como foi aprovada na Câmara dos Deputados, ou seja, sem previsão de redução da alíquota.
Serra e Aécio são os tucanos com maior chance de vir a disputar a sucessão do presidente Lula em 2010.
Além de não quererem perder a parte do tributo que lhes cabe na administração de seus Estados, eles estão de olho no Orçamento federal de 2011.
Qualquer um deles que tiver a chance de chegar ao Planalto acabará se vendo na mesma situação em que se encontra hoje o presidente Lula, de ter que negociar mais uma prorrogação da CPMF.
Em lugar desse jogo de cena, que vai se repetir daqui a três anos, o Congresso deveria mudar de uma vez o nome do tributo.
Na verdade, há muito tempo a CPMF deveria se chamar Confisco Permanente sobre a Movimentação Financeira.
Bom, diria o leitor, e Renan? Por que ele foi beneficiado?
Renan ganhou uma trégua em troca de continuar de licença por mais dez dias e não atrapalhar as negociações.
Arroz com feijão
O Globo traz hoje, no alto da primeira página, a notícia que deve interessar ao maior número de brasileiros: arroz com feijão está até 20% mais caro.
Não é sempre que os jornais acertam em escolher para destaques assuntos de interesse direto do leitor.
É o que comenta hoje Alberto Dines.
Dines:
– São raros os que lêem dois jornais no mesmo dia, mas os leitores que ontem compraram a Folha e o Estado de S.Paulo notaram que os dois jornalões escolheram a mesmíssima manchete de primeira página: ‘Remessa de lucros piora contas externas’. Será que não haveria fato mais relevante para destacar? A mistura de soda cáustica ao leite longa-vida em Minas não é mais grave do que uma alteração passageira nas contas externas do país que sequer afeta a economia real? É evidente que a duplicação de manchetes foi mera coincidência, mas é reveladora dos critérios que dominam nossas redações. Nossos jornalistas estão cada vez mais distanciados do que interessa realmente aos seus leitores, essa é a verdade. Um dos jornais de maior tiragem do país, O Dia do Rio de Janeiro, destacou o caso do leite misturado com soda cáustica e não porque seja um jornal sensacionalista, mas porque é mais sintonizado com o que importa na vida do leitor médio. As contas externas dizem respeito aos economistas, aos políticos, ao mercado financeiro e esses não compram jornal, alguém compra para eles. Se o jornalismo impresso está ameaçado de desaparecer, como anunciam os apocalípticos, seria conveniente que os editores de primeira página pensassem no que importa verdadeiramente ao cidadão comum antes de embarcar para o distante mundo das estatísticas econômicas.
Luciano:
Cobertura preguiçosa
Os jornais ainda não encontraram o eixo no caso que envolve a multinacional de tecnologia da informação Cisco Systems.
O noticiário vem fragmentado, dependente de vazamentos da Polícia Federal e sem continuidade.
A cobertura é menos intensa e parece interessar muito menos a imprensa brasileira do que os escândalos da política.
Se houvesse um esforço adicional de investigação, os jornais acabariam descobrindo que, na verdade, todos os escândalos se correspondem e, na maioria dos casos, os meios para lavagem de dinheiro e remessa ilegal de divisas para o exterior são comuns a todos eles.
Falta de interesse
Desde a operação Mãos Limpas, em que a Justiça italiana enfrentou a máfia, são conhecidos os esquemas internacionais que permitem a movimentação de dinheiro de origem criminosa entre os países.
No escândalo que envolve a Cisco, ou, como diz a empresa, suas distribuidoras no Brasil, seria conveniente que a imprensa buscasse aplicar o que seus repórteres aprenderam em casos semelhantes.
Mas o cenário geral é de desinteresse.
O Globo de hoje apenas registra, burocraticamente, que os dirigentes da Cisco e de empresas coligadas que tiveram bens bloqueados entraram com recurso na Justica Federal.
O Estado de S.Paulo, nem isso. O jornalão paulista não tem demonstrado o menor apetite pelo caso.
Agora vai
A única exceção é a Folha, que ontem trouxe a revelação de que um dos envolvidos, o empresário Emídio Cipriani, também foi citado no escândalo do Banestado sob suspeita de lavagem de dinheiro.
Como os leitores podem recordar, o caso Banestado, que produziu uma CPI e acabou em pizza por falta de acordo entre os partidos, apontava a participação de mais de uma centena de políticos, empresários e celebridades num gigantesco esquema de fraudes e remessa ilegal de dinheiro para o exterior.
Os outros jornai ignoraram o ‘furo’ da Folha.
Hoje, o jornal de maior circulação do País traz como manchete a suspeita de que a gravação de uma conversa telefônica pode sugerir que a Cisco teria doado 500 mil reais ao Partido dos Trabalhadores.
Quem sabe, com isso, o resto da imprensa resolva se interessar pelo caso a partir de amanhã.