Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

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Entre a tapioca e o caviar

Com destaques variados, os principais jornais embarcaram hoje no dossiê publicado pela revista Veja no final de semana.

Aparentemente, foram tangidos pelos acontecimentos da política, porque, se tivessem dado crédito à nova denúncia de Veja, já teriam destrinchando essa história em suas páginas nos primeiros dias da semana.

Como bem sabe o leitor, Veja afirma que o governo teria preparado um dossiê com supostos gastos irregulares do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso com cartões corporativos e contas especiais.

O governo nega, mas o barco segue.

Nas editorias de política, o PSDB anuncia que Fernando Henrique e a ex-primeira-dama Ruth Cardoso abrem mão do sigilo de seus gastos pessoais no período de oito anos em que ele exerceu a presidência da República.

A pressão agora será por atitude semelhante do atual presidente e sua família, e esse será o tema do Congresso Nacional nas próximas semanas.

Os jornais puderam desconfiar da veracidade do dossiê de Veja, por seus antecedentes, mas não podem ignorar o fato político de que a oposição tentará encurralar o governo e avivar a CPI dos gastos corporativos.

Embora o cidadão saiba de antemão qual é o destino provável de toda a celeuma e da própria CPI, já se pode contar com mais uma crise declaratória em Brasília.

Enquanto isso, nos Estados, governo e oposição consolidam alianças para as disputas eleitorais deste ano em muitos municípios.

E em Minas Gerais se desenha o entendimento entre o PT e o PSDB que pretende consolidar a candidatura do governador Aécio Neves à sucessão do presidente Lula da Silva.

Como o governo tem maioria folgada na CPI dos Cartões Corporativos, o fato real é que só vai entrar nas investigações oficiais aquilo que o governo quiser.

Mas vai sobrar muito material para declarações e denúncias com poucas chances de esclarecimento.

Como a CPI se refere a gastos no varejo, cada registro de despesa que vazar vai virar um prato cheio para a imprensa, sem que o leitor seja necessariamente habilitado a entender o que faz parte dos autos e o que é mera especulação.

Daqui a uns meses, no auge da disputa pelo poder municipal em todo o País, a agenda política do Brasil vai ser a guerra da tapioca contra o caviar.

Os coronéis eletrônicos

O Congresso Nacional continua se fingindo de morto e a imprensa ignora uma grave ilegalidade que envolve grande número de políticos do País.

Depois do escândalo que envolveu o senador Renan Calheiros pela suposta compra de emissoras de rádio em nome de terceiros, os jornais deixam passar batido um aspecto ainda mais grave da questão da propriedade dos meios de comunicação.

Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:

– Levantamento recém-divulgado pelo Epcom – Instituto de Pesquisas e Estudos em Comunicação – revela que 271 políticos brasileiros são sócios ou diretores de emissoras de rádio e televisão. Esse número corresponde apenas aos que possuem vínculo formal de controle sobre esses meios, não sendo consideradas aqui as relações indiretas – por intermédio de parentes ou ‘laranjas’ – dramaticamente comuns entre políticos e os meios de comunicação do País.

Este quadro promíscuo bate de frente com o artigo 54 da Constituição Federal, que veda a ocupantes de cargos eletivos o usufruto de concessões públicas – como é o caso da radiodifusão. Situações semelhantes já haviam sido detectadas por duas pesquisas realizadas pelo Instituto Projor, mantenedor deste Observatório: ‘Concessionários de radiodifusão no Congresso Nacional: ilegalidade e impedimento’ e ‘Rádios comunitárias: coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004)’, ambas coordenadas pelo professor Venício Lima.

Os dados do Epcom mostram que esses 271 políticos são sócios ou diretores de 348 emissoras de radiodifusão. Cento e quarenta e sete deles são prefeitos (54,24%), 48 (17,71%) são deputados federais, 20 (7,38%) senadores; 55 (20,3%) deputados estaduais e um governador.
É a glória para um ano eleitoral como este.