Apanhados em flagrante
Em meio às repercussões da aprovação, no Congresso Nacional, da reforma eleitoral de mentirinha, a Folha de S.Paulo faz o flagrante de um exemplo escandaloso sobre como funcionam os “lobbies” no Parlamento:
A reportagem do jornal paulista descobriu que dois deputados do partido Democratas, José Carlos Aleluia e Eduardo Sciarra, e um do PSDB, Eduardo Campos, apresentaram emendas aos projetos de regulamentação da exploração das reservas de petróleo do pré-sal que reproduzem textos de uma entidade que representa a indústria petroleira.
As emendas, apresentadas como de autoria dos parlamentares, foram na verdade clonadas de propostas elaboradas pelas empresas.
O jornal paulista identificou outras coincidências, revelando que os interesses das empresas estrangeiras estão representados em iniciativas de outros congressistas, entre eles o deputado paulista Arnaldo Jardim, do PPS, que vai presidir uma das comissões que vão analisar os projetos de um novo marco regulatório para o setor.
Entre as emendas encaminhadas pelo esquema encontram-se a proposta de fim do monopólio da Petrobrás na operação dos novos campos, a redução do poder da Petro-Sal, estatal que deve gerenciar a exploração das reservas recentemente descobertas, e o fim da exigência de que a Petrobrás tenha pelo menos 30% de participação nas novas áreas.
Pelo menos um dos deputados apanhados no “lobby” dissimulado afirmou que não recebe doações de indústrias petroleiras.
Tal afirmação não pode ser confirmada ou desmentida, dada a realidade das doações ocultas, que não só foram mantidas como se tornaram ainda mais obscuras na recente votação da lei eleitoral.
Segundo a Folha de S.Paulo, as empresas diretamente afetadas pelos projetos de lei que tratam da exploração das reservas do pré-sal fizeram nas eleições de 2006 doações oficiais superiores a R$ 28 milhões de reais.
Isso sem contar as doações ocultas.
Só no Senado, cerca de 30% dos eleitos em 2006 foram beneficiados com dinheiro das petroleiras.
Isso apesar de a legislação proibir que empresas estrangeiras façam doações em campanhas eleitorais.
A pergunta incômoda
A pergunta que não quer calar: quando se apresenta ao Brasil a oportunidade histórica de entrar para o clube dos exportadores de petróleo, com as descobertas recentes das maiores reservas do mundo, abrindo a perspectiva de recursos jamais sonhados, que interesses esses parlamentares irão representar no momento de definir as regras para a exploração do pré-sal?
Quando elaborou os projetos que devem regular a extração das imensas reservas descobertas em grandes profundidades, o governo brasileiro adotou a estratégia que qualquer outro país escolheria: assegurar o controle nacional sobre sua riqueza, determinar que uma parte substancial dos resultados seja aplicada em programas de desenvolvimento social e reorganizar os benefícios representados pelos “royalties” para evitar distorções na distribuição da receita do petróleo entre os Estados.
E como a imprensa tem reagido ao modelo proposto pelo governo?
A primeira evidência é de que os jornais se guiam basicamente por seus pressupostos ideológicos, ou seja, tendem a rejeitar o monopólio da Petrobrás e simpatizam com a tese da livre concorrência entre todas as empresas petroleiras.
Além disso, cada jornal defende os interesses do seu Estado na partilha dos royalties.
A história da Opep – Organização dos Países Exportadores de Petróleo – revela claramente que não existe tal livre concorrência em nenhum lugar do mundo.
A realidade do setor tem sido o jogo sujo, que inclui o desvio de petróleo, pirataria e golpes de poder, com episódios dos quais a invasão do Iraque é apenas o caso mais notório.
Com a possibilidade de também se consolidar como principal fornecedor de combustíveis de origem vegetal, o Brasil precisa de uma estratégia de longo prazo que leve em conta principalmente a necessidade de uma política de respeito ao meio ambiente, elemento ausente na história da indústria petroleira.
Esse cenário complexo, que não cabe num programa de rádio ou num blog de internet, precisa ser levado em conta nos debates que a proposta de regulamentação vai suscitar no Congresso.
A revelação da Folha de S.Paulo é um grande serviço à sociedade, na medida em que demonstra como uma reforma eleitoral mal feita pode colocar o País na condição de refém em sua própria casa legislativa.