Os sobrenomes da corrupção
A imprensa brasileira tem uma ótima oportunidade para desmentir as acusações de que usa dois pesos e duas medidas para noticiar casos de corrupção.
Depois de investir durante meses no acompanhamento do caso dos cartões corporativos, os jornais têm agora a oportunidade de contar outra história de desvios na administração pública, mas do outro lado do ringue político.
Enquanto vai à mesa a pizza dos cartões, começa a ganhar espaço o caso da Alstom, empresa de origem francesa acusada de pagar propina para fazer negócios com governos de vários países.
A Folha de S.Paulo faz hoje um apanhado do escândalo, para ajudar o leitor a entender a história.
A primeira notícia sobre as práticas da Alstom, segundo o jornal paulista, foi publicada no início de maio pelo Wall Street Journal, de Nova York, revelando que os Ministérios Públicos da França e da Suíça tinham documentos provando que a multinacional teria pago propina para ganhar uma licitação de venda de trens para o metrô de São Paulo.
Quando a notícia foi reproduzida no Brasil pelo jornal Valor Econômico, a companhia do Metrô anunciou que estava analisando os contratos com a empresa francesa feitos entre 1995 e 2003.
Do início de maio para cá, o caso freqüentou irregularmente o noticiário, principalmente por iniciativa da Folha.
Ontem, o Estado de S.Paulo revelou que a Alstom havia pago viagem à Copa de 1998 para o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado Robson Marinho, ex-deputado que foi chefe da Casa Civil no governo Covas, entre 1995 e 1997.
A Folha cita hoje o ‘furo’ do concorrente, ato de elegância incomum na imprensa brasileira.
E as últimas notícias dão conta de que a bancada governista na Assembléia Legislativa está bloqueando a convocação de suspeitos para depor na CPI que investiga o escândalo.
Nada que já não tenha sido visto em outros plenários.
Por enquanto, os jornais paulistas não podem ser acusados de favorecer este ou aquele no escândalo da Alstom.
Mas não custa observar. Afinal, a pauta da corrupção nunca entra em recesso.
Aliás, que fim levou o caso da CDHU, a companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo?
Há um inquérito sobre crime de improbidade administrativa dormindo na gaveta do secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo.
Algum repórter se habilita?
Jornalismo em tempos de guerra
O caso dos repórteres do jornal O Dia, que foram presos e torturados por milicianos e policiais que dominam favelas do Rio, coloca em questão um tema que anda distante dos debates sobre a prática do jornalismo: o direito de ir e vir dos profissionais de imprensa e os limites do envolvimento em situações de risco.
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
– O episódio de seqüestro e tortura a que foi submetida uma equipe do jornal O Dia, do Rio – ocorrido em 14 de maio e só revelado no último fim de semana – reacende a discussão sobre os limites da atuação dos jornalistas na produção de matérias de risco.
Repórter, fotógrafo e motorista do jornal estavam morando havia duas semanas em casa alugada na Favela do Batan, no bairro do Realengo, onde apuravam matéria sobre a convivência dos moradores com as milícias que infestam esta e outras favelas do Rio. Milícias, como se sabe, são os grupos armados que se contrapõem aos traficantes utilizando-se de métodos em tudo semelhantes àqueles dos que dizem combater.
É claro que a prática da reportagem será sempre bem-vinda, sobretudo nesses tempos de jornalismo declaratório e apuração por telefone. Evidente também que não se poderá retratar o estado de terror vivido numa favela contando com releases do narcotráfico ou com declarações de milicianos resguardados pelo off. Quanto mais reportagem, melhor. Mas o que é preciso conhecer são as garantias de segurança que um veículo é capaz de oferecer aos seus profissionais envolvidos em matérias de risco. E isso o material sobre o caso publicado por O Dia não deixou claro. Falhas houve – mesmo porque, segundo o jornal, os milicianos conheciam detalhes da vida pessoal dos reféns. Pautas como essa não podem admitir qualquer imprudência, muito menos negligência, nem do repórter nem das chefias. Boa vontade apenas não basta.