Canibalização é uma palavra que preocupa a direção dos principais jornais do Rio de Janeiro, principalmente diante do fenômeno de lançamento dos populares compactos, definição dada para os tablóides, voltados para a classe C e D. O Infoglobo acaba de lançar um novo periódico, Expresso da Informação – o sobrenome foi incluído para diferenciá-lo do jornal português Expresso. Na entrevista a seguir, o diretor-executivo Agostinho Vieira toma o cuidado em blindar o diário Extra, do mesmo grupo, líder do segmento popular entre os jornais do Rio. A primeira preocupação de Vieira é situar o Extra num segmento diferente do Expresso: um é popular, o outro ‘popular compacto’. Promoções diferenciadas, anunciantes específicos e campanha publicitária tímida para o novo lançamento reforçam essa estratégia.
Agostinho Vieira negou que o lançamento do Expresso tenha a ver com o fato de o Meia Hora, do grupo O Dia, ter passado da média 100 mil exemplares vendidos por dia, o que teria provocado queda de 20% na circulação do Extra. Ele garante que o maior dano não passou de 7%, em dezembro de 2005. O pequeno abalo foi superado, segundo Vieira, pois as vendas do Extra hoje são superiores ao período anterior ao lançamento do Meia Hora. O diretor afirmou que o Infoglobo começou a estudar a possibilidade de lançar mais um jornal em 2004, diante do fenômeno dos populares compactos e gratuitos na Europa e nos Estados Unidos. ‘Se fosse só por causa do Meia Hora não precisaríamos ter lançado o Expresso. Nosso objetivo é conquistar os não-leitores das classes C e D, que aumentaram o poder de consumo’, disse. Sua entrevista:
***
Dez pessoas fazem parte da equipe do Expresso: um editor, dois subeditores, quatro redatores, dois diagramadores e um tratador de imagem. Ninguém tem a função de repórter. Como o jornal pretende se diferenciar de outros produtos do Infoglobo?
Agostinho Vieira – A manchete de hoje [segunda, 27/3] (‘Ele [referência ao traficante Periquito, cuja foto está abaixo do título] e mais 10 mataram Priscila Belfort’) foi um furo do Expresso.
[Nota do OI: A matéria não está assinada no jornal Expresso. No Globo Online e no Extra, ela está assinada por Marcos Nunes (do Extra) e vários trechos estão iguais ao que foi publicado no Expresso. A explicação do editor responsável do Expresso, Marcelo Senna, é que a matéria foi feita ‘com exclusividade’ para o Expresso por um repórter do Extra, mas por força do processo de sinergia ela também foi usada no Extra e no Globo Online]
A iniciativa de lançar o Expresso tem a ver com o fato do Meia Hora ter passado da média de 100 mil exemplares vendidos por dia?
A.V. – Começamos a estudar o mercado de jornais populares compactos e tablóides gratuitos há mais de um ano. Em 2004, Eucimar de Oliveira [então diretor de redação do Extra e atual diretor editorial de Mídia Impressa de O Dia] começou a pilotar esse projeto. Depois, fiz viagens para a Espanha e certifiquei que as contas dos jornais gratuitos não fecham. Elas dão prejuízos por três ou quatro anos.
O Expresso foi lançado baseado no fato de que o consumo das classes C e D passou de 97 bilhões de reais, em 2004, para 137 bilhões de reais, em 2005. As pessoas dessas classes compram de tudo, menos jornal. Aliás, não compravam por falta de tempo, por falta de preço, por falta de produtos dirigidos para elas. Se fosse por causa do Meia Hora, não precisaríamos lançar um novo produto. Pretendemos assumir a liderança do mercado neste segmento em um ano, no máximo. A maior parte dos leitores do Expresso, cerca de 70%, será formada entre pessoas que hoje não lêem jornais.
Informações que circulavam no mercado davam conta que o Expresso custaria 25 centavos, seguindo o exemplo do mercado de Belo Horizonte. O que elevou o preço de capa para 50 centavos?
A.V. – Não vale a pena lançar um jornal compacto a 25 centavos. As pesquisas mostram que a ‘alavancagem’ da circulação não seria grande, apenas 10% a mais do que a venda a 50 centavos. Seria mais difícil fechar a conta, teríamos que aumentar o preço de capa em pouco tempo, desagradando o leitor. Além disso, O Dia nos poderia acusar de jogar o preço lá para baixo.
Por que o jornal foi lançado de forma tímida, sem usar a TV Globo, por exemplo? Foi uma decisão do Infoglobo ou da agência Contemporânea, responsável pela conta do novo produto?
A.V. – O tema da campanha é ‘Direto ao que interessa’. Decidimos que por ser um produto diferente utilizaríamos campanha de rua – busdoor, trem adesivado, rádio. Escolhemos o rádio porque é o veículo mais utilizado pelas classes C e D. O novo veículo não comporta propaganda na televisão.
Vocês anunciaram que a tiragem do primeiro número do Expresso foi de 100 mil exemplares. Dificilmente conseguirão vender tudo, pois a campanha publicitária está sendo deslanchada praticamente agora. Vocês também distribuíram jornais gratuitamente?
A.V. – Dos 100 mil exemplares, 5 a 8 mil foram distribuídos em áreas de grande circulação. O objetivo dessa medida é gerar a experimentação dos dois produtos pelos leitores.
Que tipos de promoções o jornal fará? Terá cupons e distribuirá colecionáveis?
A.V. – Não haverá promoções iguais às do Extra. O máximo que faremos será parecido com o rádio. Ligue e ganha um brinde (a primeira edição do Expresso trouxe a seguinte promoção: os 20 primeiros leitores que ligarem das 10h às 10h05, para o jornal, ganham um kit com uma camiseta, uma garrafinha e uma caneta).
Qual o risco de os populares compactos canibalizarem os populares maiores? O que o Infoglobo está fazendo para evitar isto?
A.V. – O produto que lançamos é um produto egoísta. É para a pessoa ler sozinha no transporte. Ler no ônibus entre Santa Cruz e o centro do Rio (65 km de distância), em 40 ou 50 minutos. É um produto voltado para um outro público. Não é um jornal para família. Jornais para as famílias, mais completos, são O Globo e Extra.
Como estão as vendas do Extra, comparando o período antes e depois do lançamento do Meia Hora, em setembro de 2005?
A.V. – Em julho, agosto e setembro de 2005, a média diária de venda do Extra era de 263 mil exemplares. O Meia Hora foi lançado em 19 de setembro. Nos meses seguintes, as médias foram de 255 mil (outubro), 230 mil (novembro), 192 mil (dezembro), 214 mil (janeiro de 2006), 236 mil (fevereiro) e 272 mil (março). Vendemos em março mais do que vendíamos antes do Meia Hora.
Mas a vendagem de dezembro caiu muito…
A.V. – Em dezembro, vendemos menos 46 mil exemplares do que a média mensal de vendas, que é de aproximadamente 238 mil jornais. Deixamos de vender 25 mil exemplares (10,5%) por conta do fim da ‘cuponagem’ (promoção que utiliza cupons); 4 mil (1,68%) estão relacionados à sazonalidade; e 17 mil (7,14%), com o Meia Hora. Vale lembrar que em dezembro todos os jornais caem.
O site Blue Bus publicou que o Meia Hora é cópia do Extra e que o Expresso é cópia do Meia Hora. Você concorda com isso?
A.V. – Não. O nosso editor de arte demonstrou que o Meia Hora tinha as mesmas cores e tipologia do Extra. Em muitos casos, as cópias eram idênticas. Não é o nosso caso, temos paletas de cores diferentes e tipologias bem distintas. As cores do logotipo são vermelhas e brancas. As faixas em torno dele, que hoje saíram pretas, podem mudar de cor a cada edição. Podem ser verde e amarela, se o Brasil ganhar a Copa. Ou mudarem para azul em qualquer ocasião. De igual temos o formato e o conteúdo. No mais, nosso produto é melhor. Fazemos produtos melhores em todos os segmentos (quality paper, popular e popular compacto).
Os anúncios indeterminados e os classificados do Expresso também serão publicados no Extra, no Globo e nos sites do Infoglobo?
A.V. – Não teremos vendas casadas. Nosso jornal é feito para se pagar com a circulação. Teremos entre 32 e 40 páginas (24 editoriais e anúncios e classificados variando entre 8 e 16 páginas). Queremos atrair novos e pequenos anunciantes. Na sexta-feira, por exemplo, recusei duas páginas de anúncios do Ponto Frio para o Expresso.
O jornal circulará aos fins de semana?
A.V. – Não. O Expresso é para ser lido nos transportes, nos dias de semana.
O jornal O Dia tem contrato de exclusividade com a Supervia (concessionária que explora as linhas de trens para os subúrbios e cidades periféricas) para venda dos jornais O Dia e Meia Hora? O que você acha disso, já que citou que o Expresso é um jornal para ser lido nos meios de transportes? O Infoglobo tem acordos semelhantes?
A.V. – Não faz sentido para a Supervia manter um acordo de exclusividade. Eles estão perdendo dinheiro. Estamos vendendo nossos jornais do lado de fora das estações e negociando para poder fazer o mesmo nas áreas da empresa. Hoje este é um diferencial de curto prazo para O Dia e o Meia Hora. Nossos jornais têm acordo semelhante com o Metrô, mas está abrindo mão dele.
Há algum tempo, fizemos um acordo com as empresas de ônibus para que jornais do Infoglobo e de O Dia fossem vendidos pelos trocadores de ônibus, que perderam suas funções com o Riocard [cartão eletrônico de passagens]. O Dia acabou desistindo da experiência. Hoje, nossos jornais são vendidos em mil ônibus. Acreditamos que o nosso diferencial é a qualidade e o conteúdo.
O processo de qualificação de O Dia ameaça O Globo?
A.V. – Torço para O Dia e espero que ele cresça para o mercado do Rio ficar mais forte. Eles estão reforçando o jornal com bons colunistas: o Dácio [Malta, ex-diretor da sucursal de Brasília do Globo e ex-diretor de redação de O Dia, responsável pelo processo de qualificação do jornal entre 1987 e 1990], o Ricardo Boechat [ex-colunista do Globo]. O Globo levou entre 20 e 30 anos para ocupar o espaço do Jornal do Brasil, que havia levado quase o mesmo tempo para se igualar ao Correio da Manhã. Contratar cinco ou seis colunistas e mudar a capa ainda é pouco.
******
Jornalista, professor da Universidade Estácio de Sá e coordenador da Escola Popular de Comunicação Crítica