Rompendo o bloqueio
A seqüência do noticiário sobre o bloqueio e confisco dos seis navios que levavam ajuda humanitária à Faixa de Gaza revela que o governo de Israel foi obrigado a recuar diante da repercussão negativa do incidente.
Mesmo com o esforço americano para amenizar a linguagem da declaração do Conselho de Segurança da ONU, registre-se que, pela primeira vez na História recente dos conflitos no Oriente Médio, o noticiário produzido pela imprensa chega próximo de um ponto de equilíbrio.
A decisão do governo israelense de deportar rapidamente todos os ativistas detidos nas embarcações é também um sinal dos tempos.
Que tempos são esses, só o tempo dirá.
A julgar pela ampla coleção de artigos e reportagens que invade a internet desde a tarde de segunda-feira, a ação atabalhoada e sangrenta dos militares israelenses apressou o objetivo dos manifestantes: pressionado pelos fatos, o governo do Egito decidiu reabrir a passagem de Rafah, permitindo que muitas famílias de palestinos se reencontrem e rompendo o isolamento dos moradores de Gaza.
Mas não só de atos de boa-vontade é feito o dia seguinte.
Também são colhidas análises perturbadoras sobre o que se passa no cenário atual do mais velho conflito da humanidade.
Segundo o jornalista Gilles Lapouge, do Estadão, decano dos comentaristas internacionais, o exército de Israel vem sendo controlado progressivamente por oficiais alinhados com os grupos religiosos radicais que se opõem aos esforços de paz.
Na Folha, o escritor israelense Amós Oz condena a constante escolha dos sucessivos governos de Israel, desde 1967, pelo uso da força.
Outros artigos publicados por jornais de papel ou na internet apontam para decisões irracionais tomadas por governantes, sob pressão de fanáticos religiosos.
De repente, a violência protagonizada por militares israelenses contra um grupo de pacifistas pode fazer muito mais pela paz do que as muitas reuniões de cúpula realizadas na ONU.
Basta que a imprensa retrate os fatos como eles ocorrem, para que o mundo reconheça a urgência de se garantir aos palestinos um estado independente, com fronteiras definidas e seguras.
Os pacifistas que enfrentaram os militares israelenses furaram não apenas o bloqueio da faixa de Gaza. Romperam também alguns velhos muros da imprensa.
Demonizando a concorrência
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
– Está em curso uma briga de cachorros grandes. Os protagonistas são um tradicional conglomerado de mídia brasileiro e um emergente e voraz grupo de mídia português. De um lado as Organizações Globo, controladoras um império multimídia com presença acachapante em todo o território nacional e muitas operações no exterior; do outro, a Ongoing, empresa lusitana que marca presença no país desde outubro do ano passado, quando lançou o diário Brasil Econômico e demonstrou a que veio ao comprar os três jornais do grupo carioca O Dia, levando de quebra uma licença para operar uma TV por assinatura. Na ocasião, a Ongoing manifestou interesse em também lançar um jornal diário em Brasília.
Novo movimento deu-se na primeira quinzena do mês passado, quando a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) protocolaram uma representação junto à Procuradoria Geral da República pedindo investigação sobre a atuação de empresas estrangeiras no mercado jornalístico brasileiro. Sobrou para a Ongoing, além do portal Terra, vinculado ao grupo espanhol Telefonica.
O argumento dos empresários brasileiros é a observância do artigo 222 da Constituição Federal, que prevê um limite de 30% no controle de grupos estrangeiros sobre empresas jornalísticas nacionais.
Na sequência desse embate, ontem o jornal O Globo repercutiu – quem diria! – matéria publicada em um blog. O jornalista Fernão Lara Mesquita, titular do blog Vespeiro.com, começou a publicar na segunda-feira uma série sob o título “O jogo do poder mundial”. O que fez O Globo? Em matéria “da casa”, sem assinatura, em página ímpar e com título em seis colunas (“Jornalista desvenda interesses de grupo português na mídia”), o jornal faz eco à investigação produzida por Fernão Mesquita sobre a marcha batida das empresas de telecomunicações sobre o negócio jornalístico, em especial da portuguesa PT Telecom, da qual a Ongoing é sócia, embora minoritária.
É uma disputa que ainda reserva fortes emoções. A ver os próximos lances.
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