Descobrindo o óbvio
Segundo aFolha de S.Paulo, o secretário paulista da Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto, descobriu que a corrupção policial incita o crime.
Esse é o título da reportagem que abre o caderno Cotidiano desta sexta-feira.
A afirmação, que lembra o Conselheiro Acácio, personagem imortal de Machado de Assis, pode ter sido um erro de interpretação do jornal, mas aponta para um fenômeno que se observa há cerca de duas décadas: a imprensa abandonou o jornalismo investigativo, afastou-se de suas fontes no interior do sistema institucional e perdeu a capacidade de interpretar sinais do dia a dia que apontam para a evolução de problemas sociais como a criminalidade.
É claro que a corrupção policial incita o crime, e uma afirmação dessas não se presta a título de reportagem.
A notícia verdadeira é que o novo secretário de Segurança está convencido de que a corrupção policial, no Estado de São Paulo, chegou a tal ponto que coloca sob risco a eficiência da própria polícia.
Pelo menos foi isso que ele declarou à Folha, apontando os fatos.
Depois do escândalo envolvendo o ex-secretário adjunto de Segurança Lauro Malheiros Neto, acusado de participar de um esquema de achaques a líderes de uma organização criminosa e de cobrar propina para aliviar a situação de policiais investigados pela corregedoria, a polícia paulista precisava de um choque de ordem.
Esse é o sentido da reportagem da Folha.
Mas como aqui tratamos de imprensa e não da administração pública, convém observar que a reportagem da Folha faz um retrato escabroso da situação da segurança pública no Estado.
Mas chama a atenção a aparente surpresa do jornal com o grau de comprometimento da estrutura policial com o crime, fato de amplo conhecimento de qualquer cidadão que tenha tido necessidade dos serviços de segurança pública nos últimos anos, especialmente nos bairros periféricos.
Se ainda tivesse repórteres investigativos, a imprensa não precisaria de declarações de autoridades para informar seus leitores sobre a grave situação.
A corrupção policial é uma realidade nacional.
Além da Folha, também o Estado de S.Paulo e o Globo trazem nesta sexta-feira reportagens sobre o envolvimento de policiais com o crime em Brasília e no Rio de Janeiro.
A rigor, em muitos Estados parte da polícia se associou ao crime organizado, quando não é a própria responsável por sua organização.
A reportagem da Folha, que reproduz uma extensa radiografia do problema em São Paulo, oferecida pelo secretário da Segurança, é apenas um enunciado.
A imprensa precisa retomar a prática do jornalismo investigativo para ajudar a sociedade a entender e combater o problema em sua totalidade.
O vale tudo das concessões
Alberto Dines:
– A mídia já começou a espernear diante do anúncio da concessão de duas emissoras de TV e duas de rádio ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC: a Folha de S. Paulo disparou a primeira salva de tiros em sua edição de ontem, rádios e portais da internet acompanharam o caso, a onda promete crescer.
É um caso inédito, disso não há dúvidas. Mas apesar do concessionário ser um sindicato de trabalhadores o ato não se diferencia das centenas de licenças para emissoras de rádio e TV outorgadas ou renovadas periodicamente em benefício de deputados, senadores ou de seus laranjas e apaniguados.
O sistema é o mesmo: equivocado e irregular. Ignora a isonomia, o pluralismo, ignora principalmente a necessidade de estabelecer uma política capaz de regular definitivamente as concessões de radiodifusão. Dá no mesmo oferecer uma TV educativa a um sindicato ou ao dono de um curral eleitoral no interior. Ambos constituem privilégios.
O governo precisa decidir se deseja mesmo uma doutrina para corrigir as atuais aberrações no sistema de concessões de rádio e TV ou se pretende mantê-las. Convocou para o final do ano a primeira Conferência Nacional de Comunicação, cuja agenda prevê uma discussão em profundidade sobre as iniqüidades que reinam em nossa mídia eletrônica e poucos meses antes faz esta farta distribuição de presentes.
Precisamos desconcentrar nossa mídia, isso é imperioso, mas não às custas deste tipo de ambigüidade que confunde a sociedade, confunde o cidadão e reforça a impressão de que no Brasil vale tudo, desde que os beneficiários sejam da turma da “gente boa”.