Uma nova chance para o mercado
A imprensa brasileira caprichou na cobertuda das negociações para a criação do pacote de ajuda ao mercado financeiro, negociado no Congresso dos Estados Unidos durante o final de semana.
Até mesmo a revista Veja, que na semana anterior se saíra com uma edição precipitada, desta vez faz um trabalho mais cuidadoso e menos especulativo.
Mas o melhor que oferece ainda é um ‘dicionário da crise’, que o leitor pode encontrar facilmente na internet.
Mesmo assim é um passo adiante, para quem na semana passada comparava o socorro prometido pelo governo americano à chegada triunfal da cavalaria.
O acordo anunciado, que ainda deve ser votado hoje pelo Congresso americano, repete de modo geral a proposta original do governo Bush, com a inclusão de algumas medidas de proteção aos contribuintes.
Também foram adicionados alguns controles adicionais ao sistema de apostas com dinheiro alheio que se transformou em fábrica de fortunas: os executivos que tomam decisões arriscadas – com o dinheiro dos outros – vão deixar de ganhar os bônus exagerados que sempre estimularam a pirotecnia financeira.
Os jornais de hoje são uma coletânea das notas que se empilharam durante o domingo nos sites que acompanharam as negociações entre representantes dos partidos Democrata e Republicano e as autoridades financeiras de Washington.
De maneira geral, o noticiário é otimista.
Talvez exageradamente otimista.
Não é função da imprensa garantir a racionalidade do mercado financeiro, mas, se ainda lhe resta alguma influência, talvez fosse o caso de se discutir o modo com o sistema se organiza.
Na essência, o noticiário ainda dá mais importância aos ganhos de curto prazo, uma visão que estimula especulações.
De modo geral, a imprensa abre a semana com uma mensagem de alívio, que, no entanto, pode ser confundida com um sinal verde para a retomada da febre dos lucros.
A rigor, o pacote faz alguns ajustes, mas a lógica do sistema segue sendo a acumulação de ganhos sem relações obrigatórias com o desempenho da economia real.
Mas a imprensa não costuma discutir o sistema.
O perigo da euforia
Alberto Dines:
– O anúncio do acordo para votar o plano de salvamento do sistema financeiro americano deve excitar as bolsas mundiais. Se a Câmara dos Representantes aprová-lo no fim da tarde e o Senado referendá-lo na quarta-feira a excitação corre o risco de transformar-se em euforia.
Nesta possível euforia é que reside o perigo. Em primeiro lugar por que este salvamento não reverteu o naufrágio do sistema financeiro mundial, apenas o interrompeu. Em segundo lugar, porque ultimamente tudo o que tem acontecido de ruim na economia americana e em seguida na mundial, origina-se numa exuberância que nada tem de irracional, é puramente especulativa: os que perderam querem diminuir o prejuízo, os que ganharam querem ganhar um pouco mais.
Quem fabrica as euforias costuma ser a imprensa. Não apenas através da vibração obtida com o abuso de verbos fortes, impactantes, mas, sobretudo através de um olhar acrítico. Em nenhum manual de jornalismo está escrito que os profissionais de imprensa têm a obrigação de acompanhar ou acionar os delírios otimistas. Ao contrário: na condição de fiscal a serviço da sociedade, cabe à mídia assumir uma posição ostensivamente crítica, cética, contrária aos arrebatamentos, prudente. A imprensa pode até especular – no sentido de conjecturar – mas não tem o direito de estimular a especulação financeira.
Boas notícias tornam mais felizes os leitores, ouvintes e telespectadores, mas esta felicidade não pode ser confundida com falácia. Anunciantes gostam do clima otimista, obviamente porque este otimismo estimula as vendas e aumenta o faturamento publicitário.
A função dos meios de comunicação, porém, não é a de servir como promotora de vendas, seu compromisso é com a difusão do bom senso. Vender ilusões na beira do abismo pode render alguns dividendos, mas geralmente acaba com a credibilidade daqueles que não quiseram ou não souberam emitir os sinais corretos no momento apropriado.