Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>A imprensa perdeu
>>Dissimulando a derrota

A imprensa perdeu

Os principais jornais do País anunciam a vitória da candidata petista Dilma Rousseff como a última obra do presidente Lula da Silva.

O Estado de S.Paulo é o mais explícito: “A vitória de Lula”, diz a manchete.

O Globo se arrisca em adivinhações: “Lula elege Dilma e aliados já articulam sua volta em 2014”, diz o jornal carioca.

A intenção é claramente minimizar o cacife político da presidente eleita.

Já a Folha destaca o fato de o Brasil ter escolhido a primeira mulher “e primeira ex-guerrilheira” para a Presidência da República.

Lendo as edições do domingo e desta segunda-feira, alguém que estivesse desembarcando no Brasil depois de três meses de viagem nem chegaria a desconfiar que a imprensa havia sido, até a véspera, protagonista das mais ativas na campanha eleitoral.
 
Os jornais inauguram a semana pós-eleitoral com cara de jornais, não dos panfletos em que se transformaram nos últimos meses.

Cada um conforme seus recursos, os diários tentam interpretar a vontade das urnas e adivinhar o que virá a ser o futuro governo.

No entanto, alguns pontos em comum podem ser ressaltados.

A chamada grande imprensa procura afirmar que a oposição, apesar de derrotada na eleição principal, cresceu em número de eleitores, mesmo perdendo na maioria dos estados.

A maioria feita pela candidata governista no Congresso Nacional seria equilibrada pela eleição de governadores oposicionistas nos estados mais populosos, segundo interpretam os jornais.
 
Como sempre, o viés ideológico direciona as escolhas da imprensa, que perdeu a disposição para arriscar opiniões fora da sua própria caixinha de convicções.

Basta lembrar como foi a manada de adesões ao governo central nas duas eleições do presidente Lula da Silva para colocar em dúvida as afirmações dos jornais sobre a suposta solidez do bloco oposicionista.

Com o histórico do adesismo que marca a República desde a redemocratização, parece arriscado demais apostar em configurações de forças políticas com base no resultado quente das urnas.

No caso, essas análises representam muito mais a manifestação dos desejos da imprensa, de não parecer assim tão derrotada pela realidade da votação, do que a expressão de uma visão realista do resultado eleitoral.
 
Dissimulando a derrota

Os jornais citam o desgaste que foi produzido nas bases da oposição por conta de divergências entre o candidato derrotado, José Serra, e o senador eleito de Minas Gerais Aécio Neves, considerado por analistas do próprio PSDB como o grande trunfo desperdiçado pela campanha oposicionista.

Sobram indícios de que os dois personagens criaram um fosso intransponível entre si, e que daqui para a frente a consolidação da carreira de Aécio Neves implica na diminuição do papel a ser exercido por Serra.

Some-se a isso o fato de que Serra também tem divergências com o governador eleito de São Paulo, Geraldo Alckmin, para se construir uma análise muito menos animadora sobre o seu futuro como líder da oposição.
 
Além disso, ainda resta dentro do armário o esqueleto do suposto dossiê que teria sido montado no período da escolha do candidato do PSDB, e que teve como objetos de bisbilhotices pessoas ligadas a José Serra.

Serra perdeu em Minas Gerais e ninguém sabe quanto desses votos foram para a candidata oposicionista como vingança dos mineiros pela maneira como ele passou por cima das ambições políticas de Aécio Neves.

A imprensa também destaca que o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, anda fazendo planos para se descolar de seus padrinhos políticos e prepara o lançamento de um novo partido, montado com os restos da liderança do peemedebista Orestes Quércia no estado.
 
Assim, em poucas linhas, pode-se observar que os principais jornais do País, que tiveram praticamente todo o final de semana para preparar suas análises pós-eleitorais, perderam a oportunidade de surpreender o eleitor explorando as amplas possibilidades que se armam nas relações políticas com a vitória de uma candidata que nunca havia disputado uma eleição, cuja biografia tinha tudo para reduzir suas chances de vitória – dado o conhecido conservadorismo da imprensa e de grande parte do eleitorado – e que foi vítima de uma campanha sórdida e preconceituosa.

Não há como dissimular o papel da imprensa tradicional no jogo sujo que termina.

Também fica difícil disfarçar o ressentimento da imprensa com o resultado das urnas.

Não há análise, por mais que se pretenda distanciada, que esconda o fato de que a imprensa tradicional foi fragorosamente derrotada nestas eleições.