Navalha num mosaico
As emissoras de televisão fizeram, como é de sua natureza, uma síntese da Operação Navalha. Os jornais hoje mostram diversidade na apuração e no estabelecimento de vínculos entre as partes do quebra-cabeças em que se fragmenta o velhíssimo binômio brasileiro da política com as obras públicas.
No Terra Magazine, Bob Fernandes fez ontem um primeiro e meritório ensaio para ligar os personagens num relato que colhe também esquemas das duas últimas décadas. Remonta à atividade de PC Farias na campanha de Fernando Collor para a presidência da República, em 1989.
Mas é tarefa que ultrapassa as limitações da imprensa periódica convencional amarrar todas as pontas deste enredo. Talvez seja o momento, neste dia em que começa em São Paulo o 2º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, de se criar na internet uma instância colaborativa na qual possam convergir esforços de repórteres de diferentes veículos. O Brasil precisa de algum tipo de mídia à altura de seus problemas crônicos de corrupção na vida pública e na empresa privada. A corrupção é um agente poderoso contra a democracia e contra a redução da desigualdade social.
Fios ocultos da meada
Para se ter idéia de como são intrincadas as ligações entre as partes do esquema secular apenas aflorado nesta Operação Navalha, vejam-se duas passagens da Folha de S. Paulo de hoje. O noticiário registra, como em todos os jornais e ontem na TV, declaração do ministro das Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia, sobre a operação. Ele a comparou a problema de um caminhão com areia na construção de um prédio de 30 andares, referindo-se a possíveis prejuízos à execução do PAC.
Na página 2 da mesma Folha, o jornalista Melchiades Filho, da sucursal de Brasília, diz que recentes movimentações do governador de Minas Gerais, Aécio Neves, destinam-se a mantê-lo no noticiário num momento em que vários fatores ameaçam suas pretensões presidenciais. Em determinado trecho, escreve: “Aécio viu o amigo Sérgio Cabral roubar o papel de jovem político predileto de Lula. Viu o ministro Walfrido dos Mares Guia dividir uma função que ele antes desempenhava sozinho: a ponte entre grandes empresas de Minas e o governo federal”.
Quem puder ler três ou quatro jornais, complementados por noticiários na internet e blogues, terá uma boa visão de conjunto do que está por trás da Navalha – operação que tem a virtude manifesta de ser suprapartidária. Mas para uma síntese rápida, abrangente e politicamente eficaz, talvez seja preciso buscar algo novo na imprensa brasileira. Um esforço coletivo de apuração e organização dos fatos, sem prejuízo das tarefas que cada jornalista desempenha em sua redação.
Jornalismo aéreo
Alberto Dines fala de um caso que deixou a imprensa devedora de uma apuração mais qualificada, a crise aérea.
Dines:
– O Apagão Aéreo corre o risco de tornar-se um Apagão Jornalístico. Mesmo com a instalação no Senado da sua CPI destinada a contrabalançar a força do governo na CPI da Câmara, está parecendo que a mídia não está conseguindo destrinchar e desdobrar as evidências que já começam a aparecer. Há poucos dias, o delegado da Policia Federal, Renato Sayão, revelou que há fortes indícios de uma “atitude culposa” em três controladores de vôo na tragédia do vôo 1907. Mesmo que a Aeronáutica tente minimizar a acusação, ficou claro que as falhas dos pilotos do Legacy poderiam ter sido neutralizadas pelas torres de controle em Brasília e Manaus. Isso derruba a tese que o Ministro da Defesa, Waldir Pires, vem defendendo há sete meses ao jogar toda a culpa nos pilotos e isentar os controladores, aliás funcionários do seu ministério. A verdade é que a nossa imprensa não está conseguindo costurar estas evidencias. A mídia, sobretudo a eletrônica, foi mal habituada pelas CPIs de 2005 e 2006 quando bastava ligar as câmeras e microfones para que fossem revelados fatos de arrepiar os cabelos. Com os holofotes quase desligados, os jornalistas têm agora uma oportunidade de ouro para mostrar o que pode fazer uma imprensa ágil e cônscia de suas responsabilidades.
Política estudantil
O atual movimento de estudantes na USP começou com uma invasão e depois se transformou em greve parcial, o que já é sintomático. O noticiário dá mais peso à expectativa de uma desocupação pela força da Reitoria invadida pela força.
Não houve até agora uma só reportagem que mostrasse o tecido político dos corpos discente e docente. O assunto não é policial, é político.