Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>Crime e pecado
>>O legado dos Sarney

Crime e pecado


A imprensa internacional faz bastante barulho em torno da omissão do Vaticano diante das denúncias de abusos contra 200 internos de uma escola para meninos surdos nos Estados Unidos, cometidos por um padre ao longo de quase vinte e cinco anos.


Foram gerações de crianças molestadas.


A notícia, originalmente publicada no New York Times, informa que o próprio papa Bento XVI, quando ainda era o cardeal Joseph Ratzinger, responsável pela Congregação da Doutrina e da Fé, o tribunal eclesiástico da igreja católica, foi o responsável pela suspensão do julgamento do acusado.


Graças à proteção de Ratzinger, o padre Lawrence Murphy morreu placidamente após ter continuado por outros 24 anos a trabalhar com crianças em situação de vulnerabilidade.


A notícia tem ares de escândalo, e obscurece o esforço que faz o Vaticano para se contrapor à onda de denúncias contra sacerdotes em várias partes do mundo.


Representantes de Roma acusam a imprensa de fazer sensacionalismo.


Recentemente, o papa Bento XVI alterou a tradicional postura da igreja, que durante os últimos séculos se omitiu diante das acusações de abusos sexuais cometidos por sacerdotes.


Ele deu uma ordem à Igreja na Irlanda para que todos os acusados fossem julgados pelos tribunais canônicos e levados à justiça civil.


No entanto, Bento XVI também é acusado de haver fechado os olhos para os crimes cometidos por representantes da igreja em seu país de origem, a Alemanha.


No Brasil, a notícia do New York Times recebe tratamentos diferentes, conforme o jornal.


O Globo dedica amplo espaço ao assunto, com mais de uma página e meia, contando detalhes do episódio e reproduzindo opiniões de vaticanólogos que defendem o papa.


A Folha usa uma página inteira e apresenta um quadro com outras polêmicas nas quais o atual pontífice foi envolvido, entre elas o fato de haver participado, na juventude, de uma organização nazista e, recentemente, de haver reintegrado à igreja um bispo que havia negado a gravidade do extermínio de judeus pelo nazismo.


O Estado de S.Paulo apenas registra a acusação de omissão no caso do padre americano, citando o New York Times.


É flagrante o desconforto do Estadão em lidar com acusações contra a igreja católica.


Também se pode notar que a imprensa brasileira, de modo geral, tem dificuldades em separar crime de pecado.


No caso de sacerdotes católicos que cometem o crime de pedofilia, em geral o noticiário e as análises se concentram no aspecto religioso, e pouco se fala da questão criminal.


A separação entre Igreja e Estado tem a idade da República, mas parece ainda obscurecida no raciocínio de muitos jornalistas. 


O legado dos Sarney


Na sua coluna desta sexta-feira na Folha de São Paulo, o senador José Sarney afirma que a internet não matará os jornais.


Só quem pode matar o jornal é ele mesmo, querendo ser internet ou fazendo mau jornalismo, diz o senador.


Algumas páginas adiante, na mesma Folha, um dos filhos de Sarney é acusado de crimes financeiros.


Alberto Dines:


– O presidente do Senado, José Sarney, ficou irritadíssimo o com a manchete da Folha de S. Paulo de ontem. O jornal informou com detalhes a decisão do governo suíço de bloquear uma conta de 13 milhões de dólares controlada pelo filho do senador, Fernando Sarney. Os depósitos foram rastreados a pedido da Justiça brasileira e não foram declarados à Receita Federal. O chefe do nosso Legislativo foi procurado ainda na quarta-feira mas não se manifestou sobre o assunto. Como não pode responder à Folha – que hospeda sua coluna semanal há alguns anos –, o paladino das liberdades preferiu atacar toda a imprensa brasileira. E saiu-se com esta pérola: “a imprensa disputa com o Poder Legislativo o papel de porta-voz da opinião pública, sem submeter-se a mandatos ou regras. Estressado, Sarney confundiu tudo: o Legislativo não é porta-voz de ninguém, é o representante da sociedade. Cuida dos seus interesses. Sarney tem mandato de senador de um Estado onde raramente põe os pés, seu mandato é ilegítimo E quando criou a excrescência dos “atos secretos” acabou com a própria representatividade  da casa que preside.  Com mais algumas manchetes arrasadoras como a de ontem, além do Estadão, Sarney terá que calar a Folha também.