Quércia como protesto
Tem peso simbólico o surgimento da candidatura de Orestes Quércia ao governo de São Paulo no momento em que a Câmara dos Deputados brinca à beira do abismo com casos de corrupção. Quércia, como se sabe, conviveu com denúncias de corrupção desde que foi prefeito de Campinas, há 35 anos.
Segundo o diretor-presidente do Datafolha, Mauro Paulino, a liderança obtida pelo nome de Quércia na pesquisa divulgada hoje deve-se mais à rejeição aos nomes de Marta Suplicy e Aloizio Mercadante, ligados ao governo Lula, e de Fernando Henrique Cardoso, que ocupou o governo por oito anos, do que a um apoio ao próprio Quércia. Seria uma espécie de voto de protesto.
Imprensa convocada
O Alberto Dines cobra da mídia um papel responsável na defesa dos sentimentos da sociedade.
Dines:
– A Câmara começou a preparar a pizza quando absolveu o deputado Romeu Queiroz na quarta à noite, mas ontem à noite e hoje pela manhã a mídia mandou dizer que não vai permitir que a massa vá ao forno. Mesmo que o governo se empenhe em salvar mais cabeças. O próprio absolvido, Romeu Queiroz, declarou que recebeu mais de 50 votos do PT. Isso significa que o governo está pavimentando o caminho para evitar a degola dos petistas enrascados no mensalão. Quem vai decidir esta parada não é o governo, nem é a oposição. É a imprensa. Ela, só ela, pode criar a pressão necessária para que a Câmara acate os sentimentos da sociedade. Infelizmente, o voto é secreto, mas a imprensa, desde que empenhada, tem condições de revelar os cúmplices do “mensalão” escondidos no plenário da Câmara.
As pesquisas divulgadas ontem pelo Ibope e pelo Datafolha mostram que a sociedade não está aceitando a embromação. Por enquanto é o presidente Lula quem está pagando esta fatura. Quando as pesquisas começarem a mostrar que a Câmara precisa ser inteiramente renovada, é bem possível que não se repitam as absolvições.
Solidariedade subalterna
Dines, a crise do “mensalão” adquire agora uma dimensão mais preocupante. Até a noite de anteontem, apesar da absolvição do deputado Sandro Mabel no Conselho de Ética e no plenário, a Câmara dos Deputados havia gozado do benefício da dúvida. Sabia-se que a tendência ao conchavo corporativista é muito forte, como é forte de modo geral no país, mas via-se também que as comissões encarregadas de investigar o esquema de corrupção cumpriam seu papel, embora constituídas por deputados representativos da mentalidade média da Casa.
Agora ficou escancarada a força de uma solidariedade tecida por interesses subalternos. O governo e sua base parlamentar parecem ignorar qual é sua responsabilidade cívica.
O noticiário registra apoio do governador de Minas, Aécio Neves, à manobra pela absolvição. A lógica da eleição de 2006 começa a atropelar valores sem os quais a democracia se enfraquece.
Honrar a fé pública
O mandato da mídia é dado pela fé pública, que ela não pode perder. A imprensa está fragilizada por uma crise financeira e por mudanças tecnológicas que se transformaram em crise estrutural. Terá que fazer das tripas coração para iluminar todos os cantos da crise. Mas aqui há também oportunidades para novos atores na imprensa.
Fora do Rio, jornais abúlicos
Nesta sexta-feira, 16 de dezembro, só o Globo e o Jornal do Brasil dão destaque na capa ao acordo espúrio que livrou da cassação o deputado Romeu Queiroz. Os dois de São Paulo não dão o assunto na primeira página. A Folha, em editorial, classifica a decisão dos deputados como “falta de decoro”. Nos outros estados as capas dos jornais passam longe da necessária indignação. E é nos estados que os deputados têm que acertar contas com o eleitorado.
A palavra da televisão
Num cenário de hesitação dos jornais, cresce a responsabilidade da televisão e do rádio. O rádio em muitos lugares é dominado por interesses políticos semelhantes ou idênticos aos que promoveram a absolvição.
Restam as redes de televisão. Nessa esfera importantíssima, não se pode ignorar o peso específico da TV Globo e de seu principal noticiário, o Jornal Nacional. Ontem, o Jornal Nacional deu voz a críticas firmes da oposição.
Protesto online
A internet poderá fazer diferença como expressão de uma opinião pública ultrajada. Foi uma arma importante do “não” na campanha do recente referendo.