Faz de conta
José Sarney se defende alegando que as denúncias que pesam sobre ele são menores, baseadas em recortes de jornal.
Foi o que bastou para que seus advsersários recuassem.
Nas edições de hoje dos jornais, o que resta é apenas declaração e mais declaração, queixas e mais queixas sobre a decisão do Conselho de Ética do Senado, de arquivar liminarmente quatro das onze acusações.
Sarney se comportou como um alienado, ou como um personagem defasado na História.
Para ele, nomear parentes é parte dos deveres de um avô e pai de família.
A mistura entre o público e o privado está em suas veias, em seu jeito de ver a vida, e ele declara essa convicção tão naturalmente, essa declaração cai tão suavemente no plenário do Senado e repercute tão pouco na imprensa, que torna sem sentido a pesquisa apresentada pela oposição, indicando que 80% dos cidadãos consultados defendem sua saída da presidência do Senado.
Pouco importa se a pesquisa dos adversários de Sarney é bem fundamentada ou se é mais uma dessas manipulações da política.
Aqueles que decidem e seus consortes da imprensa não parecem interessados nos fatos, mas na versão.
A transmissão dos debates no plenário, durante a leitura das conclusões da Comissão de Ética, deixou vazar episódios de verdadeiro deboche, que os jornais reproduzem em suas edições desta quinta-feira.
Mas nada parece capaz de surpreender.
Tudo, até mesmo as caras e bocas dos personagens mostrados na televisão e nas fotos dos jornais, parece um filme antigo do qual todos conhecem o final.
A imprensa insiste no escândalo do dia, faz tudo parecer muito sério, mas não abre uma linha para qualquer abordagem mais profunda da eterna crise política que atrapalha as instituições do País.
Se os jornais colocassem na reforma política e institucional metade da energia que dispensaram ao esforço de acabar com a exigência do diploma de jornalista, que acabou se revelando um mero e desastroso capricho, alguma coisa já teria mudado.
O leitor que desembarcasse hoje de um longo exílio talvez se perguntasse: por que tudo isso parece uma história de faz-de-conta?
Porque é uma história de faz-de-conta.
Com o rabo preso
A Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça e a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda posicionaram-se recentemente contra a fusão da Fernando Chinaglia Distribuidora e da Dinap, Distribuidora Nacional de Publicações, que pertente ao Grupo Abril.
A decisão atende a pedido de empresas concorrentes, entre elas o Grupo Globo, que alegaram o risco de formação de monopólio.
Existem no Brasil mais de 200 editoras em atividade, a maioria de pequeno e médio porte, e apenas duas distribuidoras capazes de levar as publicações às 33 mil bancas: Abril e Chinaglia.
A fusão colocaria todas as publicações sob controle do Grupo Abril, porque não há outro meio de chegar aos pontos de venda.
O parecer da Secretaria de Acompanhamento Econômico está disponível na internet [pode ser lido no endereço http://www1.seae.fazenda.gov.br/littera/pdf/08012013152200720.pdf], mas a imprensa não se interessou pelo assunto.
Da mesma forma, os jornais não tomaram conhecimento de outro tema que coloca em pauta a lisura no mercado de publicações.
Há duas semanas, na edição 2.121, a revista Veja publicou uma entrevista com o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, na seção de páginas amarelas, historicamente dedicada a grandes personagens.
Uma entrevista que parecia ter sido produzida pela assessoria do próprio governador, tal o tom amigável e de profusos elogios.
O tema da entrevista era: “Ele deu a volta por cima”.
Referia-se ao fato de Arruda ter se tornado governador depois de haver renunciado ao Senado, no meio do escândalo da violação do painel de votação, ocorrida em abril de 2001.
Sob qualquer critério jornalístico, tal entrevista não faria sentido, diante da atual crise política e de outros temas mais relevantes.
Mas é possível que a decisão editorial tenha nascido em outro departamento da revista.
Um mês antes de ser entrevistado, o governador José Roberto Arruda havia feito um pagamento de R$ 442 mil ao Grupo Abril por conta de um contrato para a distribuição de exemplares de Veja em escolas do Distrito Federal.
A notícia saiu apenas em alguns blogs. Os jornais não se manifestaram, provavelmente porque esse tipo de manobra, misturando o espaço editorial com os interesses comerciais, se repete pelo Brasil afora.