Com medo do capeta vermelho
A imprensa recebeu com um pé atrás – e repassou a desconfiança ao mercado – o anúncio de que o governo brasileiro ampliou os poderes dos bancos estatais para adquirir instituições financeiras privadas e comprar empresas sob risco de quebra.
A razão não tem nada a ver com a eficácia ou conveniência da medida, mas com a desconfiança geral de que o atual governo está sempre empenhado em ampliar a presença do Estado na economia.
A imprensa brasileira está com medo de que uma revolução socialista venha tocando tambores atrás da crise financeira.
Interessante notar que a Medida Provisória anunciada ontem foi inspirada numa conversa do presidente Lula com o primeiro-ministro da Inglaterra, Gordon Brown, que o convenceu da necessidade de ampliar o poder de intervenção do Estado, como ação preventiva contra a quebradeira do mercado.
A mesma iniciativa, quando tomada na Inglaterra, provocou elogios gerais na imprensa internacional, repetidos pela mídia brasileira.
O primeiro-ministro Gordon Brown até ganhou o apelido de ‘Flash Gordon’, pela rapidez com que ampliou os poderes do Estado para agir na crise.
A imprensa destacou sua liderança, comparando-o ao presidente George Bush, dos Estados Unidos, que se mostrou indeciso diante da emergência.
Por que, então, as edições de hoje dos jornais estão repletas de restrições à Medida Provisória que amplia a margem de negociação do Banco do Brasil e outras instituições públicas no setor?
Os jornalistas de economia sabem que, mesmo antes da crise, havia um processo de concentração no setor bancário, e que era esperada nova onda de fusões e aquisições.
Os editores também sabem que o Proer, ao reformar o sistema financeiro no Brasil, criou uma estrutura mais sólida mas não garantiu a criação de um sistema plenamente competitivo.
A sucessão de compras de pequenos bancos e o processo de oligopolização no setor compõem um retrato dessa realidade.
A decisão do governo foi motivada pelo simples fato – noticiado pela imprensa – de que os grandes bancos, beneficiados com repasse de dinheiro pelo Banco Central, estavam retendo os recursos que deveriam ser usados para a oferta de crédito e fazendo caixa para uma nova ofensiva de aquisições.
O governo agiu rápido como ‘Flash’ Gordon, mas a imprensa brasileira ainda vive assombrada com o fantasma do comunismo.
Um assunto polêmico
Os jornais apenas noticiaram ontem, e hoje deixam de lado, a proposta da Ordem dos Advogados do Brasil para que seja abolido o RDD, Regime Disciplinar Diferenciado, vigente no sistema penitenciário brasileiro.
Segundo a ação protocolar de inconstitucionalidade encaminhada pela OAB junto ao Supremo Tribunal Federal, a lei de 2003 que criou o regime mais rigoroso para certos condenados viola a Constituição e sujeita os presos a condições desumanas.
O regime disciplinar diferenciado tem sido aplicado a preso que comete crime doloso, que coloca em risco a segurança e a ordem do presídio ou que é membro de organização criminosa.
Foi criado justamente para manter isolados esses indivíduos, que promoviam rebeliões e usavam o sistema penitenciário para ampliar sua influência no mundo do crime.
Já passaram pelo RDD bandidos notórios, como os traficantes Fernandinho Beira-Mar e Marcola.
Eles ficam em celas individuais, têm direito a banho de sol de duas horas por dia e recebem visitas semanais de duas pessoas de cada vez, por duas horas.
Comparadas às condições reais em que vive a maioria dos detentos do País, não parece assim tão desumano, ainda mais considerando-se a periculosidade desses sentenciados.
A Ordem dos Advogados do Brasil tem suas razões, e elas estão alinhadas na ação encaminhada ao Supremo Tribunal Federal.
Entre elas destaca-se o fato de que um preso pode ir para o Regime Disciplinar Diferenciado só com um pedido da administração penitenciária avalizado por um juiz competente.
Também pesa no pedido da OAB o critério de punição, baseado na simples suspeita de que um preso pertence a uma organização criminosa.
No entanto, o pedido de suspensão do regime mais rigoroso caminha contra o senso comum e contra a opinião de muitos especialistas, que consideram necessário um sistema que reduza a sensação geral de impunidade e ajude a desestimular o ingresso de novos membros nas máfias que dominam os presídios e ameaçam a sociedade aqui fora.
O tema merecia mais atenção da imprensa.