A tradição da reportagem
O Globo é o único dos grandes jornais que mantém a tradição das séries de reportagens, procurando dar ao seus leitores mais do que apenas as doses diárias de notícias sobre temas variados.
É certo que, como os outros diários, ele costuma se mover apenas a partir dos acontecimentos de grande repercussão, mas pelo menos persiste na busca das razões de alguns dos grandes problemas que são abordados pela imprensa.
De olho nas estradas
Desde o dia 7 deste mês, o jornal carioca tem dado atenção ao problema dos transportes rodoviários.
O grave acidente ocorrido na noite de terça-feira, dia 9, em Santa Catarina, no qual morreram 27 pessoas, deu fôlego ao tema, mas o Globo é o único dos grandes jornais que vem fazendo seguidas reportagens sobre as causas das altas estatísticas de acidentes.
Com esse olhar mais crítico, o jornal carioca trouxe no final de semana uma longa reportagem sobre o excesso de burocracia no controle do trânsito de ruas e estradas, mostrando como o emaranhado de siglas corresponde à demora e ineficiência na solução do problema.
Sem charme
Talvez porque o transporte rodoviário não possui o mesmo charme das viagens aéreas, mas o fato é que os jornai nunca deram aos problemas rodoviários a mesma atenção que dedicaram, por exemplo, à situação que foi chamada de ‘caos aéreo’.
Nas edições de hoje, o Estado de S.Paulo e a Folha apenas registram o movimento nas estradas durante o fim de semana prolongado. Um grave acidente no Rio Grande do Sul mereceu apenas um registro na Folha de S.Paulo, em meio a um texto sobre a lentidão na volta para São Paulo.
O Estadão, nem isso: foram apenas cinco linhas para registrar o desastre, burocraticamente, para engordar as estatísticas: mais quatro mortos.
Insegurança e fraudes
Enquanto isso, o Globo informa que, só no teriritório de Minas Gerais, pelo menos 16 pessoas haviam morrido em acidentes até a manhã de domingo.
Traz hoje também uma reportagem ampla sobre a Medida Provisória que vai proibir a venda de bebidas alcoólicas nas estradas e suas proximidades e segue destrinchando o emaranhado do sistema de controle de transportes terrestres, denunciando a ocorrência de fraudes com o seguro obrigatório.
O Globo lembra que morreram nos últimos dez anos, em acidentes rodoviários no Brasil, 327.469 pessoas, e que esses acidentes geram um custo de 22 bilhões de reais por ano.
O jornal carioca lembra também que os juizados especiais instalados nos aeroportos de São Paulo para registrar os descontentamentos dos passageiros já acumulam, em sete dias de funcionamento, 197 queixas por questões como atrasos de vôos e fala de informações.
Uma diferença notável no tratamento que as autoridades dão a quem viaja por terra e àqueles que podem voar.
Violência e espetáculo
São às vezes curiosas as razões pelas quais a imprensa se interessa por determinados assuntos.
No caso das tragédias com grande número de mortos, ou de eventos que envolvem pessoas de destaque, é compreensível que o jornalismo se detenha mais tempo em explorar certos temas.
Mas nada recomenda que a imprensa se dobre à irracionalidade, como aconteceu no caso recente, em que uma celebridade reagiu a um assalto com um artigo num jornal.
Dines:
– Luciano Huck foi para a capa da última edição de Época. Antes esteve nas Páginas Amarelas de Veja, duas vezes na primeira página da Folha e foi assunto de quase sessenta mil ocorrências na Internet. Por que a celeuma? O apresentador achou que deveria protestar contra uma violência da qual foi vítima e, como é uma celebridade, teve tratamento VIP. Então um escritor da periferia achou que deveria defender o ponto de vista dos marginais, botou a boca no trombone e também foi para a primeira página. A primeira vista tudo isto parece um debate democrático, troca de idéias dentro de uma sociedade pluralista. Não é. A imprensa fixou-se nos aspectos mais sensacionalistas, como a chamada na capa da Época – Ele Merecia ser Roubado? – o público leitor foi na onda e manteve a mesma entonação. Dai para o linchamento e o canibalismo foi um passo. Quando se simplifica o debate como agora acontece, é inevitável que a resposta coletiva seja ainda mais simplista e ainda mais grosseira. A brutalidade que hoje se nota em alguns blogs e nas seções de cartas dos leitores não acontece por acaso. Alguém fez vibrar um diapasão, a multidão percebeu o tom e procurou a mesma afinação. É evidente que Luciano Huck não merecia ser roubado, ninguém merece ser roubado, nem mesmo ladrões. Mas um assunto sério como este não merece colocações tão ingênuas e tão desatinadas.
Luciano:
Ainda a violência
No Dia do Professor, o Estado de S.Paulo prefere falar do sistema penitenciário.
Embora o tema educação – ou falta de educação – possa estar na raiz do problema da criminalidade, que afeta diretamente a questão dos presídios, o jornal fica devendo ao leitor uma explicação sobre a oportunidade da reportagem.
A Folha de S.Paulo foi mais adequada à efeméride.
Traz na manchete a revelação de que os professores da rede de ensino paulista ganham 39% a menos do que seus colegas do Acre.
Além disso, diz o jornal, se for considerada a diferença do custo de vida, muito maior em São Paulo do que no Acre, a distância pode ir para 60%.
Ranking da educação
A Folha gosta de rankings, e nem sempre sua metodologia justifica a notícia, mas desta vez o estudo sobre a situação dos professores parece bem fundamentado.
O jornal levou em conta o piso inicial de um professor estadual com licenciatura plena, ou seja, formado em curso superior, e também considerou as diferenças representadas pelas gratificações.
O levantamento mostra que, nos Estados onde os professores ganham mais, o aproveitamento dos alunos também tende a ser melhor.
Ponto para a Folha, que soube marcar a data com uma reportagem centrada no personagem do dia.
O lamentável é que, provavelmente, o interesse do jornal vai parar nesse levantamento. E mais um dia do Professor terá passado sem que a imprensa tenha criado a oportunidade para a valorização do magistério.
Mais um escândalo
Com Renan Calheiros licenciado do cargo de presidente do Senado, os jornais parecem ter entrado em ressaca de escândalos.
Apenas uma citação nas edições de hoje: o PSOL anuncia uma nova representação contra Renan.
Desta vez ele é acusado de haver apresentado emendas ao Orçamento que beneficiariam uma empresa-fantasma dirigida por um assessor.
A lista de irregularidades apontadas na denúncia inclui tráfico de influência, intermediação de interesses privados, exploração de prestígio, corrupção ativa e formação de quadrilha.
Não é pouco, mesmo para alguém com o currículo de Renan Calheiros.