Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>A heroína da imprensa
>>Os ‘arapongas’ da imprensa

A heroína da imprensa

O fenômeno da imprensa irresponsável não é apenas brasileiro, e a chamada imprensa tablóide da Inglaterra se celebrizou por essa característica.

O fato é que a mídia constrói celebridades instantâneas, criando para elas valores e atributos que muitas vezes não possuem.

E depois que passa o efeito dos quinze segundos de fama, persistem aqueles atributos como sendo verdadeiros, mesmo que os fatos os desmintam.

O leitor, a leitora, certamente ainda acha que a brasileira Andréia Schwartz, deportada dos Estados Unidos no final de semana, foi uma das responsáveis pela queda do ex-governador do Estado de Nova York Eliot Spitzer, certo?

Pois uma publicação dessas especializadas em ‘gente’, ou seja, em colunismo de celebridades, acaba de demonstrar que é tudo mentira.

Segundo a revista Glamurama, criada pela jornalista Joyce Pascovitch, que se tornou conhecida com uma coluna na Folha de S.Paulo e um programa de conversas na televisão, a história de Andréia é uma fraude completa.

O jornalista Osmar Freitas Júnior produziu para a revista o que o resto da imprensa deveria ter feito.

Ele simplesmente conferiu as datas da prisão de Andréia e os fatos envolvendo o ex-governador, e observou que a moça já estava presa bem antes de começar a investigação sobre os maus hábitos de Spitzer.

O escândalo estourou no começo deste ano, e Andréia já havia feito o acordo para ter a pena reduzida e ser deportada para o Brasil em 28 de janeiro de 2006, ou seja, antes de Spitzer ser eleito.

Além de checar as datas, Osmar Freitas foi ouvir as autoridades. Entrevistou um detetive de Manhattan que participou das investigações e o promotor público que conduziu o caso do governador.

Ficou sabendo que não apenas Andréia nunca havia trocado emails com o governador, como ouviu que, se ela tivesse alguma relação com o escândalo, não teria sido deportada, pois o processo contra Spitzer prossegue e seu testemunho seria importante.

A história de que teria sido a informante da Promotoria de Nova York foi plantada por um amigo dela no tablóide The New York Post, conhecido por publicar qualquer coisa que faça vender jornal.

A imprensa brasileira, em peso, comprou a mentira e criou a celebridade.

Ela teve desembarque de heroína e, segundo a imprensa, já assinou contrato com aquela edificante revista da Editora Abril para posar nua.

Certamente, será apresentada como ‘a brasileira que derrubou o governador de Nova York’.

O leitor e ouvinte pode estar questionando: por que estamos perdendo nosso tempo com essa bobagem?

Será que não existem outros assuntos importantes na imprensa?

De fato, o caso em questão não tem muita relevância.

Afinal, trata-se apenas de uma aventureira usando a mídia para aquecer seus negócios.

O problema é observar que, assim como compra uma ficção tão mal ajambrada, a imprensa pode agasalhar histórias capazes de destruir a reputação de pessoas honestas, produzir pânico sem motivos reais, como aconteceu no caso da febre amarela, no ano passado, ou afetar a eficácia de políticas públicas. 

Assim como os recursos da manipulação de fotografias permitem às revistas eróticas transformar qualquer coisa em diva, o jornalismo preguiçoso é capaz de criar mitos e perpetuar mentiras.

Os ‘arapongas’ da imprensa

Trata-se de um novo gênero jornalístico, que produz muito barulho mas nem sempre informa corretamente.

A mania dos dossiês baseados na bisbilhotice é o tema do comentário de hoje de Alberto Dines:

– O jornalismo baseado apenas em ‘vazamentos’, sem investigações, pode produzir manchetes, escândalos, mas é jornalismo de má qualidade. Não informa, confunde. Logo, não serve ao leitor. O tal dossiê publicado por Veja sobre supostos gastos do presidente FHC e sua família com cartões corporativos é um clássico do ‘jornalismo de vazamentos’, onde ninguém está interessado em revelar a verdade, todos querem apenas fazer barulho. O Planalto diz que o documento é rigorosamente falso, mas para comprovar a veracidade do que publicou, o semanário da Abril teria que revelar a fonte que vazou aquelas informações sigilosas. Claro que jamais o fará, pois a confidencialidade das fontes é garantida por lei. Acontece que a revista apresentou o seu dossiê como uma tentativa do governo em intimidar a oposição até então animadíssima com as revelações sobre os gastos com os cartões corporativos. Agora, depois da Veja, a oposição reagiu e está querendo que se publiquem os gastos pessoais do Presidente Lula e de sua família. Pergunta-se: a intenção dos vazadores do documento não seria justamente essa – encostar o atual governo contra a parede e mantê-lo na defensiva no início da temporada eleitoral? Uma coisa é certa, a imprensa não pode entrar no jogo pesado dos vazamentos. Quem abre estas torneiras são sempre os arapongas e os arapongas, por profissão, nunca revelam de que lado estão.