Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

>>Morto antes de depor
>>Cobertura preguiçosa

Morto antes de depor

Há um cadáver sobre a mesa da governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius, mas a chamada grande imprensa não consegue enxergar.

O morto atendia pelo nome de Marcelo Cavalcante, foi assessor da governadora no tempo em que ela era deputada federal e era chefe da representação do Rio Grande do Sul em Brasília.

Apareceu boiando no Lago Paranoá e a versão oficial é de que teria se suicidado, atirando-se da ponte Juscelino Kubitschek.

A imprensa gaúcha de maior visibilidade aceitou sem qualquer reserva a tese do suicídio, embora o personagem merecesse uma atenção maior.

Marcelo Cavalcante era uma das testemunhas cruciais no processo resultante da chamada “Operação Rodin”, que investigou fraudes e um amplo esquema de arrecadação ilegal de fundos no Detran gaúcho.

Ele estava convocado para prestar depoimento ao Ministério Público Federal após o carnaval.

Seu cadáver foi encontrado no dia 17 de fevereiro, a terça-feira anterior ao carnaval.

O enterro foi realizado rapidamente. Talvez com pressa demais para as circunstâncias que envolveam sua morte.

O governo gaúcho e a imprensa local anunciaram em uníssono que Marcelo Cavalcante foi induzido ao suicídio por conta de perseguições políticas.

O discurso é tão canhestro que não escapa até ao observador mais distraído a tentativa de jogar o cadáver no colo dos deputados do PSOL, que tentam estimular os jornalistas a prestarem mais atenção ao que pode ser um grande escândalo na administração Yeda Crusius.

O caso guarda algumas semelhanças com o assassinato do ex-prefeito de Santo André, na região metropolitana de São Paulo, Celso Daniel.

Pouco antes de morrer, Cavalcante teria manifestado interesse em entrar para o programa de proteção de testemunhas do Ministério da Justiça.

Mas nem de longe merece da imprensa qualquer menção.

A não ser a Folha de S.Paulo, que dedicou alguma atenção ao acontecimento, o assunto parece incapaz de mexer com a curiosidade natural dos jornalistas.

Apenas alguns blogs acompanham o caso.

Ninguém foi checar a autópsia, ninguém se interessou em saber se as câmeras da Ponte Juscelino Kubitschek gravaram o suposto suicídio, ninguém tratou de reconstituir os últimos passos do morto.

Estranho. Muito estranho.

Cobertura preguiçosa

Os leitores percebem que a qualidade da cobertura jornalística piora durante os feriados prolongados.

Foi o que aconteceu outra vez no carnaval que passou.

O perigo é que o público pode chegar à conclusão de que dá para viver sem jornais e revistas informativas.

Alberto Dines:

– Quando os leitores descansam, os jornalistas também devem descansar ou é o contrário — exatamente nestes momentos de relaxamento é que os produtos da indústria jornalística devem ser melhores e irresistíveis?

A urn@ eletrônica do “Observatório da Imprensa” levanta a mesma questão: a mídia consegue manter algum padrão de qualidade nas coberturas durante os feriados prolongados?

Leitores, ouvintes e telespectadores não têm duvidas: 91% acham que durante os feriadões baixa muito a qualidade jornalística. Eles pagam o preço estipulado e, em troca, recebem produtos deficientes.

O consumidor de informações está sendo lesado. Esta é também a preocupação do Ouvidor da Folha de S. Paulo, Carlos Eduardo Lins da Silva, que ontem reclamou contra a supressão ou encolhimento de cadernos nos grandes fins-de-semana.

Reclamou também contra a cobertura preguiçosa da grande festa popular, contra o relaxamento e o desleixo de outras matérias. Convém lembrar que o mundo não para durante o Carnaval, nem os nossos problemas atenuam-se ou somem de repente.

Se a mídia jornalística frustra o seu público quando está mais disponível e carente, assume que não tem apetite ou capacidade em atendê-lo.

Mesmo que todos os veículos sejam igualmente ruins nos feriadões, algo precisa ser feito antes que o público descubra que pode sobreviver sem a mídia informativa.

Links para outras matérias publicadas pelo OI sobre o mesmo assunto.