Memórias do terror
A técnica de se referir a uma obra de cinema ou de literatura para falar da realidade é um dos recursos mais comuns do jornalismo.
Esse recurso foi utilizado pela revista Época, na edição desta semana, ao aproveitar o lançamento do filme “Salve geral” para relembrar os dias de terror promovidos em diversas cidades paulistas por criminosos alistados na organização conhecida como Primeiro Comando da Capital.
O filme foi inspirado nos ataques conduzidos em 2006 pelo autodenominado PCC que deixaram quase duzentos mortos.
A reportagem de Época tenta explicar aqueles acontecimentos e especula sobre a atual situação nos presídios.
Antes, porém, de tentar formar uma opinião sobre a questão, o leitor precisaria de mais informações do que as que lhe oferece a revista.
Primeiro, porque a reportagem omite um fato essencial para entender os acontecimentos daquele ano.
Tudo começou com uma decisão do então governador Geraldo Alckminn, de interferir na composição dos grupos de poder dentro do sistema penitenciário paulista.
Um episódio obscuro, que a imprensa nunca tentou esclarecer de verdade, está na origem dessa ação: o suposto tiroteio promovido pela polícia na marginal da Rodovia Castelo Branco, em março de 2002, quando foram mortos 12 assaltantes, tidos como líderes dissidentes do PCC.
Sete anos depois, ou seja, em maio deste ano, o Instituto de Criminalística demonstrou que não houve tiroteio, mas uma execução planejada.
Mas a imprensa nunca deu muita atenção a esse detalhe.
A revista Época, em sua rememoração dos fatos, omite esse episódio, e apresenta o suposto líder do PCC, Marcos Willians Herbas Camacho, conhecido como Marcola, como o responsável pela ordem dos ataques que aterrorizaram a capital e outras cidades paulistas em 2006.
A revista não explica que a liderança de Marcola foi consolidada justamente após a execução dos doze dissidentes em 2002.
A reportagem da Época deixa no ar a pergunta: o terror do crime organizado ainda pode voltar?
A resposta tem que levar em conta o fato de que o crime organizado tem hoje mais controle do sistema penitenciário do que tinha há três anos.
E, como informa a revista, a imprensa simplesmente não tem mais acesso a informações sobre o que se passa no interior dos presídios.
Perdendo o controle
Alberto Dines:
– A velocidade e gravidade dos acontecimentos em Honduras vão obrigar a mídia brasileira a rever com urgência o seu distanciamento analítico dos últimos dias. Agora é irrelevante discutir a qualificação de quem está no poder em Tegucigalpa – se é um governo golpista, interino ou de facto. Também não interessa, neste momento, procurar os erros e os culpados pelo lamentável desfecho e a desconfortável posição em que ficamos. Estamos sendo ameaçados por uma republiqueta de bananas contrariando todas as normas, tradições e convenções internacionais em tempos de paz.
Uma embaixada ou representação diplomática de um país é uma continuação do seu território, a quebra desta inviolabilidade por ações diretas ou indiretas é um ato de guerra. Assim foi em 1979 quando estudantes iranianos ocuparam a Embaixada dos Estados Unidos em Teerã.
Antes da segunda-feira passada o Brasil era considerado um mediador, um dos poucos capazes de ajudar a OEA a negociar uma solução para o impasse político hondurenho. Com a inesperada entrada de Manuel Zelaya e sua comitiva na embaixada brasileira fomos transformados – à nossa revelia, diga-se – em parte do conflito. E o pior: estamos sendo ameaçados por quem controla o país.
Pouco importa que o hóspede esteja assumindo posições claramente desafiadoras ao contrário do que recomendam os anfitriões – nós. O que importa são as ameaças ao Brasil. Isso não significa que a mídia deva abandonar a sua função crítica e entregar-se ao delírio patrioteiro. Significa apenas que há momentos em que o interesse nacional deve sobrepor-se aos interesses setoriais e partidários.