Um debate rasteiro
A seqüência do noticiário sobre a proposta de mudanças no sistema tributário, com aumento de algumas alíquotas, pode levar o leitor a tirar algumas conclusões apressadas e superficiais sobre o jogo político.
Desde que foram anunciadas as medidas do governo para compensar as perdas com a extinção da CPMF, os jornais vêm repetindo duas linhas de mensagens: aquela em que o governo afirma que não haverá cortes nos programas sociais e de aceleração do crescimento, e a da oposição, que critica a taxação mais elevada sobre operações financeiras, argumentando que o custo será repassado aos correntistas.
Recebidas assim, sem maiores reflexões, as duas mensagens criam um retrato muito pobre do debate. Elas podem passar a impressão de que o Executivo se preocupa primariamente com os mais pobres, que garantem a popularidade do presidente, enquanto a oposição protege os que possuem uma conta bancária.
Apesar da irracionalidade evidente dessa análise, que não leva em conta a diversidade de interesses tanto do governo quanto da oposição, os jornais começam a alimentar essa percepção, intencionalmente ou não.
Na Folha de S.Paulo, hoje, os governistas reagem à iniciativa do partido Democratas, que contestou no Supremo Tribunal Federal o aumento de impostos, afirmando que a oposição está defendendo os interesses dos bancos.
Nessa linha, o debate fica tão rasteiro que a possibilidade de um entendimento no Congresso se torna cada vez mais distante.
A reprodução literal do discurso político é sempre um risco. Principalmente quando o noticiário omite o contexto em que as frases são pronunciadas.
Em busca das palavras de maior efeito, o texto jornalístico perde clareza e pode induzir o leitor a uma compreensão errada dos fatos.
Num momento em que o Congresso readquire certa autonomia, mesmo que se possa questionar as razões dos parlamentares ou o acerto de suas decisões, seria importante dar ao cidadão a oportunidade de conhecer e valorizar as divergências democráticas.
Mas do jeito que vem o noticiário, pode parecer a muitos leitores que tudo não passa de picuinhas.
Pisando no freio
A reprodução literal de frases de efeito tem seus perigos, principalmente quando o personagem é praticante contumaz de metáforas mais ou menos fora de ordem.
Quando, por exemplo, o verborrágico presidente da República afirma que o Brasil terá de cortar ‘na veia’, ele não está sugerindo que cortemos os pulsos.
Ele provavelmente quis dizer que, não havendo gordura nas contas públicas, o corte vai afetar setores importantes.
Pode-se discutir se existe ou não muita gordura no orçamento federal, e essa é uma das questões que estão faltando ao noticiário. Também se pode e se deve questionar as prioridades do Executivo, sem que se abandone a necessidade da continuidade de políticas públicas de redução da pobreza.
Mas o que os jornais nos têm apresentado não permite ao leitor entender o quadro mais completo em que acontece o debate sobre a questão tributária.
Não parece que o Brasil esteja à beira do abismo, a ponto de cortar as próprias veias, nem que esteja navegando em um mar de serenidade absoluta, a ponto de reduzir suas políticas sociais.
Pelo contrário, nossas carências sociais ainda são gigantescas.
O que se torna cada vez mais claro, embora não esteja explícito no noticiário do dia-a-dia, é que o governo optou por colocar algum freio no consumo, por causa dos sinais de inflação.
A redução no limite para os empréstimos consignados a beneficiários da Previdência Social é um sinal claro de que o governo quer manter sob controle o endividamento da população.
Associada ao aumento do custo de operações financeiras, que deve afetar o crédito, essa medida sinaliza certa preocupação oficial com o futuro imediato.
Mas os jornais ainda não se preocuparam em apresentar esse quadro.
O espaço está muito ocupado por frases de efeito.
O debate político é muito interessante.
No setor econômico, os sucessos das empresas também são um tema preferido pela imprensa.
Mas falta claramente uma abordagem mais constante da questão macroeconômica.
Quando a população está bem informada sobre suas contas, ela tende a se tornar mais responsável, sem necessitar da tutela de governantes. Ou da imprensa.