Batendo no FMI
Um estudo do Fundo Monetário Internacional admitindo, pela primeira vez, a adoção de controles de capital estrangeiro em economias emergentes causa grande agitação entre analistas econômicos dos jornais.
Trata-se de uma guinada surpreendente nos 70 anos de existência da instituição, que já foi acusada de punir os países mais pobres e privilegiar as economias mais desenvolvidas, no final do século passado.
Na verdade, o que o FMI produziu foi um documento que retrata um dado da realidade: com ou sem recomendação oficial, muitos países emergentes, como o Brasil, têm sido obrigados a adotar medidas de controle do ingresso de moedas estrangeiras, que inundam os mercados em ondas gigantescas.
Uma das críticas ao FMI que se pode ler nos jornais desta quarta-feira é o fato de que não há, no texto divulgado pelo Fundo, referências ao controle dos capitais nos países de origem, como os Estados Unidos.
Segundo esses comentários, o FMI estaria sendo conivente com a falta de rigor dos países desenvolvidos com suas políticas monetárias.
Se os grandes movimentos de capitais desorganizam as economias de países emergentes e pressionam as moedas locais, cuidar apenas dos controles de entrada é medida inócua, dizem especialistas.
Seria como levantar sacos de areia contra um tsunami.
Em meio a acusações de que o Fundo Monetário Internacional estaria respaldando a ação dos países ricos, que empurram parte de seus problemas para a periferia, há quem afirme que o estudo é incompleto, precipitado e influenciado por interesses políticos.
Depois da crise financeira que eclodiu em 2008, o mundo assistiu a uma série de ações governamentais sobre o mercado, sem que a imprensa tradicional, adepta dos dogmas chamados liberais, ensaiasse sequer uma queixa contra interferências da “mão peluda” do Estado nos negócios privados.
Agora que o FMI assume, ainda que de maneira parcial e precipitada, que eventualmente pode ser admitido algum controle nas marés financeiras, a grita é geral.
Na verdade, já existem muitas condicionantes para o movimento de capitais, e as oportunidades sempre irão funcionar como ímãs poderosos por causa da liquidez excessiva dos mercados.
Mas para quem viveu os dias de soberania do FMI, não deixa de ser um momento interessante de se assistir.
Sem memória
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
– Na barulhenta cobertura da mídia sobre as declarações racistas e homofóbicas do deputado Jair Bolsonaro ficou esquecido um episódio de 24 anos atrás, também protagonizado pelo agora deputado, e que tocou em um dos fundamentos da atividade jornalística, qual seja as declarações off the records, isto é, aquelas informações utilizadas pelo jornalista com o compromisso de resguardar o anonimato de sua fonte.
No segundo semestre de 1987, finda a ditadura e já sob o governo civil de José Sarney, a economia estava combalida em razão do fracasso do Plano Cruzado. A inflação era alta e grassava forte insatisfação nos quartéis por conta da política de reajustes dos soldos dos militares.
Jair Bolsonaro era então capitão da ativa e cursava a Escola Superior de Aperfeiçoamento de Oficiais (ESAO), no Rio. Em setembro de 1986, ele assinara um artigo na revista Veja, no qual protestava contra os baixos vencimentos dos militares. Por isso ele foi preso e, na época, sua punição provocou protestos de mulheres de oficiais da ativa – que podiam sair em passeata sem correr o risco de serem presas.
Bolsonaro tornou-se fonte da revista. Em meados de outubro 1987, a prisão de um outro militar, pelo mesmo motivo, levou à Vila Militar a repórter Cassia Maria, de Veja. Ali ela conversou com Jair Bolsonaro, que estava acompanhado de outro capitão e da mulher deste. Sob condição de sigilo, eles contaram à repórter que estava sendo preparado um plano batizado de “Beco sem saída”. O objetivo era explodir bombas de baixa potência em banheiros da Vila Militar, da Academia Militar de Agulhas Negras, em Resende (RJ), e em alguns quartéis. A intenção era não machucar ninguém, mas deixar clara a insatisfação da oficialidade com o índice de reajuste salarial que seria anunciado dali a poucos dias.
Era uma bomba, nos sentidos literal e figurado. Veja não respeitou o off – no que fez muito bem – e quebrou o pacto de sigilo com a fonte. Toda a história foi contada na edição 999 (de 27/10/1987) da revista. Com esses antecedentes, não deixa de ser curioso que agora, quando o personagem volta à baila, a cobertura da edição desta semana de Veja (nº 2211, de 6/4/2011) sobre o explosivo episódio de racismo resuma-se a uma mísera frase de Bolsonaro da seção “Veja Essa”. Faltou um curioso para examinar o arquivo digital da revista. Faria um gol.