Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>A novela do ministério
>>Fontes inconfiáveis

A novela do ministério


A montagem do futuro ministério dominou o cotidiano do Planalto nos últimos dias. As indicações recebidas de Brasília são de que o presidente Lula vai basicamente bisar o método adotado em 2003: um balcão de acordos políticos, agora não mais centrado no PT, mas com uma moldura mais ampla, a da chamada base aliada.


Seria útil a imprensa cobrir a montagem do ministério do ponto de vista dos desafios do país em educação, reforma do Estado, segurança pública, infra-estrutura. Nesta semana, por exemplo, o Jornal Nacional trata de um capítulo importante da infra-estrutura, os portos, mas esse noticiário corre em paralelo ao que aborda a montagem do ministério. Em vez de discutir competências para tocar políticas públicas, os jornalistas se vêem diante do novamente presidente do PTB, Roberto Jefferson. Tudo como dantes no quartel de Abrantes?


 


O São Francisco, ainda esquecido


A transposição das águas do São Francisco foi brecada, treze meses atrás, pela greve de fome do bispo Dom Luiz Flávio Cappio. Agora, essa obra, que interessa tanto a um potencial candidato à sucessão de Lula, Ciro Gomes, volta à tona. Em 2005, a Rede Globo levou três dias para “descobrir” o protesto do bispo, em meio a uma série de reportagens sobre o projeto do governo. De lá para cá, tudo foi esquecido: os trabalhos de revitalização do rio, os novos estudos, a experiência colhida pelo bispo, narrada em entrevista ao site da revista National Geographic Brasil. A mídia deve ao país essas reportagens.


 


Carro de boi no mundo digital


O editor do Observatório da Imprensa Online, Luiz Egypto, critica o burocratismo contido na proposta do governo para coibir crimes na internet.


A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado deveria  examinar hoje um projeto do senador Eduardo Azeredo, do PSDB mineiro, que tipifica crimes cometidos pela internet e estabelece suas punições. Ontem, o projeto foi retirado da pauta. A iniciativa do senador insere-se numa discussão também travada nos Estados Unidos e na Europa, cujo objetivo é criar condições para controlar e reprimir as novas formas de ações criminosas perpetradas na rede mundial de computadores – pedofilia, roubos cibernéticos e disseminação de vírus, entre elas, além da calúnia, injúria e difamação.


O problema é que a proposta brasileira vem contaminada daquele velho cartorialismo burocrático tão bem conhecido entre nós. O projeto prevê que os internautas devem informar, aos provedores de acesso, seus nomes e endereços, além dos números da carteira de identidade e do CPF. É o que, em geral, é solicitado no momento do cadastramento. Mas os provedores, ainda segundo o projeto, devem se responsabilizar pela veracidade dessas informações – o que pressupõe que tenham, em seu poder, cópias dos documentos solicitados aos seus clientes. Ou seja, papéis, papéis e mais papéis para ajudar a controlar malfeitorias digitais.


Não se pode negar que essa nova qualidade de crime precisa ser combatida e punida com rigor. Mas por que não fazê-lo por meio da tecnologia? Cada computador tem uma identificação própria, o chamado número IP, e os processos de certificação digital já estão bastante desenvolvidos. O melhor caminho pode ser encontrado nos bytes, não nos papéis.


 


Fontes inconfiáveis


A inspetora da Polícia do Rio de Janeiro Marina Maggessi, deputada federal eleita pelo PPS, tem uma percepção negativa das relações entre mídia e Polícia no Rio, relações que em nada contribuíram para deter o constante agravamento da insegurança. Ela opina sobre o que os jornalistas poderiam fazer para melhorar esse quadro.


            Marina Maggessi:


– O que a mídia pode fazer de positivo é muita coisa. Principalmente acabar com a hipocrisia, com a mentira que reina, porque as fontes falam o que querem e as coisas não são checadas na maioria das vezes e principalmente nas coisas de polícia. Porque ninguém vai checar lá com o bandido: “Você é mesmo bandido”. Tem que inventar outros mecanismos para checar, escutar outras fontes. E outra coisa que eu acho um absurdo, quando se trata de polícia no Rio de Janeiro, é o “off”. Porque o “off” dá vazão para todo tipo de mentira.


Se eu quero incitar a uma guerra entre Rocinha e Vidigal, por exemplo, eu chamo o repórter e falo em “off”. Aí você abre o jornal, está assim: “Disse um policial, disse um inspetor da Polícia Civil, que o Vidigal está todo armado para a guerra”. Você sabe o que isso faz acontecer na Rocinha? Pânico total. Vai todo mundo armado até os dentes, aí a Polícia entra, eles dão tiro porque eles estão assustados, fica o povo desesperado.


A autoridade, para aparecer, para mostrar, não digo serviço, mas para mostrar que está inteirado de alguma coisa, faz isso de uma forma totalmente irresponsável. Se você acompanhar a minha vida nos últimos cinco anos e os meus discursos você vai ver que o tempo todo eu brigo é contra isso.


            Mauro:


– No final de maio de 2004, o saldo de uma rebelião na Casa de Custódia de Benfica, no Rio de Janeiro, foi de 30 mortos. O massacre foi atribuído pelas autoridades a uma guerra entre grupos criminosos. A inspetora Marina Maggessi contesta essa versão.


            Marina Maggessi:


– Como eu falei sobre o caso de Benfica, da Casa de Custódia. Eles chegavam para a imprensa e diziam: “Foi uma guerra entre Terceiro Comando e Comando Vermelho”. Eu apurei um por um todos os registros de ocorrência das prisões daquelas pessoas que foram mortas. Trinta pessoas. E aí eu descobri que ali não tinha um traficante.


Muito pelo contrário. Pus por terra todo esse discurso mentiroso, que é feito pelo assessor de imprensa. No caso, do Garotinho. Porque eu nunca tinha visto nada tão ridículo na minha vida. Várias vezes eu também discutir com ele, dentro do gabinete do Garotinho, porque ele me cobrava minhas declarações.


            Mauro:


– Marina Maggessi lamenta o despreparo da maior parte dos repórteres de Polícia do Rio de Janeiro, que os torna presas fáceis de versões dadas por autoridades.


            Marina Maggessi:


– A maioria deles. Eu não sei como é que é o sistema. Por que alguém vai para o caderno de polícia, se por vontade deles, se é por imposição. Mas a maioria deles é muito despreparada.